# 2⠠ Exemplos

Publicado 1865-08-01

# 📑 01. O passamento

# 📄 01

A certeza da vida futura não exclui as apreensões quanto à passagem desta para a outra vida. Há muita gente que teme não a morte, em si, mas o momento da transição. Sofremos ou não nessa passagem? Por isso se inquietam, e com razão, visto que ninguém foge à lei fatal dessa transição. Podemos dispensar-nos de uma viagem neste mundo, menos essa. Ricos e pobres, devem todos fazê-la, e, por dolorosa que seja a franquia, nem posição nem fortuna poderiam suavizá-la.

# 📄 02

Vendo-se a calma de alguns moribundos e as convulsões terríveis de outros, pode-se previamente julgar que as sensações experimentadas nem sempre são as mesmas. Quem poderá no entanto esclarecer-nos a tal respeito? Quem nos descreverá o fenômeno fisiológico da separação entre a alma e o corpo? Quem nos contará as impressões desse instante supremo quando a Ciência e a Religião se calam? E calam-se porque lhes falta o conhecimento das leis que regem as relações do Espírito e da matéria, parando uma nos umbrais da vida espiritual e a outra nos da vida material. O Espiritismo é o traço de união entre as duas, e só ele pode dizer-nos como se opera a transição, quer pelas noções mais positivas da natureza da alma, quer pela descrição dos que deixaram este mundo. O conhecimento do laço fluídico que une a alma ao corpo é a chave desse e de muitos outros fenômenos.

# 📄 03

A insensibilidade da matéria inerte é um fato, e só a alma experimenta sensações de dor e de prazer. Durante a vida, toda a desagregação material repercute na alma, que por este motivo recebe uma impressão mais ou menos dolorosa. É a alma, e não o corpo, quem sofre, pois este não é mais que instrumento da dor: aquela é o paciente. Após a morte, separada a alma, o corpo pode ser impunemente mutilado que nada sentirá; aquela, por insulada, nada experimenta da destruição orgânica. A alma tem sensações próprias cuja fonte não reside na matéria tangível. O perispírito é o envoltório da alma e não se separa dela nem antes nem depois da morte. Ele não forma com ela mais que uma só entidade, e nem mesmo se pode conceber uma sem outro. Durante a vida o fluido perispirítico penetra o corpo em todas as suas partes e serve de veículo às sensações físicas da alma, do mesmo modo como esta, por seu intermédio, atua sobre o corpo e dirige-lhe os movimentos.

# 📄 04

A extinção da vida orgânica acarreta a separação da alma em consequência do rompimento do laço fluídico que a une ao corpo, mas essa separação nunca é brusca.

O fluido perispiritual só pouco a pouco se desprende de todos os órgãos, de sorte que a separação só é completa e absoluta quando não mais reste um átomo do perispírito ligado a uma molécula do corpo. A sensação dolorosa da alma, por ocasião da morte, está na razão direta da soma dos pontos de contato existentes entre o corpo e o perispírito, e, por conseguinte, também da maior ou menor dificuldade que apresenta o rompimento. Não é preciso portanto dizer que, conforme as circunstâncias, a morte pode ser mais ou menos penosa. Estas circunstâncias é que nos cumpre examinar.

# 📄 05

Estabeleçamos em primeiro lugar, e como princípio, os quatro seguintes casos, que podemos reputar situações extremas dentro de cujos limites há uma infinidade de variantes:

  1. Se no momento em que se extingue a vida orgânica o desprendimento do perispírito fosse completo, a alma nada sentiria.

  2. Se nesse momento a coesão dos dois elementos estiver no auge de sua força, produz-se uma espécie de ruptura que reage dolorosamente sobre a alma.

  3. Se a coesão for fraca, a separação torna-se fácil e opera-se sem abalo.

  4. Se após a cessação completa da vida orgânica existirem ainda numerosos pontos de contato entre o corpo e o perispírito, a alma poderá ressentir-se dos efeitos da decomposição do corpo, até que o laço inteiramente se desfaça.

Daí resulta que o sofrimento, que acompanha a morte, está subordinado à força adesiva que une o corpo ao perispírito; que tudo o que puder ajudar na diminuição dessa força, e na rapidez do desprendimento, torna a passagem menos penosa; e, finalmente, que, se o desprendimento se operar sem dificuldade, a alma deixará de experimentar qualquer sentimento desagradável.

# 📄 06

Na transição da vida corporal para a espiritual, produz-se ainda um outro fenômeno de importância capital

— a perturbação. Nesse instante a alma experimenta um torpor que paralisa momentaneamente as suas faculdades, neutralizando, ao menos em parte, as sensações. É como se disséssemos um estado de catalepsia, de modo que a alma quase nunca testemunha conscientemente o derradeiro suspiro. Dizemos quase nunca, porque há casos em que a alma pode contemplar conscientemente o desprendimento, como em breve veremos. A perturbação pode, pois, ser considerada o estado normal no instante da morte e perdurável por tempo indeterminado, variando de algumas horas a alguns anos. À proporção que se liberta, a alma encontra-se numa situação comparável à de um homem que desperta de profundo sono; as ideias são confusas, vagas, incertas; a vista apenas distingue como que através de um nevoeiro, mas pouco a pouco se aclara, desperta-se-lhe a memória e o conhecimento de si mesma. Bem diverso é, contudo, esse despertar; calmo, para uns, acorda-lhes sensações deliciosas; tétrico, aterrador e ansioso, para outros, é qual horrendo pesadelo.

# 📄 07

O último alento quase nunca é doloroso, uma vez que ordinariamente ocorre em momento de inconsciência, mas a alma sofre antes dele a desagregação da matéria, nos estertores da agonia, e, depois, as angústias da perturbação. Demo-nos pressa em afirmar que esse estado não é geral, porquanto a intensidade e duração do sofrimento estão na razão direta da afinidade existente entre corpo e perispírito. Assim, quanto maior for essa afinidade, tanto mais penosos e prolongados serão os esforços do espírito para desprender-se. Há pessoas nas quais a coesão é tão fraca que o desprendimento se opera por si mesmo, como que naturalmente; é como se um fruto maduro se desprendesse do seu caule, e é o caso das mortes calmas, de pacífico despertar.

# 📄 08

A causa principal da maior ou menor facilidade de desprendimento é o estado moral da alma. A afinidade entre o corpo e o perispírito é proporcional ao apego à matéria, que atinge o seu máximo no homem, cujas preocupações dizem respeito exclusiva e unicamente à vida e gozos materiais. Ao contrário, nas almas puras, que antecipadamente se identificam com a vida espiritual, o apego é quase nulo. E desde que a lentidão e a dificuldade do desprendimento estão na razão do grau de pureza e desmaterialização da alma, de nós somente depende o tornar fácil ou penoso, agradável ou doloroso, esse desprendimento.

Posto isto, quer como teoria, quer como resultado de observações, resta-nos examinar a influência do gênero de morte sobre as sensações da alma nos últimos transes.

# 📄 09

Tratando-se de morte natural resultante da extinção das forças vitais por velhice ou doença, o desprendimento opera-se gradualmente; para o homem cuja alma se desmaterializou e cujos pensamentos se destacam das coisas terrenas, o desprendimento quase se completa antes da morte real, isto é, ao passo que o corpo ainda tem vida orgânica, já o Espírito penetra a vida espiritual, apenas ligado por elo tão frágil, que se rompe com a última pancada do coração. Nesta contingência o Espírito pode ter já recuperado a sua lucidez, de molde a tornar-se testemunha consciente da extinção da vida do corpo, considerando-se feliz por tê-lo deixado. Para esse a perturbação é quase nula, ou antes, não passa de ligeiro sono calmo, do qual desperta com indizível impressão de esperança e ventura.

No homem materializado e sensual, que mais viveu do corpo que do Espírito, e para o qual a vida espiritual nada significa, nem sequer lhe toca o pensamento, tudo contribui para estreitar os laços materiais, e, quando a morte se aproxima, o desprendimento, conquanto se opere gradualmente também, demanda contínuos esforços. As convulsões da agonia são indícios da luta do Espírito, que às vezes procura romper os elos resistentes, e outras se agarra ao corpo do qual uma força irresistível o arrebata com violência, molécula por molécula.

# 📄 10

Quanto menos vê o Espírito além da vida corporal, tanto mais se lhe apega, e, assim, sente que ela lhe foge e quer retê-la; em vez de se abandonar ao movimento que o empolga, resiste com todas as forças e pode mesmo prolongar a luta por dias, semanas e meses inteiros.

Certo, nesse momento o Espírito não possui toda a lucidez, visto como a perturbação de muito se antecipou à morte, mas nem por isso sofre menos, e o vácuo em que se acha, e a incerteza do que lhe sucederá, agravam-lhe as angústias. Dá-se por fim a morte, e nem por isso está tudo terminado; a perturbação continua, ele sente que vive, mas não define se material, se espiritualmente, luta, e luta ainda, até que as últimas ligações do perispírito se tenham de todo rompido. A morte pôs termo à moléstia efetiva, porém, não lhe sustou as consequências, e, enquanto existirem pontos de contato do perispírito com o corpo, o Espírito ressente-se e sofre com as suas impressões.

# 📄 11

Quão diversa é a situação do Espírito desmaterializado, mesmo nas enfermidades mais cruéis! Sendo frágeis os laços fluídicos que o prendem ao corpo, rompem-se suavemente; depois, a confiança do futuro entrevisto em pensamento ou na realidade, como sucede algumas vezes, fá-lo encarar a morte qual redenção e as suas consequências como prova, advindo-lhe daí uma calma resignada, que lhe ameniza o sofrimento.

Após a morte, rotos os laços, nem uma só reação dolorosa que o afete; o despertar é lépido, desembaraçado; por sensações únicas: o alívio, a alegria!

# 📄 12

Na morte violenta as sensações não são precisamente as mesmas. Nenhuma desagregação parcial pôde iniciar previamente a separação do perispírito; a vida orgânica em plena exuberância de força é subitamente aniquilada. Nestas condições, o desprendimento só começa depois da morte e não pode completar-se rapidamente. O Espírito, colhido de improviso, fica como que aturdido e sente, e pensa, e acredita-se vivo, prolongando-se esta ilusão até que compreenda o seu estado. Este estado intermediário entre a vida corporal e a espiritual é dos mais interessantes para ser estudado, porque apresenta o espetáculo singular de um Espírito que julga material o seu corpo fluídico, experimentando ao mesmo tempo todas as sensações da vida orgânica. Há, além disso, dentro desse caso, uma série infinita de modalidades que variam segundo os conhecimentos e progressos morais do Espírito. Para aqueles cuja alma está purificada, a situação pouco dura, porque já possuem em si como que um desprendimento antecipado, cujo termo a morte mais súbita não faz senão apressar. Outros há, para os quais a situação se prolonga por anos inteiros. É uma situação essa muito frequente até nos casos de morte comum, que, nada tendo de penosa para Espíritos adiantados, se torna horrível para os atrasados. No suicida, principalmente, excede a toda expectativa. Preso ao corpo por todas as suas fibras, o perispírito faz repercutir na alma todas as sensações daquele, com sofrimentos cruciantes.

# 📄 13

O estado do Espírito por ocasião da morte pode ser assim resumido: Tanto maior é o sofrimento, quanto mais lento for o desprendimento do perispírito; a presteza deste desprendimento está na razão direta do adiantamento moral do Espírito; para o Espírito desmaterializado, de consciência pura, a morte é qual um sono breve, isento de agonia, e cujo despertar é suavíssimo.

# 📄 14

Para que cada qual trabalhe na sua purificação, reprima as más tendências e domine as paixões, preciso se faz que abdique das vantagens imediatas em prol do futuro, visto como, para identificar-se com a vida espiritual, encaminhando para ela todas as aspirações e preferindo-a à vida terrena, não basta crer, mas compreender. Devemos considerar essa vida debaixo de um ponto de vista que satisfaça ao mesmo tempo à razão, à lógica, ao bom senso e ao conceito em que temos a grandeza, a bondade e a Justiça de Deus. Considerado deste ponto de vista, o Espiritismo, pela fé inabalável que proporciona, é, de quantas doutrinas filosóficas que conhecemos, a que exerce mais poderosa influência.

O espírita sério não se limita a crer porque compreende, e compreende porque raciocina; a vida futura é uma realidade que se desenrola incessantemente a seus olhos; uma realidade que ele toca e vê, por assim dizer, a cada passo e de modo que a dúvida não pode empolgá-lo, ou ter guarida em sua alma. A vida corporal, tão limitada, amesquinha-se diante da vida espiritual, da verdadeira vida. Que lhe importam os incidentes da jornada se ele compreende a causa e utilidade das vicissitudes humanas, quando suportadas com resignação? A alma eleva-se-lhe nas relações com o mundo visível; os laços fluídicos que o ligam à matéria enfraquecem-se, operando-se por antecipação um desprendimento parcial que facilita a passagem para a outra vida. A perturbação consequente à transição pouco perdura, porque, uma vez franqueado o passo, para logo se reconhece, nada estranhando, antes compreendendo, a sua nova situação.

# 📄 15

Com certeza não é só o Espiritismo que nos assegura tão auspicioso resultado, nem ele tem a pretensão de ser o meio exclusivo, a garantia única de salvação para as almas. Força é confessar, porém, que pelos conhecimentos que fornece, pelos sentimentos que inspira, como pelas disposições em que coloca o Espírito, fazendo-lhe compreender a necessidade de melhorar-se, facilita enormemente a salvação. Ele dá a mais, e a cada um, os meios de facilitar o desprendimento doutros Espíritos ao deixarem o invólucro material, abreviando-lhes a perturbação pela evocação e pela prece. Pela prece sincera, que é uma magnetização espiritual, provoca-se a desagregação mais rápida do fluido perispiritual; pela evocação conduzida com sabedoria e prudência, com palavras de benevolência e conforto, combate-se o entorpecimento do Espírito, ajudando-o a reconhecer-se mais cedo, e, se é sofredor, incute-se-lhe o arrependimento

— único meio de abreviar seus sofrimentos. 1

# 📑 02. Espíritos felizes

# 📄 01. Sanson

Este antigo membro da Sociedade Espírita de Paris faleceu a 21 de abril de 1862, depois de um ano de atrozes padecimentos. Prevendo a morte, dirigira ao presidente da Sociedade uma carta com o tópico seguinte:

👻 ▸ Podendo dar-se o caso de ser surpreendido pela separação entre minha alma e meu corpo, ocorre-me reiterar-vos um pedido que vos fiz há cerca de um ano, qual o de evocar o meu Espírito o mais breve possível, a fim de, como membro assaz inútil da nossa Sociedade, poder eu prestar-lhe para alguma coisa depois de morto, esclarecendo fase por fase as circunstâncias decorrentes do que o vulgo chama morte, e que, para nós outros

— os espíritas

— não passa de uma transformação, segundo os desígnios insondáveis de Deus, mas sempre útil ao fim que Ele se propõe. Além deste pedido

— que é uma autorização para me honrardes com essa autópsia espiritual, talvez improfícua em razão do meu quase nulo adiantamento, e que a vossa sabedoria não consentirá ir além de um certo número de ensaios

— ouso pedir pessoalmente a vós como a todos os colegas que supliquem ao Todo-Poderoso a assistência de bons Espíritos, e a São Luís, nosso presidente espiritual, em particular, que me guie na escolha e na época de uma nova encarnação, ideia que de há muito me preocupa.

Arreceio-me de confiar demais nas minhas forças espirituais, rogando a Deus, muito cedo e presunçosamente, um estado corporal no qual eu não possa justificar a divina bondade, de modo a prejudicar o meu próprio adiantamento e prolongar a estação na Terra ou em outra qualquer parte, desde que naufrague.

Para satisfazer-lhe o desejo, evocando-o o mais breve possível após o seu falecimento, dirigimo-nos com alguns membros da Sociedade à câmara mortuária, onde, em presença do seu corpo, se passou o seguinte colóquio, precedendo uma hora o respectivo enterro. Era duplo o nosso fim: íamos cumprir uma vontade última e íamos observar, ainda uma vez, a situação de uma alma em momento tão imediato à morte, tratando-se, ademais, de um homem eminentemente esclarecido, inteligente e profundamente convicto das verdades espíritas. Íamos enfim colher nas suas primeiras impressões a prova de quanto, sobre o estado do Espírito, pode influir a compenetração dessas verdades. E não nos iludimos na expectativa, porquanto o Sr. Sanson descreveu, plenamente lúcido, o instante da transição, vendo-se morrer e renascer, o que é uma circunstância pouco comum e só devida à elevação do seu Espírito.

# 📄 01

(Câmara mortuária, 23 de abril de 1862.)

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Atendo ao vosso chamado para cumprir a minha promessa.

# #️⃣ 02

Meu caro Sr. Sanson, cumprindo um dever, com satisfação vos evocamos o mais cedo possível depois da vossa morte, como era do vosso desejo.

👻 ▸ É uma graça especial que Deus me concede para que possa manifestar-me; agradeço a vossa boa vontade, porém, sou tão fraco que tremo.

# #️⃣ 03

Fostes tão sofredor que podemos, penso eu, perguntar como vos achais agora... Sentis ainda as vossas dores? Comparando a situação de hoje com a de dois dias atrás, que sensações experimentais?

👻 ▸ A minha situação é bem-ditosa; acho-me regenerado, renovado, como se diz entre vós, nada mais sentindo das antigas dores. A passagem da vida terrena para a dos Espíritos deixou-me de começo num estado incompreensível, porque ficamos algumas vezes muitos dias privados de lucidez. Eu havia feito no entanto um pedido a Deus para permitir-me falar aos que estimo, e Deus ouviu-me.

# #️⃣ 04

Ao fim de que tempo recobrastes a lucidez das ideias?

👻 ▸ Ao fim de oito horas. Deus, repito, deu-me uma prova de sua bondade, maior que o meu merecimento, e eu não sei como agradecer-lhe.

# #️⃣ 05

Estais bem certo de não pertencerdes mais ao nosso mundo? No caso afirmativo, como comprová-lo?

👻 ▸ Oh! certamente não sou mais desse mundo, porém, estarei sempre ao vosso lado para vos proteger e sustentar, a fim de pregardes a caridade e a abnegação, que foram os guias da minha vida. Depois, ensinarei a verdadeira fé, a fé espírita, que deve elevar a crença do bom e do justo; estou forte, robusto, em uma palavra

— transformado. Em mim não reconhecereis mais o velho enfermo que tudo devia esquecer, fugindo de todo prazer e alegria. Eu sou Espírito e a minha pátria é o Espaço, o meu futuro é Deus, que reina na imensidade. Desejara poder falar a meus filhos, ensinar-lhes aquilo mesmo que sempre desdenharam acreditar.

# #️⃣ 06

Que efeito vos causa o vosso corpo aqui ao lado?

👻 ▸ Meu corpo! pobre, mísero despojo... volve ao pó, enquanto eu guardo a lembrança de todos que me estimaram. Vejo essa pobre carne decomposta, morada que foi do meu Espírito, provação de tantos anos! Obrigado, mísero corpo, pois que purificaste o meu Espírito! O meu sofrimento, dez vezes bendito, deu-me um lugar bem meritório, por isso que tão depressa posso comunicar-me convosco...

# #️⃣ 07

Conservastes as ideias até o último instante?

👻 ▸ Sim. O meu Espírito conservou as suas faculdades, e quando eu já não mais via, pressentia. Toda a minha existência se desdobrou na memória e o meu último pensamento, a última prece, foi para que pudesse comunicar-me convosco, como o faço agora; em seguida pedi a Deus que vos protegesse, para que o sonho da minha vida se completasse.

# #️⃣ 08

Tivestes consciência do momento em que o corpo exalou o derradeiro suspiro? que se passou convosco nesse momento? que sensação experimentastes?

👻 ▸ Parte-se a vida e a vista, ou antes, a vista do Espírito se extingue; encontra-se o vácuo, o ignoto, e arrastada por não sei que poder, encontra-se a gente num mundo de alegria e grandeza! Eu não sentia, nada compreendia e, no entanto, uma felicidade inefável me extasiava de gozo, livre do peso das dores.

# #️⃣ 09

Tendes ciência... do que pretendo ler sobre a vossa campa?

Nota: Apenas pronunciadas as primeiras palavras sobre o assunto, o Espírito respondeu sem que eu terminasse. Também respondeu, sem interrogação alguma, a certa controvérsia suscitada entre os assistentes, sobre se seria oportuno ler esta comunicação no cemitério, achando-se presentes pessoas que poderiam não compartilhar das nossas opiniões.

👻 ▸ Ah! sei, meu amigo, e sei, por que tanto vos via ontem como hoje... que grande é a minha alegria! Obrigado! Obrigado! Falai... falai para que me compreendam e vos estimem; nada tendes que temer, pois que se respeita a morte... falai, pois, para que os incrédulos tenham fé. Adeus; falai; coragem, confiança, e oxalá meus filhos possam converter-se a uma crença sacrossanta.

J. Sanson

Durante a cerimônia do cemitério, ele ditou as palavras seguintes: “Não vos atemorize a morte, meus amigos: ela é um estágio da vida, se bem souberdes viver; é uma felicidade, se bem a merecerdes e melhor cumprirdes as vossas provações. Repito: coragem e boa vontade! Não deis mais que medíocre valor aos bens terrenos, e sereis recompensados. Não se pode muito gozar, sem tirar de outrem o bem-estar e sem fazer moralmente um grande, um imenso mal. A terra me seja leve.”

# 📄 02

(Sociedade Espírita de Paris, 25 de abril de 1862.)

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Estou perto de vós, meus amigos.

# #️⃣ 02

Consideramo-nos felizes pela entrevista que tivemos no dia do vosso enterro, e, visto que o permitis, mais felizes seremos em completá-la para nossa instrução.

👻 ▸ Estou pronto, e sinto-me feliz por pensardes em mim.

# #️⃣ 03

A ideia falsa que fazemos do mundo invisível é, o mais das vezes, o que nos leva à descrença, e, assim, tudo que possa esclarecer-nos, a tal respeito, será para nós da mais alta importância. Não vos surpreendam, portanto, as perguntas que porventura vos fizermos.

👻 ▸ Espero-as e não ficarei surpreendido.

# #️⃣ 04

Descrevestes luminosamente a transição para a outra vida; dissestes que, no momento de exalar o corpo o derradeiro alento, a vida se parte e a vista se extingue. E será esse momento seguido de qualquer sensação dolorosa?

👻 ▸ Decerto que sim, pois a vida não passa de uma série contínua de dores, das quais a morte é complemento. Daí uma ruptura violenta, como se o Espírito houvesse de fazer um esforço sobre-humano para escapar-se do seu invólucro, esforço que absorve todo o ser, fazendo-lhe perder o conhecimento do seu destino.

📝 Nota. Este caso não é geral, pois a experiência prova que muitos Espíritos perdem a consciência antes de expirar, assim como nos que atingiram certo grau de desmaterialização o desprendimento se opera sem esforço.

# #️⃣ 05

Sabeis se há Espíritos para os quais o momento extremo seja mais penoso? Será ele mais doloroso ao materialista, por exemplo?

👻 ▸ Isso é certo, porque o Espírito preparado tem já esquecido o sofrimento, ou, antes, habituou-se com ele e a calma com que encara a morte o impede de sofrer duplamente, prevendo o que por ela o aguarda. O sofrimento moral é mais forte e a sua ausência, por ocasião da morte, é por si só um grande alívio. O descrente assemelha-se ao condenado à pena última, cujo pensamento antevê o cutelo e o ignoto. Entre esta morte e a do ateu, há paridade.

# #️⃣ 06

Haverá materialistas bastante endurecidos para julgarem nesse momento que vão ser arremessados ao nada?

👻 ▸ Sim, eles acreditam no nada até a última hora, mas, no momento da separação, o Espírito recua, a dúvida empolga-o e tortura-o; pergunta-se a si mesmo o que vai ser, quer algo apreender e nada pode. O desprendimento não pode completar-se sem esta impressão.

📝 Nota. Em outras circunstâncias, um Espírito fez-nos a seguinte descrição da morte do incrédulo: “Experimentam nos últimos instantes as angústias desses pesadelos terríveis em que se veem em escarpas de abismos prestes a tragá-los; querem fugir e não podem; procuram agarrar-se a qualquer coisa, mas não encontram apoio e sentem precipitar-se: querem clamar, gritar e nem sequer um som podem articular, então vemo-los contorcerem-se, crispar as mãos, dar gritos sufocados, outros tantos sintomas do pesadelo de que são vítimas.

No pesadelo ordinário, do sonho, o despertar tira-vos a inquietação e aliviados sois pela compreensão de que sonháveis; o pesadelo da morte prolonga-se muita vez por longo tempo, por anos mesmo, e o que torna a sensação ainda mais penosa para o Espírito são as trevas em que se encontra imerso.”

# #️⃣ 07

Dissestes que por ocasião de expirar nada víeis, porém pressentíeis. Compreende-se que nada vísseis corporalmente, mas o que pressentíeis antes da extinção seria já a claridade do mundo dos Espíritos?

👻 ▸ Foi o que eu disse precedentemente, o instante da morte dá clarividência ao Espírito; os olhos não veem, porém o Espírito, que possui uma vista bem mais profunda, descobre instantaneamente um mundo desconhecido, e a verdade, brilhando de súbito, lhe dá momentaneamente imensa alegria ou funda mágoa, conforme o estado de consciência e a lembrança da vida passada.

📝 Nota. Trata-se do instante que precede a morte, ou antes, daquele em que se perde a consciência

— o que explica a palavra momentaneamente, pois as impressões agradáveis ou penosas, quaisquer que sejam, sobrevivem ao despertar.

# #️⃣ 08

Podeis dizer-nos o que vos impressionou, o que vistes no momento em que os vossos olhos se abriram à luz? Podeis descrever-nos, se é possível, o aspecto das coisas que se vos depararam?

👻 ▸ Quando pude voltar a mim e ver o que tinha diante dos olhos, fiquei como que ofuscado, sem poder compreender, porquanto a lucidez não volta repentinamente. Deus, porém, que me deu uma prova exuberante da sua bondade, permitiu-me recuperasse as faculdades, e foi então que me vi cercado de numerosos, bons e fiéis amigos. Todos os Espíritos protetores que nos assistem, rodeavam-me sorrindo; uma alegria sem par irradiava-lhes do semblante e também eu, forte e animado, podia sem esforço percorrer os espaços. O que eu vi não tem nome na linguagem dos homens. Voltarei depois para falar-vos mais amplamente das minhas venturas, sem ultrapassar, já se vê, o limite traçado por Deus. Sabei que a felicidade, como vós outros a compreendeis, não passa de uma ficção. Vivei sabiamente, santamente, pela caridade e pelo amor, e tereis feito jus a impressões e delícias que o maior dos poetas não saberia descrever.

📝 Nota. Os contos de fadas estão cheios de coisas absurdas, mas quem sabe se não contêm, de alguma sorte e em parte, algo do que se passa no mundo dos Espíritos? A descrição do Sr. Sanson lembra como que um homem adormecido numa choupana, despertando em palácio esplêndido e rodeado de uma corte brilhante.

# 📄 03

# #️⃣ 09

Debaixo de que aspecto se vos apresentaram os Espíritos? sob a forma humana?

👻 ▸ Sim, meu caro amigo; os Espíritos nos ensinam aí na Terra, que conservam no outro mundo a mesma forma que lhes serviu de envoltório, e é a verdade. Mas que diferença entre a máquina informe, que penosamente aí se arrasta com seu cortejo de misérias, e a fluidez maravilhosa do corpo espiritual! A fealdade não mais existe, porque os traços perderam a dureza de expressão que forma o caráter distintivo da raça humana. Deus beatificou esses corpos graciosos que se movem com todas as elegâncias; a linguagem tem modulações intraduzíveis para vós e o olhar o alcance de uma estrela! Conjeturai sobre o que Deus pode produzir na sua Onipotência, Ele, o arquiteto dos arquitetos, e tereis feito uma fraca ideia da forma dos Espíritos.

# #️⃣ 10

Quanto a vós, como vedes? Reconheceis em vós uma forma limitada, circunscrita, ainda que imponderável? Sentis em vós mesmo uma cabeça, tronco, pernas e braços?

👻 ▸ O Espírito, conservando a sua forma humana idealizada, divinizada, pode, sem contradição, possuir todos os membros de que falais. Sinto perfeitamente as minhas mãos com os dedos, pois podemos, à vontade, aparecer-vos e apertar-vos as mãos. Estou junto dos meus amigos e aperto-lhes as mãos sem que disso se apercebam. Quanto à nossa fluidez e graças a ela, podemos estar em toda parte sem interceptar o espaço ou produzir quaisquer sensações, se assim o desejamos. Neste momento, entre as vossas mãos cruzadas tenho as minhas. Digo-vos, por exemplo, que vos amo; porém, o meu corpo não ocupa qualquer espaço, a luz atravessa-o e o que chamaríeis

— milagre

— se acaso vísseis, não passa para o Espírito de ação contínua de todos os instantes.

A vista dos Espíritos não se pode comparar à humana, uma vez que também seu corpo não tem quaisquer semelhanças reais; para eles tudo se transforma na essência, como no conjunto. Repito-vos que o Espírito tem uma perspicácia divina que abrange tudo, podendo adivinhar até o pensamento alheio; também pode oportunamente tomar a forma mais própria para tornar-se conhecido. Na realidade, porém, o Espírito que tem terminado a provação prefere a forma que o conduziu para junto de Deus.

# #️⃣ 11

Os Espíritos não têm sexo; mas como há poucos dias éreis um homem, desejamos saber se no vosso novo estado tendes mais da natureza masculina ou da feminina? E o mesmo que se dá convosco poder-se-á aplicar ao Espírito de longo tempo desencarnado?

👻 ▸ Não temos motivo para ser de natureza masculina ou feminina: os Espíritos não se reproduzem. Deus criou-os como quis, e tendo segundo seus maravilhosos desígnios de dar-lhes a encarnação, sobre a Terra, subordinou-os aí às leis de reprodução das espécies, caracterizada pela junção dos sexos. Mas vós deveis senti-lo, sem mais explicação, que os Espíritos não podem ter sexo.

Sempre disseram que os Espíritos não têm sexo, sendo este apenas necessário à reprodução dos corpos. De fato, não se reproduzindo, o sexo ser-lhes-ia inútil. A nossa pergunta não visava confirmar o fato, mas saber, visto que o Sr. Sanson desencarnara recentemente, as impressões que guardava do seu estado terreno. Os Espíritos puros compreendem perfeitamente a sua natureza, porém, entre os inferiores, não desmaterializados, muitos há que se acreditam encarnados sobre a Terra, com as mesmas paixões e desejos. Assim, pensam eles que são ainda os mesmos que foram, isto é, homem ou mulher, havendo quem por esta razão suponha ter realmente um sexo. As contradições a tal respeito são oriundas da graduação de adiantamento dos Espíritos que se manifestam, sendo o erro menos deles que de quem os interroga sem se dar ao trabalho de aprofundar as questões.

# #️⃣ 12

Que tal se vos afigura a sessão? O seu aspecto é o mesmo de quando éreis vivo? As pessoas guardam para vós a mesma aparência? Será tudo tão claro e distinto como outrora?

👻 ▸ Muito mais claro, porquanto posso ler o pensamento de todos vós, sentindo-me igualmente feliz pela benéfica impressão que me causa a boa vontade de todos os Espíritos congregados. Desejo que o mesmo critério se faça sentir não só em Paris, mas na França inteira, onde grupos há que se desligam, invejando-se reciprocamente, dominados por Espíritos turbulentos que se comprazem na discórdia, quando o Espiritismo deve incutir o esquecimento completo e absoluto do eu.

# #️⃣ 13

Dissestes poder ler em nosso pensamento: podeis explicar-nos como se opera essa transmissão?

👻 ▸ Não é fácil. Para vos descrever, explicando-o, este prodígio extraordinário da nossa visão, preciso fora franquear-vos todo um arsenal de agentes novos, com o que, aliás, ficaríeis na mesma, por terdes as vossas faculdades limitadas pela matéria. Paciência... Tornai-vos bons e tudo conseguireis. Atualmente só podeis ter o que Deus vos concede, mas com a esperança de progredir continuamente; mais tarde sereis como nós. Procurai no entanto morrer em graça para muito saberdes. A curiosidade, estímulo do homem que pensa, conduzir-vos-á tranquilamente para a morte, reservando-vos a satisfação de todos os desejos passados, presentes e futuros. Enquanto esperais, direi para responder, ainda que mal, à vossa pergunta: o ar que respirais, impalpável como nós, estereotipa por assim dizer o vosso pensamento; o sopro que exalais é, mais ou menos, a página escrita dos vossos pensamentos lidos e comentados pelos Espíritos que constantemente se encontram convosco, mensageiros de uma telegrafia divina que tudo transmite e grava.

# 📄 A morte do justo

Em seguida à primeira evocação do Sr. Sanson, feita na Sociedade de Paris, um Espírito deu sob esta epígrafe a comunicação seguinte:

👻 ▸ Foi a de um justo a morte desse homem de quem neste momento vos ocupais, isto é, esperançosa e calma. Como o dia sucede naturalmente à aurora, a vida espiritual se lhe sucedeu à vida terrestre, sem rompimento nem abalo. O seu último suspiro foi tanto como um hino de reconhecimento e amor. E quão poucos os que atravessam assim a rude transição! Quão poucos os que após a confusão e desespero da vida concebem o ritmo harmonioso das esferas! Como o homem de saúde perfeita, de chofre mutilado, sofre nos membros separados ao corpo, assim, a alma do cético, separada do corpo, se despedaça e, lancinante, se precipita no Espaço, inconsciente de si mesma.

Foi a de um justo a morte desse homem de quem neste momento vos ocupais, isto é, esperançosa e calma. Como o dia sucede naturalmente à aurora, a vida espiritual se lhe sucedeu à vida terrestre, sem rompimento nem abalo. O seu último suspiro foi tanto como um hino de reconhecimento e amor. E quão poucos os que atravessam assim a rude transição! Quão poucos os que após a confusão e desespero da vida concebem o ritmo harmonioso das esferas! Como o homem de saúde perfeita, de chofre mutilado, sofre nos membros separados ao corpo, assim, a alma do cético, separada do corpo, se despedaça e, lancinante, se precipita no Espaço, inconsciente de si mesma.

Orai por essas almas perturbadas; orai por todos os sofredores, que a caridade não se restringe à humanidade visível, mas deve socorrer e consolar os habitantes do Espaço. Disso tivestes a prova evidente na súbita conversão desse Espírito 2 tocado pelas preces espíritas sobre o túmulo do homem de bem que vindes interrogar e que deseja fazer-vos progredir no bom caminho. O amor não tem limites; enche o Espaço e dá e recebe mutuamente as suas divinas consolações. Também o mar se desenrola numa perspectiva infinita, cujo espetáculo deslumbra o espírito, parecendo-lhe confundir-se o mar no seu limite com os céus. São duas grandezas que se extremam. Pois bem; assim é o amor; mais profundo que as ondas, mais infinito que o Espaço, a todos vós, encarnados e desencarnados, deve unir na santa comunhão da caridade, fusão sublime do finito e do eterno.

Georges

# 📄 02. Jobard

Diretor do Museu da Indústria de Bruxelas, nascido em Baissey (Alto Marne) e falecido em Bruxelas, de apoplexia fulminante, a 27 de outubro de 1861, com 69 anos.

O Sr. Jobard era presidente honorário da Sociedade Espírita de Paris e tratava-se de o evocar, na sessão de 8 de novembro, quando, antecipando-se ao nosso desejo, espontaneamente deu a seguinte comunicação:

👻 ▸ Aqui estou eu a quem íeis evocar, manifestando-me por este médium que até agora tenho solicitado baldamente. Antes de tudo desejo descrever as minhas impressões por ocasião do meu desprendimento: senti um abalo indizível; lembrei-me instantaneamente do meu nascimento, da minha juventude, da minha velhice; toda a minha vida se me retratou nitidamente na memória. Eu sentia apenas um como piedoso desejo de me achar enfim nas regiões reveladas pela nossa crença. Depois, o tumulto serenou: eu estava livre e o meu corpo jazia inerte. Ah! meus caros amigos, que prazer se experimenta sem o peso do corpo! quanta alegria no abranger o Espaço! Não julgueis, no entanto, que me tenha tornado repentinamente um eleito do Senhor; não, eu estou entre os Espíritos que, tendo aprendido um pouco, muito devem aprender ainda. Não tardou muito que de vós me lembrasse, meus irmãos de exílio, e asseguro-vos toda a minha simpatia, todos os meus votos vos cercam.

Quereis saber que Espíritos me receberam? quais as minhas impressões? pois bem, amigos, foram todos os que evocamos, todos os irmãos que compartilharam dos nossos trabalhos. Eu vi o esplendor, mas não posso descrevê-lo. Apliquei-me a discernir o que era verdadeiro nas comunicações, pronto a contraditar tudo que fosse errôneo, pronto a ser o cavaleiro andante da verdade neste mundo, tal como o fui no vosso.

Jobard

# #️⃣ 01

Quando estáveis na Terra, recomendastes-nos para vos evocarmos, e ora o fazemos, não só para satisfazer aquele desejo, como para testemunhar-vos ainda uma vez a nossa sincera simpatia, instruindo-nos ao mesmo tempo, visto que ninguém melhor que vós pode dar-nos esclarecimentos precisos sobre esse mundo em que hoje habitais. Dar-nos-emos por felizes se houverdes por bem responder às nossas perguntas.

👻 ▸ Presentemente o que mais se impõe é a vossa instrução. Quanto à vossa simpatia, entrevejo-a e tenho a prova dela tão só pelo que ouço, o que é já um enorme progresso.

# #️⃣ 02

Para fixarmos ideias e não divagar, principiamos por perguntar em que lugar vos achais aqui, e como vos veríamos se tal coisa nos fosse facultada?

👻 ▸ Estou junto do médium, com a aparência do mesmo Jobard que se sentava à vossa mesa, visto que os vossos olhos mortais, ainda vendados, não podem ver os Espíritos senão sob a sua forma mortal.

# #️⃣ 03

Poderíeis tornar-vos visível? No caso contrário, qual a dificuldade?

👻 ▸ A disposição que vos diz respeito é que é toda pessoal. Um médium vidente ver-me-ia, e os outros não.

# #️⃣ 04

O vosso lugar aqui é o mesmo de quando assistíeis encarnado às nossas sessões e que vos reservamos? Aqueles, pois, que em tais condições vos viram, poderão supor que aí estais tal qual éreis então, visto que aí não estais com o corpo material de outrora, estais no entanto com o corpo fluídico de agora e com a mesma forma. Se vos não vemos com os olhos do corpo, vemos-vos com o pensamento; se não podeis comunicar pela palavra, podeis pela escrita, com auxílio de um médium; assim as nossas relações de forma alguma se romperam com a vossa morte e podemos entretê-las tão fácil e completamente como outrora. É assim precisamente que se passam as coisas?

👻 ▸ Sim, e há muito que o sabeis. Ocuparei este lugar muitas vezes, e mesmo sem o saberdes, uma vez que o meu Espírito habitará entre vós.

Chamamos a atenção para esta última frase: o meu Espírito habitará entre vós, que, neste caso, não é uma simples figura, porém, realidade. Pelo conhecimento que o Espiritismo nos dá sobre a natureza dos Espíritos, sabemos que qualquer um pode achar-se entre nós, não só em pensamento, mas pessoalmente, com seu corpo etéreo, que o torna uma individualidade distinta. Um Espírito tanto pode, conseguintemente, habitar entre nós depois de morto como quando vivo, ou, por outra, melhor ainda depois de morto, uma vez que pode ir e vir livre e voluntariamente. Deste modo temos uma multidão de comensais invisíveis, indiferentes uns, outros atraídos por afeição. É a estes últimos que se aplica esta frase: Eles habitam entre nós, que se poderá interpretar assim: Eles nos assistem, inspiram e protegem.

# #️⃣ 05

Não há muito que encarnado vos sentáveis nesse mesmo lugar. As condições em que ora o fazeis parecer-vos-ão estranhas? Qual o efeito da mudança de estado?

👻 ▸ De modo algum se me afiguram estranhas as condições, porque o meu Espírito desencarnado goza de lucidez perfeita para não deixar irresolutas quaisquer questões que encare.

# #️⃣ 06

Lembrai-vos de haver estado nas mesmas condições anteriormente à última existência? Experimentais qualquer mudança a este respeito comparando as situações presente e passada?

👻 ▸ Recordo-me das existências anteriores e sinto-me melhorado, por isso que me identifico com o que vejo, ao passo que, perturbado nas precedentes existências, só me apercebia das faltas terrenas.

# #️⃣ 07

Lembrai-vos da penúltima encarnação, da que precedeu a do Sr. Jobard?

👻 ▸ Se me lembro... Fui um operário mecânico acossado pela miséria e pelo desejo de aperfeiçoar a minha arte. Como Jobard, realizei os sonhos do pobre operário, e dou graças a Deus cuja bondade infinita fez germinar a planta, e cuja semente depositara em meu cérebro.

# #️⃣ 08

Já vos tendes comunicado em outra parte?

👻 ▸ Pouco me tenho comunicado. Em muitos lugares um Espírito tomou-me o nome; algumas vezes estava eu perto dele sem que pudesse comunicar-me diretamente. Tão recente é a minha morte que participo ainda de certas influências terrestres. É preciso que haja perfeita simpatia para poder exprimir o meu pensamento. Em breve operarei incondicionalmente, mas por enquanto, repito, não posso fazê-lo. Quando morre um homem um tanto conhecido, é chamado de todos os lados e inúmeros Espíritos se dão pressa de apossar-se da sua individualidade. Eis o que comigo se tem passado em muitos casos. Asseguro-vos que, logo após ao desprendimento, poucos Espíritos podem comunicar-se, mesmo por um médium predileto.

# #️⃣ 09

Vedes os Espíritos que aqui estão conosco?

👻 ▸ Vejo, principalmente Lázaro e Erasto; depois, mais afastado, o Espírito de Verdade pairando no Espaço, depois, ainda, uma multidão de Espíritos que vos cercam, solícitos e benévolos. Sede felizes, amigos, pois benéficas influências vos disputam às garras do erro.

# #️⃣ 10

Quando encarnado compartilháveis da opinião emitida sobre a formação da Terra pela incrustação de quatro planetas que se teriam unido, sois ainda da mesma opinião?

👻 ▸ É um erro. As novas descobertas geológicas provam as convulsões da Terra e sua formação gradual e sucessiva. A Terra, como os outros planetas, teve sua vida própria, e Deus não precisou lançar mão dessa grande desordem que seria a agregação de planetas. A água e o fogo são os únicos elementos orgânicos da Terra.

# #️⃣ 11

Admitíeis também que os homens pudessem cair num estado cataléptico por tempo ilimitado, e que o gênero humano tivesse assim aparecido na Terra?

👻 ▸ Pura ilusão da minha mente, que ultrapassava sempre o seu fim. A catalepsia pode ser longa, porém, não indeterminada: tradições, legendas exageradas pela imaginação oriental. Meus amigos, muito tenho sofrido já com as ilusões que alimentaram o meu Espírito; não vos iludais a tal respeito. Muito aprendi e posso hoje dizer-vos que a minha inteligência, apta para assimilar diversos e vastos estudos, guardará no entanto, de sua última encarnação, o pendor para o maravilhoso e místico, hauridos nas imaginações populares. Ainda agora, pouco me tenho ocupado das questões puramente intelectuais, no sentido em que as julgais. E como poderia eu fazê-lo, deslumbrado e aturdido pelo maravilhoso espetáculo que me cerca? O vínculo do Espiritismo, que vós homens não podeis compreender, só ele pode atrair-me a esta terra que abandono

— não direi com alegria, por ser uma impiedade

— mas com o profundo reconhecimento da libertação.

Nota: Quando a Sociedade abriu uma subscrição em favor dos operários de Lyon, em fevereiro de 1862, um consócio subscreveu 50 fr., sendo 25 por si e 25 em nome do Sr. Jobard, que, então, deu a tal respeito a comunicação seguinte:

👻 ▸ Exulto e lisonjeio-me de não ter sido esquecido entre os meus irmãos espíritas. Agradeço ao coração generoso que vos trouxe o óbolo que eu daria se habitasse ainda o vosso mundo. Neste em que ora resido é nula a necessidade de dinheiro, de modo que me foi preciso recorrer à bolsa da amizade para provar materialmente que também a mim me compungia o infortúnio dos irmãos de Lyon. Intrépidos cultores da vinha do Senhor, muito deveis convencer-vos de que a caridade não é uma palavra oca, pois grandes e pequenos vos patentearam, na emergência, sentimentos de simpatia e fraternidade. Estais na grande via humanitária do progresso.

Pois bem: praza a Deus sejais ditosos na jornada, e os Espíritos amigos que vos sustentem para que triunfeis afinal. Eu começo a viver espiritualmente, mais calmo, menos perturbado pelas evocações constantes que sobre mim choviam. O modismo também atua sobre os Espíritos, e quando Jobard “sair de moda”, pedirá ele então aos seus amigos sérios que o evoquem.

Aprofundaremos então questões superficialmente tratadas, e o vosso Jobard, completamente transfigurado, poderá ser útil, como deseja de todo o coração.

Jobard

Passados os primeiros tempos consagrados ao alento dos seus amigos, o Sr. Jobard colocou-se entre os Espíritos que ativamente propugnam pela renovação social, esperando uma nova encarnação terrena para tomar parte ainda mais ativa e direta nesse movimento. Depois dessa época, ele deu à Sociedade de Paris, onde continua como cooperador, comunicações de incontestável superioridade, sem se desviar da originalidade e repentes que constituíam o fundo do seu caráter, a ponto de se fazer reconhecido antes de assinar.

# 📄 03. Samuel Philippe

Este era um homem de bem na verdadeira acepção da palavra. Ninguém se lembrava de o ter visto cometer uma ação má ou errar voluntariamente no que quer que fosse. De um devotamento extremo aos amigos, podia-se ter como certo o seu acolhimento, se tratando de quaisquer favores, ainda que contrários ao seu próprio interesse.

Trabalhos, fadigas, sacrifícios, nada o impedia de ser útil, e isto sem ostentação, admirando-se quando se lhe atribuía por estes predicados um grande mérito. Jamais desprezou os que lhe fizeram mal; antes se dava pressa em servi-los como se bem semelhante lhe houvessem feito. Tratando-se de ingratos, dizia:

— Não é a mim, porém a eles que se deve lastimar. Posto que muito inteligente e dotado de natural vivacidade, teve na Terra uma vida obscura, laboriosa e bordada de rudes provações. Podia-se comparar a essas naturezas de escol que vivem na sombra, das quais o mundo não fala e cujo brilho não se reflete na Terra. Haurira no conhecimento do Espiritismo uma fé ardente na vida futura e uma grande resignação para todos os males da existência terrena. Finalmente, faleceu em dezembro de 1862, na idade de 50 anos, de moléstia atroz, sendo o seu passamento muito sensível à família e aos amigos. Evocamo-lo alguns meses depois do trespasse.

  • Tendes uma recordação nítida dos últimos instantes da vida na Terra?

👻 ▸ Perfeitamente, conquanto essa recordação reaparecesse gradualmente. No instante preciso do desprendimento eram confusas as minhas ideias.

  • Quereríeis, a bem da nossa instrução e do interesse que nos mereceis pela vossa vida exemplar, descrever como ocorreu o vosso trespasse da vida corporal para a espiritual?

👻 ▸ De bom grado, tanto mais quanto a narrativa não aproveitará somente a vós, mas a mim próprio, por isso que, dirigindo o meu pensamento para a Terra, a comparação faz-me apreciar melhor a bondade do Criador. Sabeis que de tribulações provei na vida; entretanto, jamais me faltou coragem na adversidade, graças a Deus! E hoje felicito-me! Quanta coisa perderia se houvesse desanimado! E ainda tremo ao pensar que tudo quanto sofri se anularia caso desfalecesse, tendo de recomeçar novamente as provações! Ó meus amigos, compenetrai-vos firmemente desta verdade, pois nela reside a felicidade do vosso futuro. Não é, por certo, comprar muito caro essa felicidade por alguns anos de sofrimento! Ah! Se soubésseis o que são alguns anos comparados ao infinito! Se de fato a minha última existência teve algum mérito aos vossos olhos, outro tanto não diríeis das que a precederam. E não foi senão à força de trabalho sobre mim mesmo, que me tornei o que ora sou. Para apagar os últimos traços das faltas anteriores, era-me preciso sofrer as últimas provas que voluntariamente aceitei. Foi na firmeza das minhas resoluções que escudei a resignação, a fim de sofrer sem me queixar. Hoje abençoo essas provações, pois a elas devo o ter rompido com o passado

— simples recordação agora que me permite contemplar com legítima alegria o caminho percorrido.

Ó vós que me fizestes padecer na Terra, que fostes cruéis e malévolos para comigo, que me humilhastes e afligistes; vós, cuja má-fé tantas vezes me acarretou duras privações, não somente vos perdoo mas até vos agradeço. Intentando fazer mal, não suspeitáveis do bem que esse mal me proporcionaria. É verdade, portanto, que a vós devo uma grande parte da felicidade de que gozo, uma vez que me facultastes ocasião para perdoar e pagar o mal com o bem. Deus colocou-vos em meu caminho para aferir a minha paciência, exercitando-me igualmente na prática da mais difícil caridade: a de amar os inimigos.

Não vos impacienteis com esta divagação, porquanto vou responder agora à vossa pergunta. Conquanto sofresse cruelmente com a moléstia que me acometeu, quase não tive agonia: a morte sobreveio-me como um sono, sem lutas nem abalos. Sem temor pelo futuro, não me apeguei à vida e não tive, por conseguinte, de me debater nos últimos momentos. A separação completou-se sem dor, nem esforço, sem que eu mesmo de tal me apercebesse. Ignoro que tempo durou o sono, que foi curto aliás. Meu calmo despertar contrastava com o meu estado precedente: não sentia mais dores e exultava de alegria; queria erguer-me, caminhar, mas um torpor nada desagradável, antes deleitoso, me prendia, e eu me abandonava a ele prazerosamente, sem compreender a minha situação, conquanto não duvidasse ter já deixado a Terra. Tudo que me cercava era como se fora um sonho. Vi minha mulher e alguns amigos ajoelhados no meu quarto, chorando, e considerei de mim para mim que me julgavam morto. Quis então desenganá-los de tal ideia, mas não pude articular uma palavra, e daí concluí que sonhava. O fato de me ver cercado de pessoas caras, de há muito falecidas, e ainda de outras que à primeira vista não podia reconhecer, fortalecia em mim essa ideia de um sonho, em que tais seres por mim velassem.

Esse estado foi alternado de momentos de lucidez e de sonolência, durante os quais eu recobrava e perdia a consciência do meu ‘eu’.

Pouco a pouco as minhas ideias adquiriram mais lucidez, a luz que entrevia, por denso nevoeiro, fez-se brilhante; e eu comecei a compreender-me, a reconhecer-me, compreendendo e reconhecendo que não mais pertencia a esse mundo. Certamente, se eu não conhecesse o Espiritismo, a ilusão perduraria por muito mais tempo. O meu invólucro material não estava ainda inumado e eu o olhava com piedade, felicitando-me pela separação, pela liberdade. Pois se eu era tão feliz por me haver enfim desembaraçado! Respirava livremente como quem sai de uma atmosfera nauseante; indizível sensação de bem-estar penetrava todo o meu ser, a presença dos que amara alegrava-me sem me surpreender, antes parecendo-me natural, como se os encontrasse depois de longa viagem. Uma coisa me admirou logo: o compreendermo-nos sem articular uma palavra! Os nossos pensamentos transmitiam-se pelo olhar somente, como que por efeito de uma penetração fluídica.

Eu não estava, no entanto, completamente livre das preocupações terrenas, e, como para realçar mais a nova situação, a lembrança do que padecera me ocorria de vez em quando à memória.

Sofrera corporal e moralmente, sobretudo moralmente, como alvo que fui da maledicência, dessas infinitas preocupações mais acerbas talvez que as desgraças reais, quando degeneraram em perpétua ansiedade.

E ainda bem não se desvaneciam tais impressões, já eu interrogava a mim mesmo se de fato delas me libertara, parecendo-me ouvir ainda umas tantas vozes desagradáveis. Reconsiderando as dificuldades que tanto e tantas vezes me atormentavam, tremia; e procurava, por assim dizer, reconhecer-me, assegurar-me que tudo aquilo não passava de fantástico sonho. E quando cheguei à conclusão, à realidade dessa nova situação, foi como se me aliviasse de um peso enorme.

É bem verdade, dizia, que estou isento desses cuidados que fazem o tormento da vida! Graças a Deus! Também o pobre, repentinamente enriquecido, duvida da realidade da sua fortuna e alimenta por algum tempo as apreensões da pobreza. Assim era eu.

Ah! pudessem os homens compreender a vida futura, e que força, que coragem esta convicção não lhes daria na adversidade.

Quem deixaria então, na Terra, de prover e assegurar-se da felicidade que Deus reserva aos filhos dóceis e submissos? Gozos ambicionados, invejados, tornar-se-iam mesquinhos em relação aos que eles negligenciam!

  • Esse mundo tão novo e comparado ao qual nada vale o nosso, bem como os numerosos amigos que nele reencontrastes, fizeram-vos esquecer a família e amigos encarnados?

👻 ▸ Se os tivesse esquecido seria indigno da felicidade de que gozo. Deus não recompensa o egoísmo, pune-o.

O mundo em que me vejo pode fazer com que desdenhe a Terra, mas não os Espíritos nela encarnados. Somente entre os homens é que a prosperidade faz esquecer os companheiros de infortúnio. Muitas vezes venho visitar os que me são caros, exultando com a recordação que de mim guardaram, seu pensamento me atrai para eles. Assisto às suas conversas, e gozo se gozam ou sofro se sofrem.

O meu sofrimento é, porém, relativo e não se pode comparar ao angustioso sofrimento humano, uma vez que compreendo o alcance, a necessidade e o caráter transitório das provações, que são para o bem. Esse sofrimento é, ademais, suavizado pela convicção de que aqueles a quem amo virão também por sua vez a esta mansão afortunada onde a dor não existe. Para torná-los dignos dela, dessa mansão, é que me esforço por sugerir-lhes bons pensamentos e sobretudo a resignação que tive, consoante a vontade de Deus. A minha desolação avulta quando os vejo retardar o advento por falta de coragem, murmúrios, vacilações e sobretudo por qualquer ato reprovável. Trato então de os desviar do mau caminho, e, se o consigo, é isso uma felicidade não só para mim, como para outros Espíritos; quando, ao contrário, a intervenção é improfícua, exclamo com pesar: Mais um momento de atraso; mas consola-me a ideia de que nada se perde irremissivelmente.”

Samuel Philippe

# 📄 04. Van Durst

Antigo funcionário, falecido em Antuérpia, em 1863, aos 80 anos.

Pouco depois do seu decesso, tendo um médium perguntado ao seu guia se poderia evocá-lo, responderam-lhe:

👻 ▸ Este Espírito lentamente se refaz da sua perturbação, e, conquanto possa responder-vos imediatamente, muitas mágoas lhe custaria tal comunicação. Peço-vos espereis ainda uns quatro dias, pois até lá ele saberá das boas intenções manifestadas a seu respeito, e a elas corresponderá amistosa e gratamente.

Decorridos os quatro dias recebemos a comunicação seguinte:

👻 ▸ Meu amigo, bem leve na balança da eternidade foi o fardo da minha existência, e no entanto bem longe estou de ser feliz. A minha condição humilde e relativamente ditosa é de quem não fez o mal, sem que por isso visasse à perfeição. E se pode haver pessoas felizes numa esfera limitada, eu sou desse número. O que sinto é não ter conhecido o que ora conheceis, porque a minha perturbação não se prolongaria por tanto tempo, seria menos dolorosa.

De fato, ela foi grande; viver e não viver, estar rudemente preso ao corpo sem poder servir-se dele, ver os que nos foram caros, sentindo extinguir-se o pensamento que a eles nos prende, oh! que coisa horrível! Que momento cruel esse em que o aturdimento nos empolga e constrange, para desfazer-se em trevas logo após! Sentir tudo, para estar um momento depois aniquilado! Quer-se ter a consciência do seu eu, sem encontrá-la; não existir, e sentir que se existe!

Perturbação profunda! Depois, transcorrido um tempo incalculável de angústias contidas, sem forças para senti-las, depois, digo, desse tempo que parece interminável

— o renascimento gradual da vida, o despertar de uma nova aurora em outro mundo! Nada de corpo material nem de vida terrestre! Vida, sim, mas imortal! Não mais homens carnais, porém formas diáfanas, Espíritos que deslizam, que surgem de todos os lados, que vos cercam e que não podeis abranger com a vista, porque é no infinito que flutuam! Ter ante si o Espaço e poder franqueá-lo à vontade! Comunicar-se pelo pensamento com tudo que vos envolve! Que vida nova, meu amigo, nova, brilhante e cheia de ventura! Salve, oh! salve, eternidade que me conténs em teu seio! Adeus, Terra que por tanto tempo me retiveste afastado do elemento natural da minha alma! Não... eu nada mais de ti queria, porque és a terra do exílio, e a maior das felicidades que dispensas nada vale! Soubesse eu o que sabeis, e quão fácil e agradável me seria a iniciação na vida espiritual! Sim, porque saberia, antes de morrer, o que mais tarde somente deveria conhecer, no momento da separação, de forma a desprender-me facilmente. Estais vós outros no caminho, porém, certificai-vos de que todo o adiantamento é pouco. Dizei-o a meu filho tantas vezes quantas bastem para que se instrua e creia, porque, do contrário, a nossa separação continuará aqui.

Amigos, adeus a todos vós; espero-vos, e, enquanto estiverdes na Terra, virei muitas vezes instruir-me convosco, visto como sei menos ainda que muitos dentre vós. Notai que aqui onde estou, sem velhice que me enfraqueça nem entraves de qualquer espécie, aprenderei mais depressa e facilmente. Aqui se vive às claras, caminhando com desassombro, tendo ante os olhos horizontes tão belos que a gente se torna impaciente por abrangê-los. Adeus, deixo-vos, adeus.

Van Durst

# 📄 05. Sixdeniers

Homem de bem, morto por acidente e conhecido do médium, quando encarnado. (Bordeaux, 11 de fevereiro de 1861.)

  • Podeis dar-nos quaisquer detalhes sobre a vossa morte?

👻 ▸ Depois de afogar-me, sim.

  • E por que não antes?

👻 ▸ Porque já os conheceis. (O médium conhecia-os, efetivamente.)

  • Quereis então descrever as vossas sensações depois da morte?

👻 ▸ Permaneci muito tempo sem me reconhecer, mas com a graça de Deus e o auxílio dos que me cercavam, quando a luz se fez, inundou-me. Confiai, e encontrareis sempre mais do que esperardes. Nada existe aqui de material; tudo fere os sentidos ocultos sem auxílio da vista ou do tato: compreendeis? É uma admiração espiritual que ultrapassa o vosso entendimento, porque não há palavras que a expliquem. Só a alma pode percebê-la. Bem feliz foi o meu despertar. A vida é um desses sonhos, que, apesar da ideia grosseira que se lhe atribui, só pode ser qualificada de medonho pesadelo. Imaginai que estais encerrado em calabouço infecto onde o vosso corpo, corroído pelos vermes até a medula dos ossos, se suspende por sobre ardente fornalha; que a vossa ressequida boca não encontra sequer o ar para refrescá-la; que o vosso Espírito aterrorizado só vê ao seu redor monstros prestes a devorá-lo; figurai-vos enfim tudo quanto um sonho fantástico pode engendrar de hediondo, de mais terrível, e transportai-vos depois e repentinamente a delicioso Éden. Despertai cercado de todos os que amastes e chorastes; vede, rodeando-vos, semblantes adorados a sorrirem de felicidade; respirai os mais suaves perfumes; desalterai a ressequida garganta na fonte de água viva; senti o corpo pairando no Espaço infinito que o suporta e baloiça, qual a flor que da fronde se destaca aos impulsos da brisa; julgai-vos envolto no amor de Deus qual recém-nascidos no materno amor e tereis uma ideia, aliás apenas imperfeita, dessa transição. Procurei explicar-vos a felicidade da vida que aguarda o homem depois da morte do corpo e não pude. Será possível explicar o infinito àquele que tem os olhos fechados à luz e que não pode sair do estreito círculo que o encerra? Para explicar-vos a eterna felicidade, dir-vos-ei apenas: amai, pois só o amor faculta o pressenti-la, e quem diz amor diz ausência de egoísmo.

  • A vossa posição foi feliz desde logo que entrastes no mundo dos Espíritos?

👻 ▸ Não; tive de pagar a dívida humana. Meu coração pressentira o futuro do Espírito, mas faltava-me a fé. Tive que expiar a indiferença para com o meu Criador, porém a sua misericórdia levou-me em conta o bem insignificante que pude fazer, as dores que resignado padeci, apesar dos sofrimentos, e a sua justiça, cuja balança os homens jamais compreenderão, tão benévola e amorosamente pesou o bem, que o mal depressa se extinguiu.

  • Podereis dar-me notícias da vossa filha? (morta quatro ou cinco anos antes.)

👻 ▸ Está em missão aí na Terra.

  • Ela é feliz como encarnada? Notai que não quero fazer perguntas indiscretas.

👻 ▸ Sei. Ou eu não veria o vosso pensamento como um quadro ante meus olhos. Minha filha não é feliz, encarnada, pelo contrário, deverá provar todas as misérias terrenas, pregando pelo exemplo as grandes virtudes de que fazeis simples vocábulos retumbantes. Ajudá-la-ei, no entanto, certo de que lhe não será penoso superar os obstáculos, pois está na Terra em missão, e não em expiação. Tranquilizai-vos por ela, e obrigado pela lembrança.

Neste comenos, experimentando dificuldades em escrever, diz o médium:

  • Se é um Espírito sofredor que mo impede, peço-lhe que escreva seu nome.

👻 ▸ Uma infeliz.

  • Queira dizer-me o seu nome.

👻 ▸ Valéria.

  • Podereis dizer-me o motivo do vosso sofrimento?

👻 ▸ Não.

  • Estais arrependida dos vossos erros?

👻 ▸ Podes julgá-lo.

  • Quem vos trouxe aqui?

👻 ▸ Sixdeniers.

  • Com que fito?

👻 ▸ De me ajudares.

  • E fostes vós que ainda há pouco me impedistes de escrever?

👻 ▸ Sixdeniers me colocou em seu lugar.

  • Que relação há entre vós e ele?

👻 ▸ Guia-me.

Pedi-lhe que nos acompanhasse na prece. Depois da prece, Sixdeniers retoma a palavra, dizendo:

👻 ▸ Obrigado por ela. Já compreendestes; não vos esquecerei; pensai nela.

  • (A Sixdeniers.) Tendes muitos Espíritos sofredores a guiar?

👻 ▸ Não; entretanto, regenerando algum, buscamos logo outro e assim por diante, sem abandonar os primeiros.

  • Como podeis prover uma vigilância que deverá multiplicar-se ao infinito no decurso dos séculos?

👻 ▸ Os que regeneramos purificam-se e progridem sem que por isso nos deem maior cuidado; além disso, também nos vamos elevando, e, à proporção que subimos, as faculdades, como os poderes, se dilatam, na razão direta da nossa pureza.

📝 Nota. Os Espíritos inferiores, pelo que vemos, são assistidos por bons Espíritos com a missão de os guiar, tarefa esta que não é exclusivamente delegada aos encarnados, os quais nem por isso ficam desobrigados de auxiliá-la, uma vez que também isso constitui para eles meio de progresso. Nem sempre com boa intenção um Espírito inferior vem interromper boas comunicações, mas é certo que o fazem algumas vezes, como no caso presente, com a permissão dos bons Espíritos, seja como prova, seja com o intuito de obter daquele a quem se dirige o auxílio necessário ao seu progresso. É fato que a persistência, em tais casos, pode degenerar em obsessão, porém, quanto maior for a tenacidade, tanto mais provará a necessidade de assistência. É um erro e um mal repelirmos tais Espíritos, que devemos encarar quais mendigos a pedirem esmola. Digamos antes: É um Espírito infeliz que os bons me enviam para educar. Conseguindo-o, restar-nos-á toda a alegria decorrente de uma boa ação, e nenhuma melhor que a de regenerar uma alma, aliviando-lhe os sofrimentos. Penosa é muitas vezes essa tarefa e melhor fora, por certo, receber continuamente belas comunicações, conversar com Espíritos escolhidos; mas não é buscando a nossa própria satisfação, nem repudiando as ocasiões que se nos oferecem para praticar o bem, que havemos de atrair a proteção dos bons Espíritos.

# 📄 06. O doutor Demeure

Falecido em Albi (Tarn) a 25 de janeiro de 1865.

Era um médico homeopata e distintíssimo. Seu caráter, tanto quanto o saber, haviam-lhe granjeado a estima e veneração dos seus concidadãos. Eram-lhe inextinguíveis a bondade e a caridade, e, a despeito da idade avançada, não se lhe conheciam fadigas, se tratando de socorrer doentes pobres. O preço das visitas era o que menos o preocupava, e de preferência sacrificava as suas comodidades ao pobre, dizendo que os ricos, em sua falta, bem podiam recorrer a outro médico. E quantas e quantas vezes ao doente sem recursos provia do necessário às exigências materiais, no caso de serem mais úteis que o próprio medicamento. Dele pode dizer-se que era o Cura d’Ars da Medicina. Encontrando, na Doutrina Espírita, a chave de problemas cuja solução debalde pedira à Ciência como a todas as filosofias, o Dr. Demeure abraçara com ardor essa doutrina. Pela profundeza do seu espírito investigador compreendeu-lhe subitamente todo o alcance, de maneira a tornar-se um dos seus mais solícitos propagadores.

Relações de mútua e viva simpatia se haviam estabelecido entre nós, correspondendo-nos. Soubemos do seu decesso a 30 de janeiro, sendo que o nosso imediato desejo foi evocá-lo. Em seguida reproduzimos a comunicação obtida no mesmo dia:

👻 ▸ Aqui estou. Ainda vivo, assumi o compromisso de manifestar-me desde que me fosse possível, apertando a mão do meu caro mestre e amigo Allan Kardec.

A morte emprestara à minha alma esse pesado sono a que se chama letargia, porém, o meu pensamento velava. Sacudi o torpor funesto da perturbação consequente à morte, levantei-me e de um salto fiz a viagem. Como sou feliz! Não mais velho nem enfermo. O corpo, esse, era apenas um disfarce. Jovem e belo, dessa beleza eternamente juvenil dos Espíritos, cujos cabelos não encanecem sob a ação do tempo.

Ágil como o pássaro que cruza célere os horizontes do vosso céu nebuloso, admiro, contemplo, bendigo, amo e curvo-me, átomo que sou, ante a grandeza e sabedoria do Criador, sintetizadas nas maravilhas que me cercam. Feliz! feliz na glória! Oh! quem poderá jamais traduzir a esplêndida beleza da mansão dos eleitos; os céus, os mundos, os sóis e seu concurso na harmonia do universo? Pois bem: eu ensaiarei fazê-lo, ó meu mestre; vou estudar, e virei trazer-vos o resultado dos meus trabalhos de Espírito e que de antemão, como homenagem, eu vos dedico. Até breve.

Demeure

📝 Nota. As duas comunicações seguintes, dadas em data de 1o e 2 de fevereiro, dizem respeito à enfermidade de que fomos acometidos na ocasião. Posto que de caráter pessoal, reproduzimo-las como provas de que o Dr. Demeure se mostrava tão bom como Espírito, quanto o fora como homem.

👻 ▸ Meu bom amigo, tende coragem e confiança em nós, porquanto essa crise, apesar de ser fatigante e dolorosa, não será longa, e, com os conselhos prescritos, podereis, conforme desejais, completar a obra que vos propusestes como fito da vossa existência. Sou eu quem aqui está, perto de vós, e com o Espírito de Verdade, que me permite falar em seu nome, por ser eu dos vossos amigos o mais recentemente desencarnado. É como se me fizessem as honras da recepção. Caro mestre, quanto me sinto feliz por ter desencarnado a tempo de estar com esses amigos neste momento! mais cedo, livre, eu poderia talvez ter-vos poupado essa crise que não previa. Era muito recente o meu desprendimento para ocupar-me de outras coisas que não as espirituais, mas agora velarei por vós, caro mestre. Aqui estou para, feliz como Espírito, ao vosso lado, prestar os meus serviços. Conheceis o provérbio: ‘ajuda-te, o Céu te ajudará’. Pois bem, ajudai os bons Espíritos que vos assistem, conformando-vos com as suas prescrições. Está muito quente aqui; este carvão é fatigante. Enquanto estiverdes doente, convém não o queimeis mais, a fim de não aumentar o vosso sufocamento. Os gases que daí se desprendem são deletérios.

Vosso amigo, Demeure

👻 ▸ Sou eu, Demeure, o amigo do Sr. Kardec. Venho dizer-lhe que o acompanhava quando lhe sobreveio o acidente. Este seria certamente funesto sem a intervenção eficaz para a qual me ufano de haver concorrido. De acordo com as minhas observações e com os informes colhidos em boa fonte, é evidente para mim que, quanto mais cedo se der a sua desencarnação, tanto mais breve reencarnará para completar a sua obra. É preciso, contudo, antes de partir, dar a última demão às obras complementares da teoria doutrinal de que é o iniciador. Se, portanto, por excesso de trabalho, não atendendo à imperfeição do seu organismo, antecipar a partida para cá, será passível da pena de homicídio voluntário. É mister dizer-lhe toda a verdade, para que se previna e siga estritamente as nossas prescrições.

Demeure

A seguinte comunicação foi obtida em Montauban, aos 26 de janeiro, dia seguinte ao da sua desencarnação, num Centro de amigos espíritas que havia nessa cidade.

👻 ▸ Antoine Demeure. Não morri para vós, meus amigos, porém para aqueles que não conhecem a santa doutrina que reúne os que se amaram e tiveram na Terra os mesmos pensamentos, os mesmos sentimentos de amor e caridade. Sou feliz e mais feliz do que esperava, gozando de uma lucidez rara entre os Espíritos, relativamente ao tempo da minha desencarnação.

Revesti-vos de coragem, bons amigos, que eu estarei muitas vezes junto de vós, instruindo-vos em muitas coisas que ignoramos quando presos à matéria, espesso véu que é de tantas magnificências, de tantos gozos. Orai pelos que estão privados dessa felicidade, pois eles não sabem o mal que fazem a si mesmos.

Hoje não me prolongarei, dizendo-vos somente que me não sinto de todo estranho neste mundo dos invisíveis, parecendo-me até que sempre o habitei. Aqui sou feliz vendo os meus amigos, comunicando-me com eles sempre que o desejo.

Não choreis, meus amigos, porque me faríeis lamentar o haver-vos conhecido. Deixai correr o tempo, e Deus vos encaminhará para esta mansão, onde nos devemos todos reunir finalmente. Boa noite, amigos; que Deus vos conforte, ficando eu ao vosso lado.

Demeure

Ainda de uma carta de Montauban extraímos a narrativa seguinte:

👻 ▸ Tínhamos ocultado à Sra. G., médium sonambúlica e vidente muito lúcida

— a morte do Dr. Demeure, em atenção à sua extrema sensibilidade. Sem dúvida, secundando o nosso intuito, o bom médico também evitou manifestar-se-lhe. A 10 de fevereiro reunimo-nos a convite dos guias, que diziam querer aliviar a Sra. G. de uma luxação, em consequência da qual muito sofria desde a véspera. Nada mais sabíamos, e longe estávamos de pensar na surpresa que nos aguardava. Logo que essa senhora se mediunizou, começou a soltar gritos lancinantes, mostrando o pé. Eis o que se passava: A Sra. G. via um Espírito curvado a seus pés com a fisionomia oculta, a fazer-lhe fricções e massagens, exercendo de vez em quando uma tração longitudinal sobre a parte luxada, exatamente como faria qualquer médico. A operação era tão dolorosa, que a paciente vociferava empregando movimentos desordenados.

No entanto, a crise não foi longa e ao fim de uns dez minutos desapareciam a inflamação e os traços da luxação, retomando o pé a sua aparência normal. A Sra. G. estava curada! O Espírito continuava incógnito para a médium, persistindo em não lhe revelar as feições, quando, por mostrar desejos de retirar-se, a doente, que momentos antes não daria um passo, se atira de um salto ao centro do quarto para apertar a mão do seu médico espiritual. Ainda desta feita, o Espírito voltou o rosto, deixando a mão na da médium. Nesse momento a Sra. G. dá um grito e cai desfalecida no soalho, vindo de reconhecer o Dr. Demeure no Espírito que a operara. Durante a síncope ela recebia cuidados de muitos Espíritos afeiçoados.

Por fim, reapareceu a lucidez sonambúlica e ela conversou com muitos desses Espíritos, trocando-se felicitações, sobretudo com o Dr. Demeure, que lhe correspondia aos testemunhos de afeição penetrando-a de fluidos reparadores.

Não é uma tal cena surpreendentemente dramática, considerando-se as personagens como que representando papéis da vida humana? Não será uma prova, entre mil outras, de que os Espíritos são seres efetivamente reais, agindo como se estivessem na Terra? Somos felizes por ver, no amigo Espírito, o mesmo coração bondoso do médico solícito e abnegado que foi neste mundo. Ele fora durante a vida o médico da médium, e, conhecendo a sua extrema sensibilidade, poupou-a tanto quanto se fora sua própria filha. Esta prova de identidade, conferida aos que o Espírito prezava, é admirável e de molde a fazer encarar a vida futura por um prisma mais consolador.

📝 Nota. A situação espiritual do Dr. Demeure é justamente a que se podia antever na sua vida tão digna quão utilmente empregada. Mas, dessas comunicações, resulta ainda um outro fato não menos instrutivo

— o da atividade que ele emprega quase imediatamente após a morte, no sentido de tornar-se prestimoso. Por sua alta inteligência e qualidades morais, ele pertence à categoria dos Espíritos muito adiantados. A sua felicidade não é, porém, a da inação. Ainda há poucos dias tratava doentes como médico, e mal apenas se desprende da matéria, ei-lo a tratá-los como Espírito. Dirão certas pessoas que nada se adianta, então, com a permanência no outro mundo, uma vez que se não goza ali de repouso. É o caso de lhes perguntarmos se é nada o não termos mais cuidados, necessidades, moléstias; podermos livre e sem fadigas percorrer o Espaço com a rapidez do pensamento, ver os que nos são sempre caros e a toda hora, por mais distantes que de nós se achem!

— E acrescentaremos:

— Quando no outro mundo, nada vos forçará a vontade; poderíeis ficar em beatífica ociosidade e pelo tempo que vos aprouvesse, mas ficai certos de que esse repouso egoísta depressa vos enfadaria, e seríeis os primeiros a solicitar qualquer ocupação. Então se vos diria que se a ociosidade vos enfada, deveis vós mesmos procurar algo fazer, visto não escassearem ocasiões de ser útil, quer no mundo dos Espíritos, quer no dos homens. E assim é que a atividade espiritual deixa de ser uma obrigação para tornar-se uma necessidade, um prazer relativo às tendências e aptidões, escolhidos de preferência os misteres mais propícios ao adiantamento de cada um.

# 📄 07. A viúva Foulon, nascida Wollis

A Sra. Foulon, falecida em Antibes a 3 de fevereiro de 1865, residiu por muito tempo no Havre, onde granjeou a reputação de miniaturista habilíssima. De notável talento, aproveitou-o primeiro como simples amadora, mas, quando lhe sobrevieram necessidades, fez da sua arte proveitosa fonte de receita. O que a tornava admirada e estimada, conquistando-lhe depois, da parte dos que a conheceram, uma recordação memorável, era sobretudo a amenidade do caráter, as qualidades pessoais, que só os íntimos podiam conhecer em toda a sua extensão. É que a Sra. Foulon, como todos os que têm inato o sentimento do bem, não o alardeava, antes o considerava predicado natural. Se houve pessoa sobre a qual o egoísmo não tenha tido ascendente, tal, sem dúvida, foi ela. Nunca, talvez, o sentimento da abnegação pessoal foi tão ampliado, pronta como estava sempre a sacrificar-lhe o repouso, a saúde e os interesses em proveito dos necessitados. Pode dizer-se que a sua vida foi uma longa série de sacrifícios, como também de rudes provações desde a mocidade, sem que a coragem e a resignação, a despeito delas, jamais lhe faltassem. Mas eis que a sua vista, cansada por meticuloso trabalho, extinguia-se dia a dia, a ponto de, com algum tempo mais, resultar em completa cegueira! Foi então que o conhecimento da Doutrina Espírita se lhe tornou em oceano de luz, rasgando-lhe como que espesso véu para deixar-lhe entrever alguma coisa não totalmente desconhecida, mas da qual possuía apenas uma vaga intuição. Estudou-a com afinco, mas ao mesmo tempo com o critério de apreciação própria das pessoas, tal qual ela, dotadas de uma alta inteligência.

Fora preciso avaliar todas as incertezas, todas as dúvidas da sua existência, provenientes não dela, mas dos parentes, para julgar das consolações que hauriu na sublime revelação, e que lhe deram a fé inquebrantável do futuro, a consciência da nulidade das coisas terrenas.

Também a sua morte foi digna da vida que teve. Sem a mínima apreensão angustiosa, viu-a aproximar-se como libertação que lhe era das cadeias terrestres, ao mesmo tempo que lhe abria as portas da vida espiritual, com a qual se identificara no estudo do Espiritismo. E morreu calmamente, convicta de haver completado a missão que aceitara ao encarnar, pois cumprira escrupulosamente os deveres de esposa e mãe de família; e assim como durante a vida declinara de todo e qualquer ressentimento em relação àqueles de quem porventura pudera queixar-se por ingratos; e assim como sempre trocara o bem pelo mal, assim também desencarnou, perdoando-lhes, implorando para eles a bondade e a justiça divinas.

Desencarnou, finalmente, com a serenidade decorrente de uma consciência ilibada, e a convicção de que nem por isso se afastaria mais dos filhos, uma vez que poderia estar com eles em espírito, aconselhá-los e protegê-los, fosse qual fosse o ponto do globo em que se achassem.

Logo que soubemos do trespasse da Sra. Foulon, tivemos por primeiro cuidado o de evocá-la. As relações de amizade e simpatia, que a Doutrina estabelecera entre nós, explicam algumas das suas frases e justificam a familiaridade de linguagem.

# #️⃣ 01

(Paris, 6 de fevereiro de 1865, três dias após o decesso.)

Tendo como certo que havíeis de evocar-me logo após o desprendimento, prontificava-me para corresponder-vos, visto não ter experimentado qualquer perturbação. Esta só existe para os seres envoltos e submersos nas trevas do seu próprio Espírito.

Pois bem! meu amigo, considero-me feliz agora; estes míseros olhos que se enfraqueceram a ponto de me não deixarem mais que a recordação de coloridos prismas da juventude, de esplendor cintilante; estes olhos, digo, abriram-se aqui para rever horizontes esplêndidos, idealizados em vagas reproduções por alguns dos vossos geniais artistas, mas cuja exuberância majestática, severa e conseguintemente grandiosa, tem o cunho da mais completa realidade.

Não há mais de três dias que desencarnei e sinto que sou artista: as minhas aspirações, atinentes ao ideal do belo artístico, mais não eram que a intuição de faculdades adquiridas em anteriores existências e na última encarnação desenvolvidas.

Mas quanto trabalho para reproduzir uma obra-prima, digna da grandiosa cena que se antolha ao Espírito chegado às regiões da luz! Pincéis! pincéis e eu provarei ao mundo que a arte espírita é o complemento da arte pagã, da arte cristã que periclita, cabendo somente ao Espiritismo a glória de revivê-la com todo o esplendor sobre vosso mundo deserdado. Isto é o bastante para a artista; e agora, à amiga:

👻 ▸ Por que vos incomodar assim, minha boa amiga (refere-se à Sra. Allan Kardec), com o motivo da minha morte? Vós, principalmente, vós que conheceis as decepções e amarguras da minha existência devereis antes regozijar-vos em sabendo que não mais bebo na taça amarga das dores terrenas, taça esgotada até as fezes. Crede-me: os mortos são mais felizes que os vivos e pranteá-los é duvidar das verdades espíritas. Tornareis a ver-me, ficai certa. Se parti primeiro é porque finda estava a tarefa, que aliás cada qual tem na Terra. Assim, quando a vossa for completada, vireis repousar um pouco junto de mim para recomeçar mais tarde, atento ao princípio de que nada é inativo na natureza. Todos temos más tendências, às quais obedecemos, o que é uma lei suprema e comprobatória da faculdade do livre-arbítrio. Portanto, tende indulgência e caridade, minha amiga, sentimentos esses de que mutuamente carecemos, quer no mundo visível, quer no invisível. Com tal divisa, tudo vai bem. Não me direis para cessar de falar. Sabei, contudo, que, para a primeira vez, bem longa já vai a conversação, motivo pelo qual vos deixo, para dar a vez ao meu excelente amigo Sr. Kardec.

Quero agradecer-lhe as palavras afetuosas que houve por bem dirigir à amiga que no túmulo o precedeu, visto como escapamos de partir juntos para o mundo em que me encontro! (Alusão à enfermidade de que falara o Dr. Demeure.) Que diria então a companheira amantíssima da nossa existência, se os bons Espíritos não tivessem intervindo? Teria chorado e gemido, o que até certo ponto compreendo. É preciso, porém, que vele para que não mais vos exponhais a novo perigo, antes de ter concluído o trabalho da iniciação espírita, chegando antecipadamente entre nós e, qual Moisés, não vendo senão de longe a Terra da Promissão.

É uma amiga que vo-lo diz, acautelai-vos.

Agora parto para junto dos meus queridos filhos, depois do que irei ver, além-mar, se a minha ovelha viajora aportou à terra ou permanece à mercê das tempestades. (Refere-se a uma das filhas que residia na América.) Oxalá a protejam os bons Espíritos, aos quais para o mesmo fim vou reunir-me. Voltarei a conversar convosco, pois não vos esqueçais de que sou uma conversadora infatigável.

Até breve, bons e caros amigos; até logo.

Viúva Foulon

# #️⃣ 02

(8 de fevereiro de 1865.)

Cara Sra. Foulon, considero-me satisfeito com a comunicação de há dias, na qual prometestes continuar a nossa conversação.

Crede que vos reconheci logo, por falardes de coisas desconhecidas do médium e muito próprias do vosso Espírito. A linguagem afetuosa para conosco é, seguramente, de uma alma amorosa como a vossa, conquanto notássemos nas palavras uma firmeza, uma segurança, uma pronúncia até então desconhecida em vós. Lembrai-vos certamente que neste sentido eu me permiti fazer-vos mais de uma advertência, em certas e determinadas circunstâncias.

👻 ▸ É verdade, sim, porém, desde que enfermei gravemente, tratei de readquirir a firmeza de espírito, abalada pelos desgostos e vicissitudes que tantas vezes me fizeram tímida na Terra. Eu disse para comigo: Pois que és espírita, esquece a Terra; prepara-te para a transformação do teu ser e vê, pelo pensamento, a trilha luminosa que espera a tua alma após o desenlace, e pela qual deverás libertar-te, desembaraçada e feliz, às esferas celestes, onde, de futuro, irás habitar.

Dir-me-eis talvez que era um tanto presunçosa em contar com a perfeita felicidade, uma vez desencarnada, mas o fato é que eu sofrera tanto, tanto, que deveria expiar as faltas não só da última, como das anteriores encarnações. Essa intuição não me iludia e foi ela quem me deu a coragem, a calma e a firmeza dos últimos momentos. Pois bem: essa firmeza cresceu de pronto quando, após a libertação, vi as esperanças realizadas.

Descrevei-nos agora a transição, o despertar e as primeiras impressões que aí recebestes.

👻 ▸ Eu sofri, mas o Espírito sobrepujou o sofrimento material que o desprendimento em si lhe acordava. Depois do último alento, encontrei-me como que em desmaio, sem consciência do meu estado, não pensando em coisa alguma, numa vaga sonolência que não era bem o sono do corpo nem o despertar da alma. Nesse estado fiquei longo tempo, e depois, como se saísse de prolongada síncope, lentamente despertei no meio de irmãos que não conhecia. Eles prodigalizavam-me cuidados e carícias, ao mesmo tempo que me mostravam no Espaço um ponto algo semelhante a uma estrela, dizendo: “É para ali que vais conosco, pois já não pertences mais à Terra.” Então, recordei-me; e, apoiada sobre eles, formando um grupo gracioso que se lança para as esferas desconhecidas, mas na certeza de aí achar a felicidade, subimos, subimos, à proporção que a estrela se engrandecia...

Era um mundo feliz, um centro superior no qual a vossa amiga vai repousar. Quando digo repouso, quero referir-me às fadigas corporais que amarguei, às contingências da vida terrestre, não à indolência do Espírito, pois que este tem na atividade uma fonte de gozos.

Então deixastes a Terra definitivamente?

👻 ▸ Deixo nela muitos entes queridos, para que possa separar-me definitivamente. A ela virei, portanto, em Espírito, incumbida como estou de uma missão junto de meus filhinhos. De sobejo sabeis que nenhum obstáculo se opõe à vinda à Terra, à visita, em suma, dos Espíritos que demoram em mundos superiores.

A vossa posição de agora poderia de algum modo diminuir ou enfraquecer as relações com os que aqui deixastes?

👻 ▸ Não, meu amigo, o amor aproxima as almas. Ficai certo de que na Terra podeis estar mais próximos dos que atingiram a perfeição, do que daqueles que por sua inferioridade e egoísmo gravitam ao redor da esfera terrestre.

A caridade e o amor são dois motores de poderosa atração, a qual consolida e prolonga a união das almas, a despeito de distâncias e lugares. “A distância só existe para os corpos materiais, nunca para os Espíritos.

Que ideia fazeis agora dos meus trabalhos sobre Espiritismo?

👻 ▸ Parece-me que sois um missionário e que o fardo é pesado, mas também prevejo o fim da vossa missão e sei que o atingireis. Ajudar-vos-ei no que estiver ao meu alcance, com os meus conselhos de Espírito, para que possais superar as dificuldades que vos serão suscitadas, animando-vos, enfim, a tomar medidas próprias para ativar, durante vossa vida, o movimento renovador que o Espiritismo impulsiona.

Demeure, o vosso amigo, unido ao Espírito de Verdade, vos será mais útil ainda, porquanto é mais sábio e ponderado do que eu. Sei que a assistência dos bons Espíritos vos fortalece e sustenta no vosso labor, e assim também vos asseguro o meu concurso sempre e em qualquer parte.

De algumas das vossas palavras pode inferir-se que não prestareis mui ativa colaboração pessoal na propagação do Espiritismo?

👻 ▸ Enganais-vos. O fato é que vejo tantos outros Espíritos mais capazes do que eu de tratar deste assunto, aliás tão importante, que uma timidez invencível me impede de vos responder conforme desejais. Provavelmente assim acontecerá, e eu me animarei com denodo desde que melhor conheça esses Espíritos. Há quatro dias apenas que deixei a Terra e, conseguintemente, ainda estou sob a influência deslumbradora de tudo que me cerca. Dar-se-á o caso de não me compreenderdes? Não encontro meios de exprimir as sensações novas que experimento. Esforço-me a todo o transe para fugir à fascinação que sobre o meu ser exercem as maravilhas por ele admiradas. A única coisa que posso fazer é adorar e render graças a Deus nas suas obras. Mas essa impressão se desvanecerá e os Espíritos asseguram-me que dentro em breve estarei acostumada a todas estas magnificências, de modo a poder tratar com lucidez espiritual de todas as questões concernentes à renovação da Terra. A tal circunstância deveis juntar mais a de ter eu uma família a consolar.

Adeus e até breve, caro mestre. A vossa boa amiga ama-vos e amará sempre, visto como a vós exclusivamente deve a única consolação duradoura e verdadeira que teve na Terra.

Viúva Foulon

# #️⃣ 03

A comunicação seguinte foi destinada a seus filhos em data de 9 de fevereiro:

👻 ▸ Meus amantíssimos filhos:

Deus retirou-me de junto de vós, mas a recompensa que se dignou conceder-me é bem maior que o pouco que fiz na Terra.

Resignai-vos, queridos filhos, às vontades do Onipotente e tirai, de tudo quanto vos permitiu receberdes, a força para suportar as provações da vida. Tende firme no coração a crença que tanto me facilitou a passagem para este mundo.

Depois da morte, Deus, tal como já o havia feito na Terra, estendeu sobre mim o manto da sua misericórdia infinita.

A Ele deveis agradecer os benefícios de que vos cumula. Abençoai-o, meus filhos, bendizei-o sempre, a todo o instante. Não percais nunca de vista o que vos foi indicado, nem o caminho a trilhar. Meditai sobre a aplicação do tempo que Deus vos determinou na Terra. Aí sereis felizes, meus queridos filhos, felizes uns pelos outros, desde que a união reine entre vós. Felizes ainda com vossos filhos, se os educardes nos mesmos sãos princípios que Deus permitiu vos fossem revelados. Não me podeis ver, é certo; mas convém que saibais que os elos que aí nos ligavam não se espedaçaram pela morte do corpo, visto como não era o invólucro, mas o Espírito que nos unia. E assim é que me será possível, por bondade do Onipotente, guiar-vos, encorajar-vos nessa jornada, para de novo nos juntarmos, quando para vós ela estiver terminada.

Caros filhos, cultivai carinhosamente esta crença sublime. A vós que a tendes, belos dias vos aguardam. Isso mesmo já vos disseram, porém a mim não estava fadado o ver esses dias aí na Terra. Será do alto, pois, que julgarei os belos tempos prometidos pelo Deus de bondade, de justiça e misericórdia. Não choreis, meus filhos. Possam estas comunicações fortalecer-vos na fé, no amor de Deus, esse Deus que tantos benefícios nos prodigalizou, que tantas e tantas vezes socorreu vossa mãe. Orai sempre, que a prece revigora. Conformai-vos com as prescrições por mim tão ardentemente seguidas, quando como vós encarnada.

Voltarei, meus filhos, mas é preciso consolar a filha que de mim tanto precisa agora. Adeus, até breve. Eu vo-lo suplico por vós: crede na bondade divina. Até sempre.

Viúva Foulon

📝 Nota. Todo Espírito esclarecido e sério tirará, com facilidade, destas comunicações os ensinamentos que delas ressaltam. Nós apenas lhe chamaremos a atenção para os dois pontos seguintes:

Primeiro

— a possibilidade, por este exemplo demonstrada, de não mais ser preciso encarnar na Terra e passar a um mundo superior, sem ficar separado dos seres afeiçoados que aqui deixamos. Assim, os que temem a reencarnação, em virtude das misérias terrenas, podem conjurá-la, trabalhando para o seu adiantamento. E assim procederá aquele que não quiser vegetar nas camadas inferiores, fazendo o possível por instruir-se, por trabalhar e graduar-se.

O segundo ponto é a confirmação do fato de estarmos menos separados na morte do que na vida, dos seres que nesta nos foram caros.

Retida pela enfermidade e pela idade numa pequena cidade do Sul, a Sra. Foulon apenas conservava junto de si apenas uma parte de sua família. Estando a maior parte dos filhos e dos amigos dispersos e afastados, obstáculos materiais impediam que os visse tantas vezes quantas porventura o desejaria. Para alguns, a distância dificultava a própria correspondência. Apenas desencarnada, a Sra. Foulon, célere, corre para perto de cada um, percorre distâncias sem fadiga, rápida qual a eletricidade, e os vê e assiste às suas reuniões íntimas, protege-os e pode, servindo-se da mediunidade, entreter-se com eles a todo instante, como se viva na Terra fora.

E dizer-se que, a uma perspectiva tão consoladora, ainda há quem prefira a ideia de uma eterna separação!

# 📄 08. Um médico russo

O Sr. P., de Moscou, era um médico tão eminente pelo saber como pelas qualidades morais. Quem o evocou apenas o conhecia por tradição, não havendo tido com ele relações sequer indiretas. A original comunicação foi dada em idioma russo.

  • (Depois da evocação.) Estais presente?

👻 ▸ Sim. No dia da minha morte vos persegui com a minha presença, e resististes às tentativas que fiz para escreverdes. As palavras, que a meu respeito dissestes, deram ocasião a que vos reconhecesse, e daí o desejo de me entreter convosco para vosso benefício.

  • Bom como éreis, por que sofrestes tanto?

👻 ▸ Porque ao Senhor aprouve fazer-me sentir duplamente por esse meio o preço da minha libertação, querendo ao mesmo tempo que na Terra progredisse o mais possível.

  • A ideia da morte causou-vos terror?

👻 ▸ Tinha bastante fé em Deus para que tal não sucedesse.

  • O desprendimento foi doloroso?

👻 ▸ Não. Isso que denominais últimos momentos, nada é. Eu apenas senti um rápido abalo, para encontrar-me logo feliz, inteiramente desembaraçado da mísera carcaça.

  • E que sucedeu depois?

👻 ▸ Tive o prazer de ver aproximarem-se inúmeros amigos, notadamente os que tive a satisfação de ajudar, dando-me todos as boas-vindas.

  • Que regiões habitais? Acaso algum planeta?

👻 ▸ Tudo que não seja planeta, constitui o que chamais Espaço e é neste que permaneço. O homem não pode, contudo, calcular, fazer uma ideia, sequer, do número de gradações desta imensidade. Que infinidade de escalas nesta escada de Jacó que vai da Terra ao Céu, isto é, do aviltamento da encarnação em mundo inferior, como esse, até a depuração completa da alma! Ao lugar em que ora me encontro não se chega senão depois de uma série enorme de provas, ou, por outra, de encarnações.

  • Logo, deveis ter tido muitas existências?

👻 ▸ Nem podia ser de outra maneira. Nada há excepcional na ordem imutável do universo, estabelecida por Deus. A recompensa só pode vir depois da luta vencida: assim, se grande for aquela é que também esta o foi e necessariamente. Mas a vida humana é tão curta que a luta apenas se trava por intervalos, que são as diferentes e sucessivas encarnações. É fácil, pois, concluir que, estando eu num dos graus elevados, o atingi depois de uma série de combates, nos quais Deus me permitiu saísse vitorioso algumas vezes.

  • Em que consiste a vossa felicidade?

👻 ▸ Isso é mais difícil de vos fazer compreender. Essa ventura que gozo é uma espécie de contentamento extremo de mim mesmo, não pelos meus merecimentos

— o que seria orgulho

— e este é predicado de Espíritos atrasados

— mas contentamento como que saturado, imerso no amor de Deus, no reconhecimento da sua infinita bondade. Em suma, é a alegria que nos infunde o bem, podendo supor-se ter a seu arbítrio contribuído para o progresso de outros, que se elevaram até o Criador. Ficamos como que identificados com esse bem-estar, que é uma espécie de fusão do Espírito com a bondade divina. Temos o dom de ver os Espíritos mais adiantados, de compreender-lhes a missão, de saber que também nós a tanto chegaremos; no infinito incomensurável, entrevemos as regiões em que rútilo esplende o fogo divino, a ponto de deslumbrar-nos, mesmo através do véu que as envolve. “Mas que digo? Compreendeis as minhas palavras? Acreditais ser esse fogo, a que me refiro, comparável ao Sol, por exemplo? Não, nunca. É uma coisa indizível ao homem, uma vez que as palavras só exprimem para ele coisas físicas ou metafísicas que conhece de memória ou intuitivamente. Desde que o homem não pode guardar na memória o que absolutamente desconhece, como insinuar-se-lhe a percepção? Ficai porém ciente de que é já uma grande ventura o pensar na possibilidade de progredir infinitamente.”

  • Tivestes a bondade de exprimir o desejo de me ser útil: peço-vos me digais em quê.

👻 ▸ Posso ajudar-vos e amparar nos desfalecimentos, fortalecer nos momentos de desânimo, consolar nos de aflição. Se a vossa fé se abalar e qualquer comoção vos perturbar, evocai-me, porque Deus me permitirá vo-lo fazer lembrado, atraindo-vos para Ele. Se vos sentirdes prestes a sucumbir ao peso das más tendências, que a própria consciência acuse de culposas, chamai-me ainda, porque eu vos ajudarei a carregar a vossa cruz, tal como a Jesus ajudaram a carregar aquela donde tão solenemente deveria proclamar a verdade, a caridade. Se vacilardes ao peso dos próprios dissabores, quando o desespero de vós se apodere, ainda uma vez, chamai-me para que venha arrancar-vos do abismo, falando-vos espiritualmente, lembrando deveres impostos, não por considerações sociais ou materiais, mas pelo amor que vos transfundirei na alma, amor por Deus a mim concedido em favor dos que por ele podem salvar-se. “Certo, na Terra tendes amigos, os quais, compartilhando das vossas angústias, talvez já vos tenham salvo. Em momentos aflitivos tratais de procurar esses amigos, que dão conselhos, apoio, carícias... Pois bem: ficai certo de que no Espaço também podeis ter amigos, úteis e prestantes. “É uma consolação poder-se dizer: Quando eu morrer, enquanto à cabeceira do leito os amigos da Terra chorarem e pedirem, os do Espaço, no limiar da vida, irão sorridentes conduzir-me ao lugar adequado aos meus méritos e virtudes.”

  • Por que faço jus a essa proteção que quereis dispensar-me?

👻 ▸ Eis a razão: A vós me afeiçoei logo no dia da minha morte; é que, como Espírito, vos vi do Espiritismo adepto sincero e bom médium. E como dentre tantos que aí deixei fostes vós que vi primeiramente, logo me propus contribuir para o vosso progresso. O proveito não é apenas vosso, mas também dos que deveis instruir no conhecimento da verdade. “Na vossa missão podeis ver uma prova eloquente do amor de Deus para convosco. Os que a vós se chegarem, pouco a pouco se tornarão crentes, e aos mais refratários, ouvindo-vos, também a eles chegará, embora mais tarde, a vez de crer. Desanimar, nunca; caminhar sempre, apesar dos pedregulhos. Tomai-me por apoio nos momentos de desânimo.”

  • Não me julgo digno de tão grande favor.

👻 ▸ Mas por certo que bem longe estais da perfeição. Não obstante o vosso ardor na divulgação das sãs doutrinas; o cuidado em manter a fé dos que vos ouvem; em aconselhar a caridade, a bondade e a benevolência, mesmo para os que convosco mal se conduzem; a resistência aos instintos de cólera, que aliás facilmente poderíeis descarregar nos que vos afligem, por ignorantes das vossas intenções; tudo isso atenua a maldade que ainda possuís. Convém que o diga: o perdão das ofensas é, de tantas, uma das mais poderosas atenuantes do mal. Deus vos cumula de graças pela faculdade que vos concedeu, e que deveis desenvolver pelo esforço próprio, a fim de cooperardes na salvação do próximo. Vou deixar-vos, porém contai sempre comigo. Preciso se faz modereis as ideias terrenas, vivendo o mais possível com os amigos do Espaço.

P.

# 📄 09. Bernardin

(Bordeaux, abril de 1862.)

Sou, de há muitos séculos, um Espírito esquecido. Aí na Terra vivi no opróbrio e na miséria, trabalhando incessantemente e dia por dia para dar à família escasso pão. Amava, porém, o verdadeiro Senhor, e quando o que me oprimia na Terra sobrecarregava o fardo das minhas dores, dizia eu: “Meu Deus, dai-me a força de suportar-lhe o peso sem queixumes.” Expiava, meus amigos. No entanto, ao sair da rude provação, o Senhor recebeu-me na sua santa paz e o meu mais caro voto foi reunir-vos a todos, irmãos e filhos, dizendo-vos: “Por mais cara que a julgueis, a felicidade que vos espera há de sobrelevar o preço. Filho de numerosa família, jamais tive posição e servi a quem melhor podia auxiliar-me a suportar a existência. Nascido em época de servidão cruel, provei de todas as injustiças, fadigas e dissabores que os subalternos do Senhor haviam por bem impor-me. Mulher ultrajada, filhas raptadas e repudiadas em seguida, tudo sem poder queixar-me. Meus filhos, esses, levavam-nos às guerras de pilhagens e de crimes, para os enforcarem depois por faltas não cometidas. Ah! se o soubésseis, pobres amigos, o que padeci na minha longa existência... Eu esperava, contudo, e o Senhor concedeu-ma

— essa felicidade que não existe na Terra. A todos vós, portanto, coragem, paciência e resignação. Tu, meu filho, guarda o que te dei e que é um ensinamento prático. Quem aconselha é sempre mais acatado quando pode dizer:

— Suportei mais que vós, e suportei sem me queixar.”

  • Em que época vivestes?

👻 ▸ De 1400 a 1460.

  • E tivestes depois uma outra existência?

👻 ▸ Vivi ainda entre vós como missionário... Sim como missionário da fé, porém da fé pura, verdadeira, provinda de Deus, e não manipulada pelos homens.

  • E como Espírito, agora, tendes ainda ocupações?

👻 ▸ Acreditaríeis então que os Espíritos ficassem inativos? A inação, a inutilidade ser-nos-ia um suplício. A minha missão é guiar centros espíritas, aos quais inspiro bons pensamentos, ao mesmo tempo que me esforço por neutralizar os maus, sugeridos por maus Espíritos. Bernardin

# 📄 10. A condessa Paula

Bela, jovem, rica e de estirpe ilustre, esta era também perfeito modelo de qualidades intelectuais e morais. Faleceu com 36 anos, em 1851. Seu necrológio é daqueles que podem resumir-se nestas palavras por mil bocas repetidas: “Por que tão cedo retira Deus tais pessoas da Terra?” Felizes os que assim fazem abençoada a sua memória. Ela era boa, meiga e indulgente, sempre pronta a desculpar ou atenuar o mal, em lugar de aumentá-lo. Jamais a maledicência lhe conspurcara os lábios. Sem arrogância nem austeridade, era, ao contrário, com benevolência, sem forçada familiaridade, com que tratava os fâmulos, despercebida, ademais de quaisquer aparências de superioridade ou de humilhante proteção. Compreendendo que pessoas que vivem do trabalho não são rendeiros e que, conseguintemente, têm precisão do que se lhes deve, já pela sua condição, já para se manterem, jamais reteve o pagamento de um salário. A simples ideia de que alguém pudesse experimentar uma privação, por sua causa, ser-lhe-ia um remorso de consciência. Ela não pertencia ao número dos que sempre encontram dinheiro para satisfazer os seus caprichos, sem pagarem as próprias dívidas; não podia compreender que houvesse prazer para o rico em ter dívidas, e humilhada se julgaria se lhe dissessem que os seus fornecedores eram constrangidos a fazer-lhe adiantamentos. Também por ocasião da sua morte só houve pesares, nem uma reclamação. A sua beneficência era inesgotável, mas não essa beneficência ostentosa à luz meridiana; e assim exercia a caridade de coração, que não por amor de vanglórias. Só Deus sabe as lágrimas que ela enxugou, os desesperos que acalmou, pois tais virtudes só tinham por testemunhas os infelizes que assistia. Ela timbrava, além disso, em descobrir os mais pungentes infortúnios, os secretos, socorrendo-os com aquela delicadeza que eleva o moral em vez de o rebaixar. Da sua estirpe e das altas funções do marido decorriam-lhe onerosos encargos domésticos, aos quais não podia eximir-se; satisfazendo plenamente às exigências de sua posição, sem avareza, ela o fazia, contudo, com tal método, evitando desperdícios e superfluidades, que metade lhe bastava do que a outrem fora preciso para tanto. E desse modo se permitia facultar da sua fortuna maior quinhão aos necessitados. Destinando a renda de uma parte dessa fortuna exclusivamente a tal fim, considerava-a sagrada e como de menos a despender no serviço da sua casa. E assim encontrara meios de conciliar os seus deveres para com a sociedade e para com os infortúnios. 3 Um dos seus parentes, iniciado no Espiritismo, evocou-a doze anos depois de falecida, e obteve, em resposta a diversas perguntas, a seguinte comunicação: 4 “Tendes razão, amigo, em pensar que sou feliz. Assim é, efetivamente, e mais ainda do que a linguagem pode exprimir, conquanto longe do seu último grau. Mas eu estive na Terra entre os felizes, pois não me lembro de haver aí experimentado um só desgosto real. Juventude, homenagens, saúde, fortuna, tudo o que entre vós outros constitui felicidade eu possuía! O que é, no entanto, essa felicidade comparada à que desfruto aqui? Esplêndidas festas terrenas em que se ostentam os mais ricos paramentos, o que são elas comparadas a estas assembleias de Espíritos resplendentes de brilho que as vossas vistas não suportariam, brilho que é o apanágio da sua pureza? Os vossos palácios de dourados salões, que são eles comparados a estas moradas aéreas, vastas regiões do Espaço matizadas de cores que obumbrariam o arco-íris? Os vossos passeios, a contados passos nos parques, a que se reduzem, comparados aos percursos da imensidade, mais céleres que o raio? Horizontes nebulosos e limitados, que são, comparados ao espetáculo de mundos a moverem-se no universo infinito ao influxo do Altíssimo? E como são monótonos os vossos concertos mais harmoniosos em relação à suave melodia que faz vibrar os fluidos do éter e todas as fibras d’alma! E como são tristes e insípidas as vossas maiores alegrias comparadas à sensação inefável de felicidade que nos satura todo o ser como um eflúvio benéfico, sem mescla de inquietação, de apreensão, de sofrimento?! Aqui, tudo ressuma amor, confiança, sinceridade: por toda parte corações amantes, amigos por toda parte! Nem invejosos, nem ciumentos! É este o mundo em que me encontro, meu amigo, e ao qual chegareis infalivelmente, se seguirdes o reto caminho da vida. A felicidade uniforme fatigaria, no entanto, e assim não acrediteis que a nossa seja desprovido de peripécias: nem concerto perene, nem festa interminável, nem beatífica contemplação por toda a eternidade, porém o movimento, a atividade, a vida. As ocupações, posto que isentas de fadiga, revestem-se de perspectivas e emoções variáveis e incessantes, pelos mil incidentes que se lhes filiam. Tem cada qual sua missão a cumprir, seus protegidos a velar, amigos terrenos a visitar, mecanismos na natureza a dirigir, almas sofredoras a consolar; e é o vaivém, não de uma rua a outra, porém, de um a outro mundo; reunimo-nos, separamo-nos para novamente nos juntarmos; e, reunidos em certo ponto, comunicamo-nos o trabalho realizado, felicitando-nos pelos êxitos obtidos; ajustamo-nos, mutuamente nos assistimos nos casos difíceis. Finalmente, asseguro-vos que ninguém tem tempo para enfadar-se, por um segundo que seja. Presentemente, a Terra é o magno assunto das nossas cogitações. Que movimento entre os Espíritos! Que numerosas falanges aí afluem, a fim de lhe auxiliarem o progresso e a evolução! Dir-se-ia uma nuvem de trabalhadores a destrinçarem uma floresta, sob as ordens de chefes experimentados; abatem uns os troncos seculares, arrancam-lhes as raízes profundas, desbastam outros o terreno; amanham estes a terra, semeando; edificam aqueles a nova cidade sobre as ruínas carunchosas de um velho mundo. Neste comenos reúnem-se os chefes em conferência e transmitem suas ordens por mensageiros, em todas as direções. A Terra deve regenerar-se, em dado tempo

— pois importa que os desígnios da Providência se realizem, e, assim, tem cada qual o seu papel. Não me julgueis simples expectadora desta grande empresa, o que me envergonharia, uma vez que todos nela trabalham. Importante missão me é afeta, e grandemente me esforço por cumpri-la, o melhor possível. Não foi sem luta que alcancei a posição que ora ocupo na vida espiritual; e ficai certo de que a minha última existência, por mais meritória que porventura vos pareça, não era por si só e a tanto suficiente. Em várias existências passei por provas de trabalho e miséria que voluntariamente havia escolhido para fortalecer e depurar o meu Espírito; dessas provas tive a dita de triunfar, vindo a faltar no entanto uma, porventura de todas a mais perigosa: a da fortuna e bem-estar materiais, um bem-estar sem sombras de desgosto. Nessa consistia o perigo. E antes de o tentar, eu quis sentir-me assaz forte para não sucumbir. Deus, tendo em vista as minhas boas intenções, concedeu-me a graça do seu auxílio. Muitos Espíritos há que, seduzidos por aparências, pressurosos escolhem essa prova, mas, fracos para afrontar-lhe os perigos, deixam que as seduções do mundo triunfem da sua inexperiência. Trabalhadores! estou nas vossas fileiras: eu, a dama nobre, ganhei como vós o pão com o suor do meu rosto; saturei-me de privações, sofri reveses e foi isso que me retemperou as forças da alma; do contrário eu teria falido na última prova, o que me teria deixado para trás na minha carreira. Como eu, também vós tereis a vossa prova da riqueza, mas não vos apresseis em pedi-la muito cedo. E vós outros, ricos, tende sempre em mente que a verdadeira fortuna, a fortuna imorredoura, não existe na Terra; procurai antes saber o preço pelo qual podeis alcançar os benefícios do Todo-Poderoso.” Paula, na Terra, Condessa de ...

# 📄 11. Jean Reynaud

(Sociedade Espírita de Paris. Comunicação espontânea.)

Meus amigos: como é esplêndida esta nova vida! Semelhante a luminosa torrente, ela arrasta em seu curso imenso os Espíritos inebriados pelo infinito! Passei das sombras da matéria à aurora brilhante que faz antever o Onipotente. Após a ruptura dos laços materiais, abrangeram meus olhos novos horizontes, e eu vivo e desfruto as maravilhas suntuosas do infinito. Salvei-me, não pelo mérito dos meus serviços, mas pelo conhecimento do princípio eterno que me fez evitar as nódoas produzidas pela ignorância na pobre humanidade. A minha morte foi abençoada, apesar de os meus biógrafos, os cegos, a julgarem prematura! Lamentaram alguns escritos nascidos da poeira, e não compreenderam nem compreenderão o quanto o silêncio em torno do recém-fechado túmulo é útil à causa do Espiritismo. A minha tarefa estava terminada; os meus predecessores seguiam na rota; eu atingira o apogeu no qual o homem, depois de dar o que de melhor possuía, não faria mais que recomeçar. A minha morte reaviva a atenção dos letrados, encaminhando-a para a minha obra capital, atinente à grande questão espírita que eles fingem desconhecer, mas que muito breve os empolgará. Glória a Deus! Ajudado por Espíritos superiores, que protegem a nova doutrina, serei um dos exploradores que balizam o vosso roteiro. Jean Reynaud

(Paris; reunião familiar. Outra comunicação espontânea.)

O Espírito responde a uma reflexão sobre sua morte inesperada, em idade pouco avançada, o que a muita gente surpreendeu: “Quem vos disse que a minha morte não seja, de futuro e por suas consequências, um benefício para o Espiritismo? Notastes, meu amigo, a marcha que segue o progresso, a direção que toma a crença espírita? Primeiro que tudo, deu-lhe Deus as provas materiais: movimento de mesas, pancadas e toda sorte de fenômenos, para despertar a atenção. Era um como prefácio divertido. Os homens precisam de provas tangíveis para crer. Agora é muito diferente o caso. Depois dos fatos materiais, Deus fala à inteligência, ao bom senso, à razão fria; não são mais efeitos físicos, porém coisas racionais que devem convencer e congregar todos os incrédulos, mesmo os mais teimosos. E isto é apenas o começo: Tomai bem nota do que vos digo: toda uma série de fenômenos inteligentes, irrefutáveis, vão seguir-se, e o número já tão grande dos adeptos da crença espírita vai aumentar ainda. Deus vai insinuar-se às inteligências de escol, às sumidades do espírito, do talento e do saber. Será como um raio de luz a expandir-se, a derramar-se por sobre a Terra inteira, qual fluido magnético irresistível, arrastando os mais recalcitrantes à investigação do infinito, ao estudo dessa admirável ciência que tão sublimes máximas nos ensina. Vão todos grupar-se em torno de vós e, fazendo abstração do diploma do gênio, tornarem-se humildes e pequenos para aprender e para crer. Depois, mais tarde, quando estiverem instruídos e convencidos, servir-se-ão da sua autoridade e notoriedade para levar mais longe ainda, aos seus últimos limites, o fim que vos propusestes

— a regeneração da espécie humana pelo conhecimento racional e profundo das passadas e futuras existências. Eis aí a minha opinião sincera sobre o estado atual do Espiritismo.”

(Bordeaux)

Evocação:

👻 ▸ Acudo com prazer ao vosso chamado, senhora. Tendes razão; a perturbação espiritual não existe para mim (isso correspondia ao pensamento da médium); exilado voluntário, na Terra, onde devia lançar a primeira semente sólida das grandes verdades que neste momento envolvem o mundo, eu tive sempre a consciência da pátria espiritual e depressa me reconheci entre irmãos.

  • Agradeço a vossa presença, embora não creia que o simples desejo de conversar convosco determinasse a vossa vinda; deve haver necessariamente uma tão grande diferença entre nós, que só em considerá-la sinto-me possuído de respeito.

👻 ▸ Minha filha, obrigado por essa boa ideia; entretanto, deveis saber também que por maior que seja a distância, em virtude da conclusão das provas mais ou menos felizes e prontamente terminadas, existe sempre um elo poderoso que nos liga

— a simpatia

— e esse elo vindes de o estreitar pelo vosso constante pensamento.

  • Posto que muitos Espíritos tenham explicado as suas primeiras sensações ao despertar, poderíeis dizer-me o que experimentastes em tal conjuntura e como se operou a separação do vosso Espírito?

👻 ▸ Igualmente qual com os outros. Senti o momento da partida que se aproximava; mais feliz, porém, que muitos, esse momento não me infundiu angústias, porque já lhe conhecia as consequências, conquanto fossem estas mais importantes do que o supunha. O corpo é um estorvo às faculdades espirituais e, por maiores que sejam as luzes por ele conservadas, elas são mais ou menos empanadas ao contato da matéria. Fechei os olhos na esperança de um despertar feliz e, se o sono foi breve, a admiração foi imensa. Os esplendores celestes, desenvolvidos aos meus olhos, pompeavam em toda a sua magnificência! A minha vista deslumbrada imergia na imensidão dos mundos cuja existência afirmara, bem como a sua habitabilidade. Era uma miragem a revelar e confirmar concomitantemente a justeza dos meus pensamentos. O homem, por mais convencido que seja, quando fala tem, algumas vezes, a dúvida no íntimo do coração, desconfiando, senão da verdade que proclama, ao menos dos meios imperfeitos empregados para demonstrá-la. Convencido da verdade que insinuava, tive, muitas vezes, de dar combate a mim mesmo, ao desânimo de ver, de tocar por assim dizer a verdade, e não poder torná-la igualmente palpável aos que dela tanto precisam para prosseguir no caminho que lhes conviria.

  • Em vida professáveis o Espiritismo?

👻 ▸ Há uma grande diferença em professar e praticar. Muita gente professa uma doutrina, que não pratica; pois bem, eu praticava e não professava. Assim como cristão é todo homem que segue as leis do Cristo, mesmo sem conhecê-las, assim também podemos ser espíritas, acreditando na imortalidade da alma, nas reencarnações, no progresso incessante, nas provações terrenas

— abluções necessárias ao melhoramento. Acreditando em tudo isso, eu era, portanto, espírita. Compreendi a erraticidade, laço intermediário das reencarnações e purgatório no qual o Espírito culposo se despoja das vestes impuras para revestir nova toga, e onde o Espírito, em evolução, tece cuidadosamente essa toga que há de carregar no intuito de conservá-la pura. Compreendi tudo isso, e, sem professar, continuei a praticar. Nota

— Estas três comunicações foram obtidas por três médiuns diferentes e estranhos entre si. Pela analogia dos pensamentos e forma da linguagem, podemos, ao menos como presunção, admitir a autenticidade. A expressão: “tecer cuidadosamente a toga que há de carregar” é uma figura feliz que retrata a solicitude com que o Espírito em evolução prepara a nova existência conducente a um maior progresso do que o feito. Os Espíritos atrasados são menos meticulosos, e muita vez fazem escolhas desastradas, que os forçam a recomeçar.

# 📄 12. Antoine Costeau

Membro da Sociedade Espírita de Paris, sepultado em 12 de setembro de 1863 no cemitério de Montmartre, em vala comum. Era um homem de coração que o Espiritismo reconduziu a Deus; completa, sincera e profunda era a sua fé em Deus. Simples calceteiro, praticava a caridade por pensamentos, palavras e obras consoante os fracos recursos de que dispunha e encontrando meios, ainda assim, de socorrer os que possuíam menos do que ele. Se a Sociedade não lhe adquiriu uma sepultura particular, foi porque lhe pareceu dever antes empregar mais utilmente o dinheiro em benefício dos vivos, do que em vãs satisfações de amor-próprio, além de que nós, os espíritas, sabemos melhor que ninguém que a vala comum é, tanto quanto os mais suntuosos mausoléus, uma porta aberta para o Céu. O Sr. Canu, secretário da Sociedade e profundo materialista de outros tempos, pronunciou sobre a campa a seguinte alocução: “Caro irmão Costeau: Faz alguns anos, muitos dentre nós, e eu em primeiro lugar, não viríamos ante este túmulo aberto, que representaria apenas o fim das misérias humanas, e depois o nada, o pavoroso nada, isto é, onde não existia nem alma para merecer ou expiar, e, consequentemente, nem Deus para recompensar, castigar ou perdoar. Hoje, graças à nossa santa Doutrina, divisamos aqui o termo das provações, e para vós, querido irmão, cujos despojos baixam à terra, o triunfo dos labores e o início das recompensas a que fizeram jus a vossa coragem, resignação, caridade, as vossas virtudes, e, acima de tudo isso, a glorificação de um Deus sábio, onipotente, justo e bom. Sede, pois, caro irmão, o portador das graças que rendemos ao Eterno por ter permitido dissiparem-se as trevas do erro e da incredulidade que nos assoberbavam. Não há muito tempo, e nestas mesmas circunstâncias, com a fronte abatida e o coração lacerado, em desânimo, nós vos diríamos: ‘Amigo, adeus para sempre.’ Mas hoje vos dizemos, de fronte erguida, radiante de esperanças, e com o coração repleto de amor e de coragem: ‘Caro irmão, até breve, orai por nós.’”[^61] Um dos médiuns da Sociedade obteve ali mesmo sobre a sepultura, ainda meio aberta, a seguinte comunicação, ouvida por todos os assistentes, coveiros inclusive, de cabeça descoberta e com profunda emoção. Era, de fato, um espetáculo novo e surpreendente esse de ouvir palavras de um morto, recolhidas do seio do próprio túmulo: “Obrigado, amigos, obrigado. O meu túmulo ainda nem mesmo de todo é fechado, mas, passando um segundo, a terra cobrirá os meus despojos. Vós sabeis, no entanto, que minha alma não será sepultada nesse pó, antes pairará no Espaço a fim de subir até Deus! E como consola poder-se dizer a respeito da dissolução do invólucro: Oh! eu não morri, vivo a verdadeira vida, a vida eterna! O enterro do pobre não tem grandes cortejos, nem orgulhosas manifestações se abeiram da sua campa... Em compensação, acreditai-me, imensa multidão aqui não falta, e bons Espíritos acompanharam convosco, e com estas mulheres piedosas, o corpo que aí jaz estendido. Ao menos todos vós tendes fé e amais o bom Deus! Oh! certamente não morremos só porque o nosso corpo se esfacela, esposa amada! Ademais, eu estarei sempre ao teu lado para te consolar, para te ajudar a suportar as provações. Rude ser-te-á a vida, mas repleto o coração com as ideias da eternidade e do amor de Deus, como serão efêmeros os teus sofrimentos! Parentes que rodeais a minha amantíssima companheira, amai-a, respeitai-a, sede para ela como irmãos. Não vos esqueçais nunca da assistência que mutuamente vos deveis na Terra, se é que pretendeis penetrar a morada do Senhor. Quanto a vós, espíritas, irmãos, amigos, obrigado por terdes vindo a esta morada de pó e lama, a dizer-me adeus. Mas sabeis, e sabeis muito bem, vós, que minha alma imortal vive, e que algumas vezes vos irá pedir preces que jamais lhe recusareis para auxiliá-la na via magnífica que lhe descortinastes na vida terrena. A vós todos que aqui estais, adeus. Nós nos podemos rever noutro lugar que não sobre este túmulo. As almas me chamam a conferenciar. Adeus, orai pelos que sofrem e até outra vista.” Três dias depois, evocado num grupo particular, o Espírito Costeau assim se exprimiu por intermédio doutro médium: “A morte é a vida. Não faço mais que repetir o que já disseram, mas para vós não há outra expressão senão esta, a despeito do que afirmam os materialistas, os que preferem ficar cegos. Ó meus amigos, que belo espetáculo sobre a Terra o de ver tremular os estandartes do Espiritismo! Ciência profunda, imensa, da qual apenas soletrais as primeiras palavras. E que de luzes leva aos homens de boa vontade, aos que, libertando-se das terríveis cadeias do orgulho, altamente proclamam a sua crença em Deus! Homens, orai, rendei graças por tantos benefícios. Pobre humanidade! Ah! se te fora dado compreender! Mas não, que o tempo não é chegado ainda, no qual a misericórdia do Senhor deve estender-se por sobre todos os homens, a fim de lhe reconhecerem as vontades e a elas se submeterem. Por teus raios luminosos, ciência bendita, é que eles lá chegarão e compreenderão. Ao teu calor benéfico aquecerão os corações, tonificando-os no fogo divino, portador de consolações, como de fé. Aos teus raios vivificantes, o mestre e o operário virão a confundir-se e identificar-se, compenetrados dessa caridade fraterna preconizada pelo divino Messias. Ó meus irmãos, pensai na felicidade imensa que possuís como primeiros iniciados na obra da regeneração. Honra vos seja feita. Prossegui, e um dia, como eu, vendo a pátria dos Espíritos, exclamareis: ‘A morte é a vida, ou antes um sonho, espécie de pesadelo que dura o espaço de um minuto, e do qual despertamos para nos vermos rodeados de amigos que nos felicitam, ditosos por nos abraçarem.’ Tão grande foi a minha ventura, que eu não podia compreender que Deus me destinasse tantas graças relativamente ao pouco que fiz. Parecia-me sonhar, e como outrora me acontecia sonhar que estava morto, fui por instantes obrigado ao temor de voltar ao desgraçado corpo. Muito não tardou, porém, que me desse contas da realidade e rendesse graças a Deus. Eu bendizia o mestre que tão bem soube incutir-me os deveres de homem que crê na vida futura. Sim, eu o bendizia, agradecia-lhe, porquanto O livro dos espíritos despertara-me na alma os elos de amor ao meu Criador. Obrigado, bons amigos que me atraístes para junto de vós. Participai aos nossos irmãos que estou muitas vezes com o nosso amigo Sanson. Até outra vista e coragem, porque o triunfo vos espera. Felizes os que houverem tomado parte no combate!” Daí por diante o Sr. Costeau manifestou-se constantemente, na Sociedade e em outras reuniões, dando sempre provas dessa elevação de pensamentos que caracteriza os Espíritos adiantados.

# 📄 13. A Srta. Emma 5

Em consequência de acidentes causados por fogo, faleceu esta donzela após cruéis sofrimentos. Alguém se propusera solicitar a sua evocação na Sociedade Espírita de Paris, quando ela se apresentou espontaneamente a 31 de julho de 1863, pouco tempo depois da morte. “Eis-me aqui ainda no cenário do mundo, eu que me julgava sepultada para sempre no meu véu de inocência e juventude. Salvar-me-ia o fogo da Terra, do fogo do inferno

— assim o pensava eu na minha fé católica, e, se não ousava entrever os esplendores do paraíso, minha alma tímida se apegava à expiação do purgatório, enquanto pedia, sofria e chorava. Mas quem dava ao ânimo abatido a força de suportar as angústias? Quem, nas longas noites de insônia e febre dolorosa, se inclinava sobre o leito de martírios? Quem me refrescava os lábios sedentos, escaldantes? Éreis vós, meu guia, cuja auréola branca me cercava; e éreis vós outros, Espíritos caros e amigos, que vínheis murmurar-me ao ouvido palavras de esperança e de amor. A chama que me consumia o corpo débil também me despojou das suas cadeias, e, assim, morri vivendo já a verdadeira vida. Não experimentei a perturbação; entrei serena e recolhida no dia radiante que envolve aqueles que, depois de muito terem sofrido, souberam esperar um pouco. Minha mãe, minha querida mãe foi a última vibração terrestre que me repercutiu na alma. Como eu desejo que ela se torne espírita! Desprendi-me da Terra qual fruto maduro que se destacasse da árvore antes do tempo. Eu não tinha sido tocada pelo demônio do orgulho que estimula as almas desditosas, arrastadas pelos sucessos embriagadores e brilhantes da juventude. Bendigo, pois, o fogo, o sofrimento, a prova, que não passavam de expiação. Semelhante a esses brancos e leves fios do outono, flutuo na torrente luminosa, e não são mais as estrelas de diamante que me rebrilham na fronte, mas as áureas estrelas do bom Deus.” Emma

Em 30 de julho de 1863, espontaneamente o mesmo Espírito concedeu em outro centro em Havre a seguinte comunicação: “Os que sofrem na Terra, são recompensados na outra vida. Deus é repleto de Justiça e Misericórdia para com os que aqui sofrem. Concede a felicidade pura e perfeita, que não se deveria temer os sofrimentos e tampouco a morte, se fosse possível aos pobres seres humanos saber os misteriosos desígnios de nosso Criador. Mas a Terra é um local de muitas provações e frequentemente semeados de dores bem pungentes. Seja resignado se for ferido e diante de Deus que é o criador absoluto, inclinai-vos pela vossa bondade quando Ele vos dar um fardo pesado para suportar. Se Ele vos chamar depois de grandes sofrimentos, se nenhum lamento ou murmúrio entrar em vosso coração, vereis como eram poucas essas dores e as penas da Terra, quando percebeis a recompensa que Deus vos reserva. Bem cedo deixei a Terra e Deus quis me perdoar e dar-me a vida daqueles que respeitam vossa vontade. Adorai e amai de todo coração para sempre a Deus. Acima de tudo orai firmemente. É nisto que consiste o vosso sustentáculo aqui na Terra. A vossa esperança, a vossa salvação.” Emma

# 📄 14. O doutor Vignal

Antigo membro da Sociedade de Paris, falecido a 27 de março de 1865. Na véspera do enterro, um sonâmbulo lúcido e bom vidente, instado a transportar-se para junto dele e narrar o que visse, discorreu: “Vejo um cadáver, no qual se opera um trabalho extraordinário; dir-se-ia uma quantidade de massa que se agita e alguma coisa que parece fazer esforços para se lhe desprender, encontrando, contudo, dificuldade em vencer a resistência. Não distingo forma de Espírito bem caracterizada.” Fez-se a evocação na Sociedade de Paris, a 31 de março.

  • Caro Sr. Vignal, todos os vossos velhos colegas da Sociedade de Paris guardam de vós as mais vivas saudades, e eu, particularmente, das boas relações, aliás nunca interrompidas. Evocando-vos, tivemos por fim primeiramente testemunhar a nossa simpatia, considerando-nos felizes se puderdes e quiserdes entreter-vos conosco.

👻 ▸ Prezado amigo e digno mestre: tão bondosa lembrança e testemunhos de simpatia me são muito lisonjeiros. Graças à vossa evocação e assistência, levadas pelas preces, pude vir hoje assistir desembaraçado a esta reunião de bons amigos e irmãos espíritas. Como justamente disse o jovem secretário, eu estava impaciente por me comunicar; desde o anoitecer de hoje, empreguei todas as forças espirituais para dominar esse desejo; como os graves assuntos, tratados na vossa conversação, me interessassem vivamente, tornaram a minha expectativa menos penosa. Perdoai-me, caro amigo, mas a minha gratidão exigia me manifestasse.

  • Dizei-nos primeiramente como vos encontrais no mundo espiritual, descrevendo o trabalho da separação, as sensações desse momento, bem como o tempo necessário ao reconhecimento do vosso estado.

👻 ▸ Sou tão feliz quanto possível, vendo plenamente confirmados os secretos pensamentos concebíveis em relação a uma doutrina confortante e consoladora. “Sou feliz, e tanto mais por ver agora, sem obstáculo algum, desenvolver-se diante de mim o futuro da ciência e da filosofia espíritas. “Mas deixemos por hoje estas digressões inoportunas; de novo voltarei a entreter-vos sobre este assunto, máxime sabendo que a minha presença vos dará tanto prazer quanto o que experimento em visitar-vos. “A separação foi rápida; mais do que podia esperar pelo meu apoucado merecimento. Fui eficazmente auxiliado pelo vosso concurso e o sonâmbulo vos deu uma ideia bastante clara do fenômeno da separação, para que eu nele insista. Era uma espécie de oscilação intermitente, um como arrastamento em sentidos opostos. Triunfou o Espírito aqui presente. Só deixei completamente o corpo quando ele baixou à terra; e aqui vim ter convosco.”

  • Que dizeis dos vossos funerais? Julguei-me no dever de a eles comparecer. Nesse momento éreis assaz livre para apreciá-los; e as preces por mim feitas a vosso favor (discretamente, já se vê) tinham chegado até vós?

👻 ▸ Sim; já o disse; a vossa assistência auxiliou-me grandemente, e voltei a vós, abandonando por completo a velha carcaça. Ademais, sabeis, pouco me importam as coisas materiais. Só pensava na alma e em Deus.

  • Recordai-vos que a vosso pedido, há cinco anos, em fevereiro de 1860, quando estáveis ainda entre nós, fizemos um estudo a vosso respeito. 6 Nessa ocasião o vosso Espírito desprendeu-se para vir falar conosco. Podereis descrever-nos da melhor forma a diferença entre o vosso atual desprendimento e aquele de então?

👻 ▸ Sim, lembro-me. E que grande diferença entre um e outro! Naquele estado, a matéria me oprimia ainda na sua trama inflexível, isto é, queria, mas não podia desembaraçar-me radicalmente. “Hoje sou livre; um vasto campo desconhecido se me depara, e eu espero com o vosso auxílio e o dos bons Espíritos, aos quais me recomendo, progredir e compenetrar-me o mais rapidamente possível dos sentimentos que é mister possuir, e dos atos que me cumpre empreender para suportar as provações e merecer a recompensa. “Que majestade! que grandeza! É quase um sentimento de temor que predomina, quando, fracos quais somos, queremos fixar as paragens luminosas.”

  • Com prazer continuaremos a entreter-nos no assunto, sempre que o quiserdes.

👻 ▸ Respondi sucintamente e desordenadamente às diversas perguntas.

— Não exijais mais, agora, do vosso fiel discípulo, porquanto não estou ainda inteiramente livre. Continuar a conversar seria o meu prazer, mas o meu guia modera-me o entusiasmo, e já pude apreciar-lhe bastante a bondade e a justiça para submeter-me inteiramente à sua decisão, por maior que seja o meu pesar em ser interrompido. Consolo-me, pensando que poderei vir assistir algumas vezes, incógnito, às vossas reuniões. “Falar-vos-ei sempre que possa, pois estimo-vos e desejo prová-lo. Outros Espíritos, porém, mais adiantados, reclamam prioridade, devendo eu curvar-me àqueles que me permitiram dar livre curso à torrente das ideias acumuladas. “Deixo-vos, amigos, e devo agradecer duplamente não só a vós espíritas que me evocastes, como também a este Espírito que houve por bem ceder-me o seu lugar, Espírito que na Terra tinha o ilustre nome de Pascal. “Daquele que foi e será sempre o mais devotado dos vossos adeptos.” Dr. Vignal

# 📄 15. Victor Lebufle

Moço, prático do porto do Havre, falecido aos 20 anos. Morava com sua mãe, mercadora, a quem prodigalizava os mais ternos e afetuosos cuidados, sustentando-a com o produto do seu rude trabalho. Nunca o viram frequentar tabernas nem entregar-se aos tão frequentes excessos da sua profissão, por não querer desviar a menor partícula de salário do fim piedoso que lhe destinava. Todo o seu lazer consagrava-o à sua mãe para poupá-la de fadigas. Afetado de há muito por enfermidade, da qual, sabia, havia de morrer, ocultava-lhe os sofrimentos para não a inquietar e para que ela não quisesse privá-lo da sua parte de labor. Na idade das paixões, eram precisos a esse moço um grande cabedal de qualidades morais e poderosa força de vontade para resistir às perniciosas tentações do meio em que vivia. De sincera piedade, a sua morte foi edificante. Na véspera da morte, exigiu de sua mãe que fosse repousar, dizendo-lhe ter, também ele, necessidade de dormir. Ela teve a esse tempo uma visão; achava-se, disse, em grande escuridão, quando viu um ponto luminoso que crescia pouco a pouco, até que o quarto ficou iluminado por brilhante claridade, da qual se destacava radiante a figura do filho, elevando-se ao Espaço infinito. Compreendeu que o seu fim estava próximo, e, com efeito, no dia seguinte, aquela alma bem formada havia deixado a Terra, murmurando uma prece. Uma família espírita, conhecedora da sua bela conduta, interessando-se por sua mãe, que ficara sozinha, teve a ideia de o evocar pouco tempo após a morte e ele se manifestou espontaneamente, dando a seguinte comunicação: “Desejais saber como estou agora; feliz, felicíssimo! Devem ser levados em conta os sofrimentos e angústias, que são a origem das bênçãos e da felicidade de além-túmulo. A felicidade! Ah! não compreendeis o que significa essa palavra. As venturas terrenas quão longe estão das que experimentamos ao regressar para Jesus, com a consciência pura, com a confiança do servo cumpridor do seu dever, que espera cheio de alegria a aprovação daquele que é tudo. Ah! meus amigos, a vida é penosa e difícil, quando se não tem em vista o seu fim, mas eu vos digo, em verdade, que quando vierdes para junto de nós, se seguirdes a Lei de Deus, sereis recompensados além, mas muito além dos sofrimentos e dos méritos que porventura julgardes ter adquirido para a outra vida. Sede bons e caritativos, dessa caridade tão desconhecida entre os homens, e que se chama benevolência. Socorrei os vossos semelhantes, fazendo por outrem mais que por vós mesmos, uma vez que ignorais a miséria íntima de cada um e conheceis a vossa. Socorrei minha mãe, pobre mãe, único pesar que me vem da Terra. Ela deve passar por outras provas e preciso é que chegue ao Céu. Adeus, vou vê-la.” Victor

O guia do médium

— Nem sempre os sofrimentos amargados na Terra constituem uma expiação. Os Espíritos que, cumprindo a vontade do Senhor, baixam à Terra, como este, são felizes em provar males que para outros seriam uma expiação. O sono os revigora perante o Todo-Poderoso, dando-lhes a força de tudo suportarem para sua maior glória. A missão deste Espírito, em sua última existência, não era de aparato, mas por mais obscura que fosse nem por isso tinha menos mérito, visto como não podia ser estimulado pelo orgulho. Ele tinha, antes de tudo, um dever de gratidão a cumprir para com aquela que foi sua mãe; depois, deveria demonstrar que nos piores ambientes podem encontrar-se almas puras, de nobres e elevados sentimentos, capazes de resistir a todas as tentações. Isso é uma prova de que as qualidades morais têm causas anteriores, e um tal exemplo não terá sido estéril.

# 📄 16. A Sra. Anaïs Gourdon

Era muito jovem e notável pela doçura do caráter e eminentes qualidades morais que a distinguiam, tendo falecido em novembro de 1860. Pertencia a uma família de mineiros dos arredores de Saint-Étienne, circunstância que torna interessante sua posição espiritual. Evocação:

👻 ▸ Presente.

  • Vosso pai e vosso marido pediram-me para evocar-vos, e felizes se julgariam se obtivessem uma comunicação.

👻 ▸ Eu também sou feliz em dá-la.

  • Por que tão cedo vos furtastes aos carinhos da família?

👻 ▸ Porque terminei as provações terrenas.

  • Podeis ver algumas vezes os vossos parentes?

👻 ▸ Oh! estou sempre ao lado deles.

  • Sois feliz como Espírito?

👻 ▸ Sou feliz. Amo e espero. Os céus não me infundem temor, e cheia de confiança aguardo que asas brancas me alcem até eles.

  • Que entendeis por asas brancas?

👻 ▸ Tornar-me Espírito puro, resplandecer como os mensageiros celestes que me ofuscam. As asas dos anjos, arcanjos, serafins, que não passam de Espíritos puros, são evidentemente apenas um atributo pelos homens imaginado para dar ideia da rapidez com que se transportam, visto como a sua natureza etérea os dispensa de qualquer amparo para fender os espaços. Contudo, eles podem aparecer aos homens com tal acessório para lhes corresponderem ao pensamento, assim como os Espíritos se revestem da aparência terrestre a fim de se fazerem cognoscíveis.

  • Podem os vossos parentes fazer algo em vosso favor?

👻 ▸ Podem, caros irmãos, não mais me entristecendo com as suas lamentações, pois sabem que não estou perdida de todo para eles. Desejo que a recordação de meu ser lhes seja suave e doce. Passei qual flor sobre a Terra, e nada de pesaroso deve subsistir dessa passagem.

  • Como pode ser tão poética a vossa linguagem, e tão pouco em harmonia com a posição que tivestes na Terra?

👻 ▸ É que a minha alma é quem fala. Sim, eu tinha conhecimentos adquiridos e Deus permite muitas vezes que Espíritos delicados encarnem entre os homens mais rústicos, para fazer-lhes pressentir as delicadezas ao seu alcance, que compreenderão mais tarde. Sem esta explicação tão lógica, consentânea com a solicitude de Deus para com as criaturas, dificilmente se compreenderia o que à primeira vista parecerá anomalia. De fato, que pode haver de mais belo, poético e gracioso que a linguagem desta jovem educada entre rudes operários? Dá-se o contrário muitas vezes: Espíritos inferiores encarnam entre os mais adiantados homens, porém, com fito oposto. É visando o seu próprio adiantamento que Deus os põe em contato com um meio esclarecido, e, às vezes, também como instrumento de provação desse mundo. Que outra filosofia pode resolver tais problemas?

# 📄 17. Maurice Gontran

Era filho único e faleceu, aos 18 anos, de uma afecção pulmonar. Inteligência rara, razão precoce, grande amor ao estudo, caráter doce, terno e simpático, possuía todas as qualidades que fazem prever brilhante futuro. Com grande êxito terminara muito cedo os primeiros estudos, matriculando-se em seguida na Escola Politécnica. A sua morte acarretou aos pais uma dessas dores que deixam traços profundos e muitíssimo dolorosos, pois que, tendo sido sempre de natureza delicada, lhe atribuíam o fim prematuro ao trabalho de estudos a que o instigaram. Exprobrando-se, então, diziam: “De que lhe serve agora tudo o que aprendeu? Melhor fora ficasse ignorante, pois a ciência não lhe era necessária para viver, e assim estaria, sem dúvida, entre nós; seria o consolo da nossa velhice.” Se conhecessem o Espiritismo, raciocinariam de outra forma. Nele encontraram, contudo, a verdadeira consolação. O ditado seguinte foi dado pelo rapaz a um dos seus amigos, meses após a desencarnação.

  • Meu caro Maurice, a terna afeição que votáveis a vossos pais traz-me a convicção de que desejais reconfortar-lhes o ânimo, se estiver ao vosso alcance fazê-lo. O pesar, direi mesmo desespero, que o vosso passamento lhes trouxe, altera-lhes visivelmente a saúde, levando-os a desgostarem-se da vida. Algumas palavras de consolo poderão certamente fazer renascer-lhes a esperança...

👻 ▸ Meu velho amigo, esperava com impaciência esta ocasião que ora me facultais de comunicar-me. A dor de meus pais aflige-me, porém, ela se acalmará quando tiverem a certeza de que não estou perdido para eles; aproximai-vos deles a fim de os convencer desta verdade, o que certamente conseguireis. Era preciso este acontecimento para insinuar-lhes uma crença que lhes trará a felicidade, impedindo-os de murmurar contra os decretos da Providência. Sabeis que meu pai era muito cético a respeito da vida futura.

— Deus concedeu-lhe este desgosto para arrancá-lo do seu erro. Aqui nos reencontraremos, neste mundo onde não se conhecem desgostos da vida, e no qual os precedi; afirmai-lhes categoricamente que a ventura de tornarem a ver-me ser-lhes-á recusada como castigo à falta de confiança na bondade de Deus. Para mim seria mesmo interdita a comunicação com eles, durante o tempo da sua permanência na Terra. O desespero é uma rebeldia à vontade do Onipotente, sempre punido com o prolongamento da causa que o produziu, até que haja completa submissão. “O desespero é verdadeiro suicídio por minar as forças corpóreas, e quem abrevia os seus dias, no intuito de escapar mais cedo aos travos da dor, faz jus às mais cruéis decepções; deve-se, ao contrário, avigorar o corpo a fim de suportar mais facilmente o peso das provações. “Meus queridos e bondosos pais, é a vós que neste momento me dirijo. Desde que deixei o despojo mortal, jamais deixei de estar ao vosso lado. Aí estou muito mais vezes mesmo que quando na Terra. Consolai-vos, pois, porque eu não estou morto, ou antes, estou mais vivo que vós. Apenas o corpo morreu, mas o Espírito, esse, vive sempre. Ele é ademais livre, feliz, isento de moléstias, de enfermidades e de dores. “Em vez de vos afligirdes, regozijai-vos por saber que estou ao abrigo de cuidados e apreensões, em lugar onde o coração se satura de alegria puríssima, sem a sombra de um desgosto. “Meus bons amigos, não deploreis os que morrem precocemente, porque isto é uma graça que Deus lhes concede, poupando-os às tribulações da vida terrena. A minha existência aí não devia prolongar-se por muito tempo desta vez, visto ter adquirido o necessário para preencher, no Espaço, uma missão mais elevada. Se tivesse mais tempo, não imaginais a que perigos e seduções iria expor-me. “E podereis acaso julgar da minha fortaleza para não sucumbir nessa luta que importaria atraso de alguns séculos? Por que, pois, lastimar o que me é vantajoso? “Neste caso, uma dor inconsolável acusaria descrença só legitimável pela ideia do nada. Os que assim descreem, esses é que são dignos de lástima, pois para eles não pode haver consolação possível; os entes caros figuram-se-lhes irremediavelmente perdidos, porque a tumba lhes leva a última esperança!”

  • Vossa morte foi dolorosa?

👻 ▸ Não, meu amigo, apenas sofri, antes da morte, os efeitos da moléstia que carregava, porém esse sofrimento diminuía à proporção que o último instante se aproximava: depois, um dia, adormeci sem pensar na morte. E tive então um sonho delicioso! Sonhei que estava curado, que não mais sofria, e respirava a longos haustos, prazerosamente, um ar embalsamado e puro: transportava-me através do Espaço uma força desconhecida. Brilhante luz resplandecia em torno, mas sem cansar-me a vista! Vi meu avô, não mais esquálido, alquebrado, porém, com aspecto juvenil e loução. E ele estendia-me os braços, estreitando-me efusivamente ao coração. “Multidão de outras pessoas, de risonhos semblantes, o acompanhavam, acolhendo-me todos com benevolência e doçura; parecia-me reconhecê-los e, venturoso por tornar a vê-los, trocávamos felicitações e testemunhos de amizade. Pois bem! o que eu supunha ser um sonho era a realidade, porque de tal sonho não devia despertar na Terra: é que acordara no mundo espiritual.”

  • A vossa moléstia não se originou da grande assiduidade no estudo?

👻 ▸ Oh! não, desenganai-vos. Contado estava o tempo que eu deveria passar na Terra, e coisa alguma poderia aí reter-me. Sabia-o meu Espírito nos momentos de desprendimento e considerava-me feliz com a ideia da próxima libertação. “Mas o tempo que aí passei não foi sem proveito, e hoje me felicito de o não ter perdido. “Os sérios estudos feitos fortificaram-me a alma, aumentando-lhe os conhecimentos, e se em virtude da minha curta existência não pude dar-lhes aplicação, nem por isso deixarei de o fazer mais tarde e com maior utilidade. “Adeus, caro amigo: eu parto para junto de meus pais, a fim de predispô-los ao recebimento desta comunicação.” Maurice

# 📑 03. Espíritos em condições medianas

# 📄 01. Joseph Bré

(Falecido em 1840 e evocado em Bordeaux, por sua neta, em 1862.)

O homem honesto segundo Deus ou segundo os homens 1. Caro avô, podeis dizer-me como vos encontrais no mundo dos Espíritos, dando-me quaisquer pormenores úteis ao nosso progresso?

👻 ▸ Tudo que quiseres, querida filha. Eu expio a minha descrença; porém, grande é a bondade de Deus, que atende às circunstâncias. Sofro, mas não como poderias imaginar: é o desgosto de não ter melhor aproveitado o tempo aí na Terra. 2. Como? Pois não vivestes sempre honestamente?

👻 ▸ Sim, no juízo dos homens; mas há um abismo entre a honestidade perante os homens e a honestidade perante Deus. E uma vez que desejas instruir-te, procurarei demonstrar-te a diferença. Aí, entre vós, é reputado honesto aquele que respeita as leis do seu país, respeito arbitrário para muitos. Honesto é aquele que não prejudica o próximo ostensivamente, embora lhe arranque muitas vezes a felicidade e a honra, visto o código penal e a opinião pública não atingirem o culpado hipócrita. Podendo fazer gravar na pedra do túmulo um epitáfio de virtude, julgam muitos terem pago sua dívida à humanidade! Erro! Não basta, para ser honesto perante Deus, ter respeitado as leis dos homens; é preciso antes de tudo não haver transgredido as Leis divinas. Honesto aos olhos de Deus será aquele que, possuído de abnegação e amor, consagre a existência ao bem, ao progresso dos seus semelhantes; aquele que, animado de um zelo sem limites, for ativo na vida; ativo no cumprimento dos deveres materiais, ensinando e exemplificando aos outros o amor ao trabalho; ativo nas boas ações, sem esquecer a condição de servo ao qual o Senhor pedirá contas, um dia, do emprego do seu tempo; ativo finalmente na prática do amor de Deus e do próximo. “Assim o homem honesto, perante Deus, deve evitar cuidadoso as palavras mordazes, veneno oculto sob flores, que destrói reputações e acabrunha o homem, muitas vezes cobrindo-o de ridículo. O homem honesto, segundo Deus, deve ter sempre cerrado o coração a quaisquer germens de orgulho, de inveja, de ambição; deve ser paciente e benévolo para com os que o agredirem; deve perdoar do fundo da alma, sem esforços e sobretudo sem ostentação, a quem quer que o ofenda; deve, enfim, praticar o preceito conciso e grandioso que se resume ‘no amor de Deus sobre todas as coisas e do próximo como a si mesmo’. “Eis aí, querida filha, aproximadamente o que deve ser o homem honesto perante Deus. Pois bem: tê-lo-ia eu sido? Não. Confesso sem corar que faltei a muitos desses deveres; que não tive a atividade necessária; que o esquecimento de Deus impeliu-me a outras faltas, as quais, por não serem passíveis às leis humanas, nem por isso deixam de ser atentatórias à Lei de Deus. Compreendendo-o, muito sofri, e assim é que hoje espero mais consolado a misericórdia desse Deus de bondade, que perscruta o meu arrependimento. Transmite, cara filha, repete tudo o que aí fica a quantos tiverem a consciência onerada, para que reparem suas faltas à força de boas obras, a fim de que a misericórdia de Deus se estenda por sobre eles. Seus olhos paternais lhes calcularão as provações. Sua mão potente lhes apagará as faltas.”

# 📄 02. Sra. Hélène Michel

Jovem de 25 anos, falecida subitamente no lar, sem sofrimentos, sem causa previamente conhecida. Rica e um tanto frívola, a leviandade de caráter predispunha-a mais para as futilidades da vida do que para as coisas sérias. Não obstante, possuía um coração bondoso e era dócil, afetuosa e caritativa. Evocada três dias após a morte por pessoas conhecidas, exprimia-se assim: “Não sei onde estou... que turbação me cerca! Chamaste-me e eu vim. Não compreendo por que não estou em minha casa; lamentam a minha ausência quando presente estou, sem poder fazer-me reconhecida. Meu corpo não mais me pertence, e no entanto eu lhe sinto a algidez... Quero deixá-lo e mais a ele me prendo, sempre... Sou como que duas personalidades... Oh! quando chegarei a compreender o que comigo se passa? É necessário que vá lá ainda... meu outro eu, que lhe sucederá na minha ausência? Adeus.” O sentimento da dualidade que não está ainda destruído por uma completa separação, é aqui evidente. Caráter volúvel, permitindo-lhe a posição e a fortuna a satisfação de todos os caprichos, deveria igualmente favorecer as tendências de leviandade. Não admira, pois, tenha sido lento o seu desprendimento, a ponto de, três dias após a morte, sentir-se ainda ligada ao invólucro corporal. Mas como não possuísse vícios sérios e fosse de boa índole, essa situação nada tinha de penosa e não deveria prolongar-se por muito tempo. Evocada novamente depois de alguns dias, as suas ideias estavam já muito modificadas. Eis o que disse: “— Obrigada por haverdes orado por mim. Reconheço a bondade de Deus, que me subtraiu aos sofrimentos e apreensões consequentes ao desligamento do meu Espírito. À minha pobre mãe será dificílimo resignar-se; entretanto será confortada, e o que a seus olhos constitui sensível desgraça, era fatal e indispensável para que as coisas do Céu se lhe tornassem no que devem ser: tudo. Estarei ao seu lado até o fim da sua provação terrestre, ajudando-a a suportá-la. ’Não sou infeliz, porém, muito tenho ainda a fazer para aproximar-me da situação dos bem-aventurados. Pedirei a Deus me conceda voltar a essa Terra para reparação do tempo que aí perdi nesta última existência. ‘A fé vos ampare, meus amigos; confiai na eficácia da prece, mormente quando partida do coração. Deus é bom.’

  • Levastes muito tempo a reconhecer-vos?

👻 ▸ Compreendi a morte no mesmo dia que por mim orastes.

  • Era doloroso o estado de perturbação?

👻 ▸ Não, eu não sofria, acreditava sonhar e aguardava o despertar. Minha vida não foi isenta de dores, mas todo ser encarnado nesse mundo deve sofrer. Resignando-me à vontade de Deus, a minha resignação foi por Ele levada em conta. Grata vos sou pelas preces que me auxiliaram no reconhecimento de mim mesma. Obrigada; voltarei sempre com prazer. Adeus.” Hélène

# 📄 03. O marquês de Saint-Paul

(Falecido em 1860 e evocado, a pedido de uma sua irmã, consóror da Sociedade de Paris, em 16 de maio de 1861.)

# #️⃣ CEU-2-03-03-p1

Evocação:

👻 ▸ Eis-me aqui.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p2

. Vossa irmã pediu-nos para evocar-vos, pois, conquanto seja médium, não está ainda bastante desenvolvida.

👻 ▸ Responderei da melhor forma possível.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p3

Em primeiro lugar ela deseja saber se sois feliz.

👻 ▸ Estou na erraticidade, estado transitório que não proporciona nem felicidade nem castigo absolutos.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p4

Permanecestes por muito tempo inconsciente do vosso estado?

👻 ▸ Estive muito tempo perturbado e só voltei a mim para bendizer da piedade dos que, lembrando-se de mim, por mim oraram.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p5

E podeis precisar o tempo dessa perturbação?

👻 ▸ Não.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p6

Quais os parentes que reconhecestes primeiro?

👻 ▸ Minha mãe e meu pai, os quais me receberam ao despertar, iniciando-me na nova vida.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p7

A que atribuir o fato de parecer que nos últimos extremos da moléstia confabuláveis com as pessoas caras da Terra?

👻 ▸ Ao conhecimento antecipado pela revelação do mundo que viria habitar. Vidente antes da morte, meus olhos só se turbaram no momento da separação do corpo, porque os laços carnais eram ainda muito vigorosos.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p8

Como explicar as recordações da infância que de preferência vos ocorriam?

👻 ▸ Ao fato de o princípio se identificar mais com o fim, que com o meio da vida.

  • Como explicar isso?

👻 ▸ Importa dizer que os moribundos lembram e veem, como miragem consoladora, a pureza infantil dos primeiros anos. É provavelmente por motivo providencial semelhante que os velhos, à proporção que se aproximam do termo da vida, têm, por vezes, nítida lembrança dos mais ínfimos episódios da infância.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p9

Por que, referindo-vos ao corpo, faláveis sempre na terceira pessoa?

👻 ▸ Porque era vidente como vo-lo disse, e sentia claramente as diferenças entre o físico e o moral; essas diferenças, muito amalgamadas entre si pelo fluido vital, tornam-se distintíssimas aos olhos dos moribundos clarividentes. Eis aí uma particularidade singular da morte deste senhor. Nos seus últimos momentos, ele dizia sempre: “Ele tem sede, é preciso dar-lhe de beber; ele tem frio, é preciso aquecê-lo; sofre em tal ou tal região etc.” E quando se lhe dizia: “Mas sois vós que tendes sede?”

— respondia: “Não, é ele.” Aqui ressaltam perfeitamente as duas existências: o eu pensante está no Espírito, e não no corpo; o Espírito, em parte desprendido, considerava o corpo outra individualidade, que a bem dizer lhe não pertencia; era portanto ao seu corpo que se fazia mister dessedentar, e não a ele Espírito. Este fenômeno é notado também em alguns sonâmbulos.

# #️⃣ CEU-2-03-03-p10

O que dissestes sobre a erraticidade do vosso Espírito e sua respectiva perturbação, levaria a duvidar da vossa felicidade, ao contrário do que se poderia inferir das vossas qualidades. Ademais, há Espíritos errantes felizes e infelizes.

👻 ▸ Estou num estado transitório; aqui as virtudes humanas passam a ter seu justo valor. Certo, este estado é mil vezes preferível ao da minha encarnação terrestre; mas porque alimentei sempre aspirações ao verdadeiramente bom e belo, minha alma não ficará satisfeita senão quando se alçar aos pés do Criador.

# 📄 04. Sr. Cardon, médico

Passara uma parte da sua vida na marinha mercante, como médico de navio baleeiro, adquirindo em tal ambiente ideias um tanto materialistas; recolhido à cidade de J., exerceu aí a modesta profissão de médico da roça. Havia algum tempo, adquirira a certeza de estar afetado de uma hipertrofia do coração, e, sabendo a moléstia incurável, deixava-se abater pela perspectiva da morte, num estado de melancolia inconsolável. Predisse o dia certo do falecimento, com antecipação de cerca de dois meses, e, chegado o momento, ele reuniu a família para dizer-lhe o último adeus. Estando abeirados do seu leito a esposa, a mãe, os três filhos e outros parentes, quando a primeira tentava erguê-lo, ele prostrou-se, tornando-se de um roxo lívido e fechando os olhos, pelo que foi julgado morto. A esposa colocou-se então de permeio, para ocultar aos filhos esse espetáculo. Minutos depois, o doente reabriu os olhos; sua fisionomia, por assim dizer iluminada, tomou radiante expressão de beatitude, e ele exclamou:

— Ó meus filhos, belo! sublime! Oh! a morte! que benefício! que coisa suave! Morto, senti minha alma elevar-se bem alta, porém, Deus me permitiu voltasse para dizer-vos: Não lamenteis a minha morte, que é a libertação. Ah! que eu não posso descrever-vos a magnificência de tudo quanto vi, as impressões que experimentei! Mas não poderíeis compreendê-las... Ó meus filhos, comportai-vos sempre de modo a merecer esta inefável felicidade reservada aos homens de bem; vivei conforme os preceitos da caridade; do que tiverdes, dai uma parte aos necessitados. “Minha querida mulher, deixo-te numa posição pouco lisonjeira; temos dívidas a receber, mas eu te conjuro a não atormentares os nossos devedores; se estiverem em apuros, espera que possam pagar; e aos que não o puderem fazer, perdoa-lhes. Deus te recompensará. Tu, meu filho, trabalha para manteres tua mãe; sê honesto sempre e guarda-te de fazer algo que possa manchar a nossa família. Toma esta cruz, herança de minha mãe; não a deixes nunca, e oxalá te recorde ela sempre os meus derradeiros conselhos: Meus filhos, ajudai-vos, apoiai-vos mutuamente para que a boa harmonia reine entre vós; não sejais vaidosos nem orgulhosos; perdoai aos vossos inimigos se quiserdes que Deus vos perdoe...” Depois, fazendo-os chegar a si, tomou-lhes as mãos, acrescentando:

— Filhos, eu vos abençoo.

— E seus olhos cerraram-se, desta vez para sempre; seu rosto, porém, conservou uma expressão tão imponente que, até o momento de ser amortalhado, numerosa turba veio contemplá-lo, tomada de admiração. Tendo-nos um amigo da família fornecido estes pormenores assaz interessantes, lembramo-nos que a evocação podia tornar-se instrutiva a todos nós, e útil ao próprio Espírito.

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Evocação:

👻 ▸ Estou perto de vós.

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Relataram-nos as circunstâncias em que se deu a vossa passagem e ficamos cheios de admiração. Quereis ter a bondade de nos descrever ainda mais minuciosamente o que vistes no intervalo do que poderíamos denominar as vossas duas mortes?

👻 ▸ O que vi... E poderíeis compreendê-lo? Não sei, visto como não encontraria expressões apropriadas à compreensão do que pude ver durante os instantes em que me foi possível deixar o envoltório mortal.

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E sabeis em que lugar estivestes? Seria longe da Terra, em outro planeta, ou no Espaço?

👻 ▸ O Espírito não mede distâncias, nem lhes conhece o valor como a vós acontece. Arrebatado por não sei que agente maravilhoso, eu vi os esplendores de um céu, desses que só em sonho podemos imaginar. Esse percurso, através do infinito, fazia-se com celeridade tal que eu não pude precisar os instantes nele empregados pelo meu Espírito.

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E fruís atualmente a felicidade que entrevistes?

👻 ▸ Não; bem desejaria poder fruí-la, mas Deus não deveria recompensar-me de tal maneira. Revoltei-me muitas vezes contra os pensamentos abençoados que o coração me ditava e a morte parecia-me uma injustiça. “Médico incrédulo, eu havia assimilado na arte de curar uma aversão profunda à segunda natureza, que é o nosso impulso inteligente, divino; para mim a imortalidade da alma não passava de ficção própria para seduzir as naturezas pouco instruídas, embora o nada me espantasse, maldizendo o misterioso agente que atua perenemente. A Filosofia desviara-me, sem que eu desse por isto, da compreensão da grandeza do Eterno, que sabe distribuir a dor e a alegria para ensino da humanidade.”

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Logo após o definitivo desprendimento reconhecestes o vosso estado?

👻 ▸ Não; eu só me reconheci durante a transição que o meu Espírito experimentou para percorrer a etérea região. Isto, porém, não ocorreu imediatamente, sendo-me precisos alguns dias para o meu despertar. “Deus concedera-me uma graça, em razão do que vos vou explicar: A minha primitiva descrença não mais existia; tornara-me crente antes da morte, depois de haver cientificamente sondado a matéria grave que me atormentava, de não haver encontrado ao fim das razões terrestres senão a razão divina, que me inspirou e consolou, dando-me coragem mais forte que a dor. Assim, bendizia o que amaldiçoara, encarava a morte como uma libertação. A ideia de Deus é grande como o mundo! Oh! que supremo consolo na prece, que nos enternece e comove: ela é o elemento mais positivo da nossa natureza imaterial; foi por ela que compreendi, que cri firme, soberanamente, e, por isso, Deus, levando em conta os meus atos, houve por bem recompensar-me antes do termo da minha encarnação.”

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Poder-se-ia dizer que estivestes morto nessa primeira crise?

👻 ▸ Sim e não: tendo o Espírito abandonado o corpo, naturalmente a carne extinguia-se; entretanto, retomando posse da morada terrena, a vida voltou ao corpo, que passou por uma transição, por um sono.

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E sentíeis então os laços que vos prendiam ao corpo?

👻 ▸ Sem dúvida; o Espírito tem um grilhão fortíssimo a prendê-lo, e não entra na vida natural antes que dê o último estremecimento da carne.

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Como, pois, na vossa morte aparente e durante alguns minutos, pôde o vosso Espírito desprender-se súbita e imperturbavelmente, ao passo que o desprendimento efetivo se fez acompanhar da perturbação por alguns dias? Parece-nos que no primeiro caso, os laços entre corpo e Espírito subsistindo mais que no segundo, o desprendimento deverá ser mais lento, ao contrário justamente do que se deu.

👻 ▸ Tendes muitas vezes evocado um Espírito encarnado, recebendo respostas exatas; eu estava nas condições desses tais, porque Deus me chamava e os seus servidores me diziam: “Vem...” Obedeci, agradecendo-lhe o favor especial que houve por bem conceder-me para que pudesse entrever, compreendendo-a, a sua infinita grandeza. Obrigado a vós, que antes da morte real me permitistes doutrinar os meus, para que façam boas e justas encarnações.

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Donde provinham as belas palavras que após o despertar dirigistes à vossa família?

👻 ▸ Eram o reflexo do que tinha visto e ouvido; os bons Espíritos inspiravam-me a linguagem e davam fulgor à minha fisionomia.

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Que impressão julgais ter a vossa revelação produzido nos assistentes, notadamente nos vossos filhos?

👻 ▸ Surpreendente, profunda; a morte não é mentirosa; os filhos, por mais ingratos que possam ser, curvam-se sempre à encarnação que termina. Se pudéssemos penetrar o coração dos filhos, junto de um túmulo entreaberto, vê-lo-íamos apenas palpitar de sentimentos verdadeiros, sinceros, tocados pela mão secreta dos Espíritos, que dizem em todos os pensamentos: “Tremei se duvidais”; a morte é a reparação, a Justiça de Deus, e eu vos asseguro, em que pese aos incrédulos, que a minha família e os amigos creram nas palavras por mim pronunciadas antes da morte. Eu era, ademais, intérprete de um outro mundo.

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Dizendo não gozardes da felicidade entrevista, pode inferir-se que sejais infeliz?

👻 ▸ Não, uma vez que me tornei crente antes da morte, e isto de coração e consciência. A dor acabrunha nesse mundo, mas fortalece sob o ponto de vista do futuro espiritual. Notai que Deus teve em conta as minhas preces e a crença nele depositada em absoluto; estou firme no caminho da perfeição, e chegarei ao fim que me foi permitido lobrigar. Orai, meus amigos, por este mundo invisível que preside aos vossos destinos; esta permuta fraternal é de caridade; é a alavanca que põe em comunhão os Espíritos de todos os mundos.

# #️⃣ CEU-2-03-04-p12

Acaso quereríeis dirigir algumas palavras à vossa mulher e filhos?

👻 ▸ Peço a todos os meus que acreditem no Deus poderoso, justo, imutável; na prece que consola e alivia; na caridade que é a mais pura prática da encarnação humana; peço-lhes que se lembrem que do pouco também se pode dar, pois o óbolo do pobre é o mais meritório aos olhos de Deus, desse Deus que sabe que muito dá um pobre, mesmo que dê pouco. “O rico precisa dar muito, e repetidamente, para merecer outro tanto. O futuro é a caridade, a benevolência em todos os atos; é considerar que todos os Espíritos são irmãos, sem se preocupar jamais com as mil pueris vaidades da Terra. “Tereis rudes provações, querida, amada família; aceitai-as, porém, corajosamente, lembrando-vos de que Deus as vê. Repeti amiúde esta prece: ‘Deus de amor e bondade, que tudo faculta e sempre, dá-nos força superior a todas as vicissitudes, torna-nos bons, humildes e caridosos, pequenos pela fortuna e grandes de coração. Permite seja espírita o nosso Espírito na Terra, a fim de melhor te compreendermos e te amarmos. Seja teu nome emblema de liberdade, ó meu Deus!

— O consolador de todos os oprimidos, de todos os que necessitam de amar, perdoar e crer.’” Cardon

# 📄 05. Eric Stanislas

(Comunicação espontânea. Sociedade de Paris, agosto de 1863.)

“Que ventura nos proporcionam as emoções vivamente sentidas por calorosos corações! Oh! suaves pensamentos que vindes abrir o caminho da salvação a tudo que vive, que respira material e espiritualmente. Não deixe jamais o bálsamo consolador de derramar-se profusamente sobre vós e sobre nós! De que expressões nos servirmos, que traduzam a felicidade dos irmãos desencarnados ao perscrutarem o amor que une a todos? Ah! irmãos, quanto bem por toda parte, que de sentimentos suaves, elevados e simples como vós, como a vossa Doutrina, sois chamados a implantar ao longo da estrada a percorrer, mas também quanto vos será outorgado antes mesmo de terdes adquirido direitos! Assisti a tudo quanto se passou esta noite; ouvi, compreendi e vou procurar a meu nuto cumprir o meu dever e instruir a classe dos Espíritos imperfeitos. Ouvi: eu estava longe de ser feliz; abismado na imensidade, no infinito, os meus padecimentos eram tanto mais intensos, quanto difícil me era o compreendê-los. Bendito seja Deus, que me permitiu vir a um santuário, que não pode ser franqueado impunemente pelos maus. Amigos, quanto vos agradeço, quanto de forças entre vós recobrei! Ó homens de bem, reuni-vos constantemente; estudai, uma vez que não podeis duvidar dos frutos das reuniões sérias; os Espíritos que têm muito ainda a aprender, os que ficam voluntariamente inativos, preguiçosos e esquecidos dos seus deveres, podem encontrar-se, em virtude de circunstâncias fortuitas ou não, aí entre vós; e então, fortemente tocados, quantas vezes lhes é dado, reconhecendo-se, entreverem o fim, o objetivo cobiçado, ao mesmo tempo que procurarem, fortes pelo exemplo que lhes dais, os meios de fugir ao penoso estado que os avassala. Com grande satisfação me constituo intérprete das almas sofredoras, porquanto é a homens de coração que me dirijo, na certeza de não ser repelido. Ainda uma vez aceitai, pois, homens generosos, a expressão do meu reconhecimento em particular, e em geral de todos a quem tanto bem tendes feito, talvez sem o saberdes.” Eric Stanislas

O guia do médium – Meus filhos, este é um Espírito que sofreu por muito tempo, transviado do bom caminho. Agora compreendeu os seus erros, arrependeu-se e volveu os olhos para o Deus que negara. A sua posição não é a de um feliz, porém ele aspira à felicidade e não mais sofre. Deus permitiu-lhe esta audição para que desça depois a uma esfera inferior, a fim de instruir e estimular o progresso de Espíritos que, como ele, transgrediram a lei. É a reparação que lhe compete. Afinal, ele conquistará a felicidade, porque tem força de vontade.

# 📄 06. Anna Belleville

Jovem mulher falecida aos 35 anos após cruel enfermidade. Vivaz, espirituosa, dotada de inteligência rara, de meticuloso critério e eminentes qualidades morais; esposa e mãe de família devotada, ela possuía, ademais, uma integridade de caráter pouco comum e uma fecundidade de recursos que a trazia sempre a coberto das mais críticas eventualidades da existência. Sem guardar ressentimento das pessoas de quem poderia queixar-se, estava sempre pronta a prestar-lhes oportuno serviço. Intimamente ligados à sua pessoa desde longos anos, pudemos acompanhar todas as fases da sua existência, bem como todas as peripécias do seu fim. Proveio de um acidente a moléstia que havia de levá-la, depois de a reter três anos de cama, presa dos mais cruéis sofrimentos, aliás suportados até o fim com uma coragem heroica, e a despeito dos quais a graça natural do seu Espírito jamais a abandonou. Ela acreditava firmemente na existência da alma e na vida futura, mas pouco se preocupava com isso; todos os seus pensamentos se relacionavam com o presente, que muito lhe importava, posto não tivesse medo da morte e fosse indiferente aos gozos materiais. A sua vida era simples e sem sacrifício abria mão do que não podia obter; mas possuía inato o sentimento do bem e do belo, que apreciava até nas coisas mínimas. Queria viver menos para si que para os filhos, avaliando a falta que lhes faria, e era isso que a prendia à vida. Conhecia o Espiritismo sem o ter estudado a fundo; interessava-se por ele, mas nunca pôde fixar as ideias sobre o futuro; este era para ela uma realidade, mas não lhe deixava no Espírito uma impressão profunda. O que praticava de bom era o resultado de um impulso natural, espontâneo, sem ideia de recompensas ou de penas futuras. De há muito era desesperador o seu estado e iminente o desenlace, circunstância que ela própria não ignorava. Um dia, achando-se ausente o marido, sentiu-se desfalecer e compreendeu que a hora era chegada; embaciando-se-lhe a vista, a perturbação a invadia, sentindo todas as angústias da separação. Custava-lhe, contudo, a morte antes da volta do esposo. Fazendo supremo esforço sobre si mesma, murmurou: “Não, não quero morrer!” Então sentiu renascer-lhe a vida e recobrou o uso pleno das suas faculdades. Quando o marido chegou, disse-lhe: “Eu ia morrer, mas quis aguardar a tua vinda, por isso que tinha algumas recomendações a fazer-te...” Assim se prolongou a luta entre a vida e a morte por três meses ainda, tempo que mais não foi que dolorosa agonia. Evocação no dia seguinte ao da morte: “Meus bons amigos, obrigada pelo interesse que vos mereço; ademais, fostes para mim como bons parentes. Pois bem, regozijai-vos porque sou feliz. Confortai meu pobre marido e velai por meus filhos. Eu segui logo para junto deles, depois que desencarnei.

  • Podemos supor que a vossa perturbação não foi longa, uma vez que nos respondeis com lucidez...

👻 ▸ Ah! meus amigos, eu sofri tanto... e vós bem sabeis que sofria com resignação. Pois bem! a minha provação está concluída. Não direi que esteja completamente libertada, não; mas o certo é que não sofro mais, e isso para mim é um grande alívio! Desta feita estou radicalmente curada, porém, preciso ainda do auxílio das vossas preces para vir mais tarde colaborar convosco.

  • Qual poderia ser a causa dos vossos longos sofrimentos?

👻 ▸ Um passado terrível, meu amigo.

  • Podeis revelar-nos esse passado?

👻 ▸ Oh! deixai que o esqueça um pouco... paguei-o tão caro... Um mês depois da morte:

  • Agora que deveis estar completamente desprendida e que melhor nos reconheceis, muito estimaríamos ter convosco uma palestra mais explícita. Podereis, por exemplo, dizer-nos qual a causa da vossa prolongada agonia? Estivestes durante três meses entre a vida e a morte...

👻 ▸ Obrigada, meus amigos, pela vossa lembrança como pelas vossas preces! Quão salutares me foram estas, e como concorreram para a minha libertação! Tenho ainda necessidade de ser confortada; continuai a orar por mim. Vós compreendeis o valor da prece. As que dizeis não são de modo algum fórmulas banais, como as murmuradas por tantos outros que lhes não medem o alcance, o fruto de uma boa prece. “Sofri muito, porém os meus sofrimentos foram largamente compensados, sendo-me permitido estar muitas vezes perto dos queridos filhos, que deixei com tanto pesar! “Prolonguei por mim mesma esses sofrimentos; o desejo ardente de viver, por amor dos filhos, fazia com que me agarrasse de alguma sorte à matéria, e, ao contrário dos outros, eu não queria abandonar o desgraçado corpo com o qual era forçoso romper, se bem que ele fosse para mim o instrumento de tantas torturas. “Eis aí a razão da minha longa agonia. Quanto à moléstia e aos padecimentos decorrentes, eram expiação do passado

— uma dívida a mais, que paguei. Ah! meus bons amigos, se eu vos tivesse ouvido, quanta mudança na minha vida atual! “Que alívio experimentaria nos últimos momentos, e quão fácil teria sido a separação, se em vez de a contrariar eu me tivesse abandonado confiadamente à vontade de Deus, à corrente que me arrastava! Mas, em lugar de volver os olhos ao futuro que me aguardava, eu apenas via o presente que ia deixar! “Quando houver de voltar à Terra, serei espírita, vo-lo afirmo. Que ciência sublime! Assisto constantemente às vossas reuniões e aos conselhos que vos são transmitidos. Se eu, quando na Terra, pudesse compreendê-los, os meus sofrimentos teriam sido atenuados. A ocasião não tinha chegado. “Hoje compreendo a bondade e a Justiça de Deus, conquanto me não encontre suficientemente adiantada para despreocupar-me das coisas da vida; meus filhos principalmente me atraem, não mais para animá-los, porém para velar por eles, inculcando-lhes o caminho que o Espiritismo traça neste momento. Sim, meus bons amigos, eu tenho ainda graves preocupações, entre as quais avulta aquela da qual depende o futuro dos meus filhos.”

  • Podeis ministrar-nos quaisquer informações sobre o passado que deplorais?

👻 ▸ Ah! meus bons amigos, estou pronta a confessar-me. Eu tinha desprezado o sofrimento alheio, vendo indiferente os sofrimentos da minha mãe, a quem chamava doente imaginária. Por não vê-la de cama, supunha que não sofresse e zombava dos seus queixumes. Eis como Deus castiga. Seis meses depois da morte:

  • Agora que um tempo assaz longo se passou desde que deixastes o invólucro material, tende a bondade de descrever-nos a vossa posição e ocupações no mundo espiritual.

👻 ▸ Na vida terrestre, eu era o que vulgarmente se chama uma boa pessoa; antes de tudo, porém, prezava o meu bem-estar; compassiva por índole, talvez não fosse capaz de penoso sacrifício para minorar um infortúnio. Hoje, tudo mudou, e posto seja sempre a mesma, o eu de outrora modificou-se. “Ganhei com a modificação e vejo que não há nem categorias nem condições além do mérito pessoal, no mundo dos invisíveis, onde um pobre caridoso e bom se sobreleva ao rico que humilhava com a sua esmola. Velo especialmente pelos que se afligem com tormentos familiares, com a perda de parentes ou de fortuna. A minha missão é reanimá-los e consolá-los, e com isso me sinto feliz.” Anna

Importante questão decorre dos fatos supramencionados. Ei-la: Poderá uma pessoa, por esforço da própria vontade, retardar o momento de separação da alma do corpo? Resposta do Espírito São Luís:

— Resolvida afirmativamente, sem restrições, esta questão poderia dar lugar a consequências falsas. “Certamente, em dadas condições, pode um Espírito encarnado prolongar a existência corporal a fim de terminar instruções indispensáveis, ou, ao menos, por ele como tais julgadas

— é uma concessão que se lhe pode fazer, como no caso vertente, além de muitos outros exemplos. Esta dilação de vida não pode, porém, deixar de ser breve, visto como é defeso ao homem inverter a ordem das leis naturais, bem como retornar de moto próprio à vida, desde que ela tenha atingido o seu termo. É uma sustação momentânea apenas. Preciso é, no entanto, que da possibilidade do fato não se conclua a sua generalidade, tampouco que dependa de cada qual prolongar por este modo a sua existência. Como provação para o Espírito ou no interesse de missão a concluir, os órgãos depauperados podem receber um suplemento de fluido vital que lhes permita prolongar de alguns instantes a manifestação material do pensamento. Estes casos são excepcionais e não fazem regra. Tampouco se deve ver nesse fato uma derrogação de Deus à imutabilidade das suas leis, mas apenas uma consequência do livre-arbítrio da alma que, no momento extremo, tem consciência de sua missão e quer, a despeito da morte, concluir o que não pôde até então. Às vezes pode ser também uma espécie de castigo infligido ao Espírito duvidoso do futuro, esse prolongamento de vitalidade com o qual tem necessariamente de sofrer.” São Luís

Poder-se-ia ainda admirar a rapidez relativa com que se desprendeu este Espírito, dado o seu apego à vida corporal; cumpre, porém, considerar que tal apego nada tinha de material nem sensual, antes possuindo mesmo a sua face moral, motivado como era pelas necessidades dos filhos ainda tenros. Enfim, era um Espírito adiantado em inteligência e moralidade. Por mais um grau, e poder-se-ia considerá-lo um dos Espíritos dos mais felizes. Não havia, portanto, nos laços perispiríticos a tenacidade resultante da identificação material; pode dizer-se que a vida, debilitada por longa enfermidade, apenas se prendia por tênues fios, que ele desejava impedir se rompessem. Contudo, a sua resistência foi punida com a dilação dos sofrimentos concernentes à própria moléstia, e não com a dificuldade do desprendimento. Assim, realizado este, eis por que a perturbação foi breve. Um outro fato igualmente importante decorre desta, como da maior parte das evocações feitas em épocas diversas, mais ou menos distantes da morte: é a transformação gradual das ideias do Espírito, cujo progresso se traduz, não por melhores sentimentos, mas por uma apreciação mais justa das coisas. O progresso da alma na vida espiritual é, portanto, um fato demonstrado pela experiência. A vida corporal é a prática desse progresso, a demonstração das suas resoluções, o cadinho em que ele se depura. Desde que a alma progrida depois da morte, a sua sorte não pode ser irrevogavelmente fixada, porquanto a fixação definitiva da sorte é, como já o dissemos, a negação do progresso. E não podendo coexistir simultaneamente as duas coisas, resta a que tem por si a sanção dos fatos e da razão.

# 📑 04. Espíritos sofredores

# 📄 01. O castigo

Exposição geral do estado dos culpados por ocasião da entrada no mundo dos Espíritos, ditada à Sociedade Espírita de Paris, em outubro de 1860.

“Depois da morte, os Espíritos endurecidos, egoístas e maus são logo presas de uma dúvida cruel a respeito do seu destino, no presente e no futuro. Olham em torno de si e nada veem que possa aproveitar ao exercício da sua maldade

— o que os desespera, visto como o insulamento e a inércia são intoleráveis aos maus Espíritos. Não elevam o olhar às moradas dos Espíritos elevados, consideram o que os cerca e, então, compreendendo o abatimento dos Espíritos fracos e punidos, se agarrarão a eles como a uma presa, utilizando-se da lembrança de suas faltas passadas, que eles põem continuamente em ação pelos seus gestos ridículos. Não lhes bastando esse motejo, atiram-se para a Terra quais abutres famintos, procurando entre os homens uma alma que lhes dê fácil acesso às tentações. Encontrando-a, dela se apoderam exaltando-lhe a cobiça e procurando extinguir-lhe a fé em Deus, até que por fim, senhores de uma consciência e vendo segura a presa, estendem a tudo quanto se lhe aproxime a fatalidade do seu contágio. O mau Espírito, no exercício da sua cólera, é quase feliz, sofrendo apenas nos momentos em que deixa de atuar, ou nos casos em que o bem triunfa do mal. Passam no entanto os séculos, e, de repente, o mau Espírito pressente que as trevas acabarão por envolvê-lo; o círculo de ação se lhe restringe e a consciência, muda até então, faz-lhe sentir os acerados espinhos do remorso. Inerte, arrastado no turbilhão, ele vagueia, como dizem as escrituras, sentindo a pele arrepiar-se-lhe de terror. Não tarda, então, que um grande vácuo se faça nele e em torno dele: chega o momento em que deve expiar; a reencarnação aí está ameaçadora... e ele vê como num espelho as provações terríveis que o aguardam; quereria recuar, mas avança e, precipitado no abismo da vida, rola em sobressalto, até que o véu da ignorância lhe recaia sobre os olhos. Vive, age, é ainda culpado, sentindo em si não sei que lembrança inquieta, pressentimentos que o fazem tremer, sem recuar, porém, da senda do mal. Por fim, extenuado de forças e de crimes, vai morrer. Estendido numa enxerga (ou num leito, que importa?!), o homem culpado sente, sob aparente imobilidade, revolver-se e viver dentro de si mesmo um mundo de esquecidas sensações. Fechadas as pupilas, ele vê um clarão que desponta, ouve estranhos sons; a alma, prestes a deixar o corpo, agita-se impaciente, enquanto as mãos crispadas tentam agarrar as cobertas... Quereria falar, gritar aos que o cercam:

— Retenham-me! eu vejo o castigo!

— Impossível! a morte sela-lhe os lábios esmaecidos, enquanto os assistentes dizem:

— Descansa em paz! E contudo ele ouve, flutuando em torno do corpo que não deseja abandonar. Uma força misteriosa o atrai; vê e reconhece finalmente o que já vira. Espavorido, ei-lo que se lança no Espaço onde desejaria ocultar-se, e nada de abrigo, nada de repouso. Retribuem-lhe outros Espíritos o mal que fez; castigado, confuso e escarnecido, por sua vez vagueia e vagueará até que a divina luz o penetre e esclareça, mostrando-lhe o Deus vingador, o Deus triunfante de todo o mal, e ao qual não poderá apaziguar senão à força de expiação e gemidos.” Georges

Nunca se traçou quadro mais terrível e verdadeiro à sorte do mau; será ainda necessária a fantasmagoria das chamas e das torturas físicas?

# 📄 02. Novel

(O Espírito dirige-se ao médium, que em vida o conhecera.)

“Vou contar-te o meu sofrimento quando morri. Meu Espírito, preso ao corpo por elos materiais, teve grande dificuldade em desembaraçar-se

— o que já foi, por si, uma rude angústia. A vida que eu deixava aos 21 anos era ainda tão vigorosa que eu não podia crer na sua perda. Por isso procurava o corpo, estava admirado, apavorado por me ver perdido num turbilhão de sombras. Por fim, a consciência do meu estado e a revelação das faltas cometidas em todas as minhas encarnações feriam-me subitamente, enquanto uma luz implacável me iluminava os mais secretos âmagos da alma, que se sentia desnudada e logo possuída de vergonha acabrunhante. Procurava fugir a essa influência interessando-me pelos objetos que me cercavam, novos, mas que, no entanto, já conhecia; os Espíritos luminosos, flutuando no éter, davam-me a ideia de uma ventura a que eu não podia aspirar; formas sombrias e desoladas, mergulhadas umas em tedioso desespero; furiosas ou irônicas outras, deslizavam em torno de mim ou por sobre a terra a que me chumbava. Eu via agitarem-se os humanos cuja ignorância invejava; toda uma ordem de sensações desconhecidas, ou antes reencontradas, invadiram-me simultaneamente. Como que arrastado por força irresistível, procurando fugir à dor encarniçada, franqueava as distâncias, os elementos, os obstáculos materiais, sem que as belezas naturais nem os esplendores celestes pudessem acalmar um instante a dor acerba da consciência, nem o pavor causado pela revelação da eternidade. Pode um mortal prejulgar as torturas materiais pelos arrepios da carne; mas as vossas frágeis dores, amenizadas pela esperança, atenuadas por distrações ou mortas pelo esquecimento, não vos darão nunca a ideia das angústias de uma alma que sofre sem tréguas, sem esperança, sem arrependimento. Decorrido um tempo cuja duração não posso precisar, invejando os eleitos cujos esplendores entrevia, detestando os maus Espíritos que me perseguiam com remoques, desprezando os humanos cujas torpezas eu via, passei de profundo abatimento a uma revolta insensata. Chamaste-me finalmente, e pela primeira vez um sentimento suave e terno me acalmou; escutei os ensinos que te dão os teus guias, a verdade impôs-se-me, orei; Deus ouviu-me, revelou-se-me por sua clemência, como já se me havia revelado por sua Justiça.” Novel

# 📄 03. Auguste Michel

(Havre, março de 1863.)

Era um moço rico, boêmio, gozando larga e exclusivamente a vida material. Conquanto inteligente, o indiferentismo pelas coisas sérias era-lhe o traço característico. Sem maldade, antes bom que mau, fazia-se estimar por seus companheiros de pândegas, sendo apontado na sociedade por suas qualidades de homem mundano. Não fez o bem, mas também não fez o mal. Faleceu em consequência de uma queda da carruagem em que passeava. Evocado alguns dias depois da morte por um médium que indiretamente o conhecia, deu sucessivamente as seguintes comunicações: 8 de março de 1863.

— “Por enquanto apenas consegui desprender-me e dificilmente vos posso falar. A queda que me ocasionou a morte do corpo perturbou profundamente o meu Espírito. Inquieta-me esta incerteza cruel do meu futuro. O doloroso sofrimento corporal experimentado nada é comparativamente a esta perturbação. Orai para que Deus me perdoe. Oh! que dor! oh! graças, meu Deus! que dor! Adeus.” 18 de março.

— “Já vim a vós, mas apenas pude falar dificilmente. Presentemente, ainda mal me posso comunicar convosco. Sois o único médium ao qual posso pedir preces para que a bondade de Deus me subtraia a esta perturbação. Por que sofrer ainda, quando o corpo não mais sofre? Por que existir sempre esta dor horrenda, esta angústia terrível? Orai, oh! orai para que Deus me conceda repouso... Oh! que cruel incerteza! Ainda estou ligado ao corpo. Apenas com dificuldade posso ver onde devo encontrar-me; meu corpo lá está, e por que também lá permaneço sempre? Vinde orar sobre ele para que eu me desembarace dessa prisão cruel... Deus me perdoará, espero. Vejo os Espíritos que estão junto de vós e por eles posso falar-vos. Orai por mim.” 6 de abril.

— “Sou eu quem vem pedir que oreis por mim. Será preciso irdes ao lugar em que jaz meu corpo, a fim de implorar do Onipotente que me acalme os sofrimentos? Sofro! oh! se sofro! Ide a esse lugar

— assim é preciso

— e dirigi ao Senhor uma prece para que me perdoe. Vejo que poderei ficar mais tranquilo, mas volto incessantemente ao lugar em que depositaram o que me pertencia.” O médium, não dando importância ao pedido que lhe faziam de orar sobre o túmulo, deixara de atender. Todavia, indo aí, mais tarde, lá mesmo recebeu uma comunicação. 11 de maio.

— “Aqui vos esperava. Aguardava que viésseis ao lugar em que meu Espírito parece preso ao seu invólucro, a fim de implorar ao Deus de misericórdia e bondade acalmar os meus sofrimentos. Podeis beneficiar-me com as vossas preces, não o esqueçais, eu vo-lo suplico. Vejo quanto a minha vida foi contrária ao que deveria ser; vejo as faltas cometidas. Fui no mundo um ser inútil; não fiz uso algum proveitoso das minhas faculdades; a fortuna serviu apenas à satisfação das minhas paixões, aos meus caprichos de luxo e à minha vaidade; não pensei senão nos gozos do corpo, desprezando os da alma e a própria alma. Descerá a misericórdia de Deus até mim, pobre Espírito que sofre as consequências das suas faltas terrenas? Orai para que Ele me perdoe, libertando-me das dores que ainda me pungem. Agradeço-vos o terdes vindo aqui orar por mim.” 8 de junho.

— “Posso falar e agradeço a Deus que mo faculta. Compreendi as minhas faltas e espero que Deus me perdoe. Trilhai sempre na vida de conformidade com a crença que vos alenta, porque ela vos reserva de futuro um repouso que eu ainda não tenho. Obrigado pelas vossas preces. Até logo.” 30 de julho.

— “Presentemente sou menos infeliz, visto não mais sentir a pesada cadeia que me jungia ao corpo. Estou livre, enfim, mas ainda não expiei, e preciso é que repare o tempo perdido se eu não quiser prolongar os sofrimentos. Espero que Deus, tendo em conta a sinceridade do arrependimento, me conceda a graça do seu perdão. Pedi ainda por mim, eu vo-lo suplico.” A insistência do Espírito para que se orasse sobre o seu túmulo é uma particularidade notável, mas que tinha sua razão de ser se levarmos em conta a tenacidade dos laços que ao corpo o prendiam, à dificuldade do desprendimento, em consequência da materialidade da sua existência. Compreende-se que, mais próxima, a prece pudesse exercer uma espécie de ação magnética mais poderosa no sentido de auxiliar o desprendimento. O costume quase geral de orar junto aos cadáveres não provirá da intuição inconsciente de um tal efeito? Nesse caso, a eficácia da prece alcançaria um resultado simultaneamente moral e material.

# 📄 04. Exprobrações de um boêmio

(Bordeaux, 19 de abril de 1862.)

Homens, meus irmãos, eu vivi só para mim e agora expio e sofro! Conceda-vos Deus a graça de evitardes os espinhos que ora me laceram. Prossegui na senda larga do Senhor e orai por mim, pois abusei dos favores que Deus empresta às suas criaturas! “Quem sacrifica aos instintos brutos a inteligência e os bons sentimentos que Deus lhe dá, assemelha-se ao animal que muitas vezes se maltrata. O homem deve utilizar-se sobriamente dos bens de que é depositário, habituando-se a visar a eternidade que o espera, abrindo mão, por consequência, dos gozos materiais. A sua alimentação deve ter por exclusivo fim a vitalidade; o luxo deve apenas restringir-se às necessidades da sua posição; os gostos, os pendores, mesmo os mais naturais, devem obedecer ao mais são raciocínio; sem o que, ele se materializa em vez de se purificar. As paixões humanas são estreitos grilhões que se enroscam na carne e, assim, não lhes deis abrigo. Vós não sabeis o seu preço, quando regressamos à pátria! As paixões humanas vos despem antes mesmo de vos deixarem, de modo a chegardes nus, completamente nus, ante o Senhor. Ah! cobri-vos de boas obras que vos ajudem a franquear o Espaço entre vós e a eternidade. Manto brilhante, elas escondem as vossas torpezas humanas. Envolvei-vos na caridade e no amor

— vestes divinas que duram eternamente.” Instruções do guia do médium.

— Este Espírito está num bom caminho, porquanto, além do arrependimento, aduz conselhos tendentes a evitar os perigos da senda por ele trilhada. Reconhecer os erros é já um mérito e um passo efetivo para o bem: também por isso, a sua situação, sem ser venturosa, deixa de ser a de um Espírito infeliz. Arrependendo-se, resta-lhe a reparação de uma outra existência. Mas, antes de lá chegar, sabeis qual a existência desses homens de vida sensual que não deram ao Espírito outra atividade além da invenção de novos prazeres? A influência da matéria segue-os além-túmulo, sem que a morte lhes ponha termo aos apetites que a sua vista, tão limitada como quando na Terra, procura em vão os meios de os saciar. Por não terem nunca procurado alimento espiritual, a alma erra no vácuo, sem norte, sem esperança, presa dessa ansiedade de quem não tem diante de si mais que um deserto sem limites. A inexistência das lucubrações espirituais acarreta naturalmente a nulidade do trabalho espiritual depois da morte; e porque não lhe restem meios de saciar o corpo, nada restará para satisfazer o Espírito. Daí, um tédio mortal cujo termo não preveem e ao qual prefeririam o nada. Mas o nada não existe... Puderam matar o corpo, mas não podem aniquilar o Espírito. Importa pois que vivam nessas torturas morais, até que, vencidos pelo cansaço, se decidam a volver os olhos para Deus.

# 📄 05. Lisbeth

(Bordeaux, 13 de fevereiro de 1862.)

Um Espírito sofredor inscreve-se com o nome de Lisbeth.

# #️⃣ 01

Quereis dar-nos algumas informações a respeito da vossa posição, assim como da causa dos vossos sofrimentos?

👻 ▸ Sede humilde de coração, submisso à vontade de Deus, paciente na provação, caridoso para com o pobre, consolador do fraco, sensível a todos os sofrimentos e não sofrereis as torturas que amargo.

# #️⃣ 02

Pareceis sentir as falhas decorrentes de contrário procedimento... O arrependimento deverá dar-vos alívio?

👻 ▸ Não. O arrependimento é inútil quando apenas produzido pelo sofrimento. O arrependimento profícuo tem por base a mágoa de haver ofendido a Deus, e importa no desejo ardente de uma reparação. Ainda não possuo tanto, infelizmente. Recomendai-me às preces de quantos se interessam pelos sofrimentos alheios, porque delas tenho necessidade. Este ensinamento é uma grande verdade; às vezes o sofrimento provoca um brado de arrependimento menos sincero, que não é a expressão de pesar pela prática do mal, visto como se o Espírito deixasse de sofrer, não duvidaria reencetá-la. Eis por que o arrependimento nem sempre acarreta a imediata libertação do Espírito. Predispõe-no, porém, para ela

— eis tudo. É-lhe preciso, além disso, provar a sinceridade e firmeza da resolução, por meio de novas provações reparadoras do mal praticado. Meditando-se cuidadosamente sobre todos os exemplos que citamos, encontrar-se-á nas palavras dos Espíritos

— mesmo dos mais inferiores

— profundos ensinamentos, pondo-nos a par dos mais íntimos pormenores da vida espiritual. O homem superficial pode não ver nesses exemplos mais que pitorescas narrativas, mas o homem sério e refletido encontrará neles abundante manancial de estudos.

# #️⃣ 03

Farei o que desejais. Podereis dar-me alguns pormenores da vossa última existência corporal? Daí talvez nos advenha um ensinamento útil e assim tornareis proveitoso o arrependimento. (O Espírito vacila na resposta, não só desta pergunta, como de algumas das que se seguem.)

👻 ▸ Tive um nascimento de elevada condição. Possuía tudo o que os homens julgam a fonte da felicidade. Rica, tornei-me egoísta; bela, fui vaidosa, insensível, hipócrita; nobre, era ambiciosa. Calquei ao meu poderio os que se me não rolavam aos pés e oprimia ainda mais os que sob eles se colocavam, esquecida de que também a cólera do Senhor esmaga, cedo ou tarde, as mais altivas frontes.

# #️⃣ 04

Em que época vivestes?

👻 ▸ Há 150 anos, na Prússia

# #️⃣ 05

Desde então não fizestes progresso algum como Espírito?

👻 ▸ Não; a matéria revoltava-se sempre, e tu não podes avaliar a influência que ela ainda exerce sobre mim, a despeito da separação do corpo. O orgulho agrilhoa-nos a brônzeas cadeias, cujos anéis mais e mais comprimem o mísero que lhe hipoteca o coração. O orgulho, hidra [^64] de cem cabeças a renovarem-se incessantes, modulando silvos empeçonhados que chegam a parecer celeste harmonia! O orgulho

— esse demônio multiforme que se amolda a todas as aberrações do Espírito, que se oculta em todos os refolhos do coração; que penetra as velas; que absorve e arrasta às trevas da eterna geena! Oh! sim... eterna! Provavelmente, o Espírito diz não ter feito progresso algum, por ser a sua situação sempre penosa; a maneira pela qual descreve o orgulho e lhe deplora as consequências é, incontestavelmente, um progresso. Certo, quando encarnado e mesmo logo após a morte, ele não poderia raciocinar assim. Compreende o mal, o que já é alguma coisa, e a coragem e o propósito de o evitar lhe advirão mais tarde.

# #️⃣ 06

Deus é muito bom para condenar seus filhos a penas eternas. Confiai na sua misericórdia.

👻 ▸ Dizem que isto pode ter um termo, mas onde e quando? Há muito que o procuro e só vejo sofrimento, sempre, sempre, sempre!

# #️⃣ 07

Como viestes hoje aqui?

👻 ▸ Conduzida por um Espírito que me acompanha muitas vezes.

  • Desde quando o vedes, a esse Espírito?

👻 ▸ Não há muito tempo.

  • E desde quando tendes consciência das faltas que cometestes?

👻 ▸ (Depois de longa reflexão.) Sim, tendes razão: foi daí para cá que principiei a vê-lo.

# #️⃣ 08

Compreendeis agora a relação existente entre o arrependimento e o auxílio prestado por vosso protetor? Tomai por origem desse apoio o amor de Deus, cujo fim será o seu perdão e misericórdia infinitos.

👻 ▸ Oh! como desejaria que assim fosse.

— Creio poder prometer-vo-lo no nome, aliás sacratíssimo, daquele que jamais foi surdo à voz dos filhos aflitos.

# #️⃣ 09

Pedi de coração e sereis ouvida.

👻 ▸ Não posso; tenho medo.

— Oremos juntos, Ele nos atenderá. (Depois da prece.) Ainda estais aí?

👻 ▸ Sim. Obrigada! Não me esqueçais.

# #️⃣ 10

Vinde inscrever-vos aqui todos os dias.

👻 ▸ Sim, sim, virei sempre. O guia do médium

— Nunca esqueçais os ensinos que bebeis nos sofrimentos dos vossos protegidos e notadamente nas suas causas, visto serem lição que a todos aproveita no sentido de se preservarem dos mesmos perigos e de idênticos castigos. Purificai os corações, sede humildes, amai-vos e ajudai-vos sem esquecerdes jamais a fonte de todas as graças, fonte inesgotável na qual podem todos saciar-se à vontade, fonte de água viva que desaltera e alimenta igualmente, fonte de vida e ventura eterna. Ide a ela, meus amigos, e bebei com fé. Mergulhai nela as vossas vasilhas, que sairão de suas ondas pejadas de bênçãos. Adverti vossos irmãos dos perigos em que podem incorrer. Difundi as bênçãos do Senhor, que se reproduzem incessantes; e quanto mais as propagardes, tanto mais se multiplicarão. Está em vossas mãos a tarefa, porquanto, dizendo aos vossos irmãos

— aí estão os perigos, lá os escolhos; vinde conosco a fim de os evitar; imitai-nos a nós que damos o exemplo

— assim difundireis as bênçãos do Senhor sobre os que vos ouvirem. Abençoados sejam os vossos esforços. O Senhor ama os corações puros: fazei por merecer-lhe o amor. Saint Paulin

# 📄 06. Príncipe Ouran

(Bordeaux, 1862.)

Um Espírito sofredor apresentou-se dando o nome de Ouran, príncipe russo de outros tempos.

  • Quereis dar-nos algumas minudências sobre a vossa situação?

👻 ▸ Oh! felizes os humildes de coração, porque deles é o reino do Céu! Orai por mim. Felizes os humildes de coração que escolhem uma posição modesta a fim de cumprirem a provação. Vós todos, a quem devora a inveja, não sabeis o estado a que ficou reduzido um desses que na Terra são considerados felizes; não avaliais o fogo que o abrasa nem os sacrifícios impostos pela riqueza quando por ela se quer obter a salvação! Permita-me o Senhor a mim, déspota orgulhoso, expiar os crimes derivados do meu orgulho entre aqueles mesmos a quem oprimi com a tirania! Orgulho! Repita-se constantemente a palavra para que se não esqueça nunca que ele é a fonte de todos os sofrimentos que nos acabrunham. Sim, eu abusei do poderio e favores de que dispunha; fui duro e cruel para com os inferiores, os quais tiveram de curvar-se a todos os meus caprichos, satisfazer a todas as minhas depravações. Quis a nobreza, a fortuna, as honras, e sucumbi sob peso superior às próprias forças. Os Espíritos que sucumbem são geralmente levados a alegar um compromisso superior às próprias forças

— o que é ainda um resto de orgulho e um meio de se desculparem para consigo mesmos, não se conformando com a própria fraqueza. Deus não dá a ninguém mais do que possa suportar, não exige da árvore nascente os frutos dados pelo tronco desenvolvido. Ademais, os Espíritos têm a liberdade; o que lhes falta é a vontade, e esta depende deles exclusivamente. Com força de vontade não há tendências viciosas insuperáveis; mas, quando um vício nos apraz, é natural que não façamos esforços por domá-lo. Assim, somente a nós devemos atribuir as respectivas consequências.

  • Tendes consciência das vossas faltas, e isso é já um passo para a regeneração.

👻 ▸ Esta consciência é ainda um sofrimento. Para muitos Espíritos o sofrimento é um efeito quase material, visto como, atidos à humanidade de sua última encarnação, não experimentam nem apreendem as sensações morais. Liberto da matéria, o sentimento moral aumentou-se, para mim, de tudo quanto as cruéis sensações físicas tinham de horrível.

  • Lobrigais um termo aos vossos padecimentos?

👻 ▸ Sei que não serão eternos, mas não lhes entrevejo o fim, sendo-me antes preciso recomeçar a provação.

  • E esperais fazê-lo em breve?

👻 ▸ Não sei ainda.

  • Lembrai-vos dos vossos antecedentes? Faço-vos esta pergunta no intuito de me instruir.

👻 ▸ Vossos guias aí estão, e sabem do que precisais. Vivi no tempo de Marco Aurélio. Poderoso então, sucumbi ao orgulho, causa de todas as quedas. Depois de uma erraticidade de séculos, quis experimentar uma existência obscura. “Pobre estudante, mendiguei o pão, mas o orgulho possuía-me sempre; o Espírito ganhara em ciência, mas não em virtude. Sábio ambicioso, vendi a consciência a quem mais dava, servindo a todas as vinganças, a todos os ódios. Sentia-me culpado, mas a sede de glórias e riquezas estrangulava a voz da consciência. A expiação ainda foi longa e cruel. Eu quis enfim, na minha última encarnação, reencetar uma vida de luxo e poderio, no intuito de dominar os tropeços, sem atender a conselhos. Era ainda o orgulho levando-me a confiar mais em mim mesmo do que no conselho dos protetores amigos que sempre velam por nós. “Sabeis o resultado desta última tentativa. Hoje, enfim, compreendo e aguardo a misericórdia do Senhor. Deponho a seus pés o meu arrasado orgulho e peço-lhe que me sobrecarregue com o mais pesado tributo de humildade, pois com o auxílio da sua graça o peso me parecerá leve. “Orai comigo e por mim: orai também para que esse fogo diabólico não devore os instintos que vos encaminham para Deus. Irmãos de sofrimentos, oxalá possa o meu exemplo aproveitar-vos e não esqueçais nunca que o orgulho é o inimigo da felicidade. É dele que promanam todos os males que acometem a humanidade e a perseguem até nas regiões celestes.” O guia do médium

— Concebestes dúvidas sobre a identidade deste Espírito, por vos parecer a sua linguagem em desacordo com o estado de sofrimento acusando inferioridade. Desvanecei tais dúvidas, porque recebestes uma comunicação séria. Por mais sofredor, este Espírito tem assaz culta inteligência para exprimir-se de tal maneira. O que lhe faltava era apenas a humildade, sem a qual nenhum Espírito pode chegar a Deus. Essa humildade conquistou-a agora, e nós esperamos que, com perseverança, ele sairá triunfante de uma nova provação. Nosso Pai celestial é justíssimo na sua sabedoria e leva em conta os esforços da criatura para dominar os maus instintos. Cada vitória sobre vós mesmos é um degrau franqueado nessa escada que tem uma extremidade na Terra e outra aos pés do Juiz supremo. Alçai-vos por esses degraus resolutamente, porque a subida é tanto mais suave quanto firme a vontade. Olhai sempre para cima a fim de vos encorajardes, porque ai daquele que para e se volta. Depressa o atinge a vertigem, espanta-se do vácuo que o cerca, desanima e diz:

— para que mais caminhar, se tão pouco o tenho feito e tanto me falta? Não, meus amigos, não vos volteis. O orgulho está incorporado no homem; pois bem! aproveita-o na força e na coragem de terminar a vossa ascensão. Empregai-o ainda em dominar as fraquezas e galgai o topo da montanha eterna.

# 📄 07. Pascal Lavic

(Havre, 9 de agosto de 1863.)

Este Espírito, sem que o médium o conhecesse em vida, mesmo de nome, comunicou-se espontaneamente. “Creio na bondade de Deus, que, na sua misericórdia, se compadecerá do meu Espírito. Tenho sofrido muito, muito; pereci no mar. Meu Espírito, ligado ao corpo, vagou por muito tempo sobre as ondas. Deus... (A comunicação foi interrompida, e no dia seguinte o Espírito prosseguiu.) ...houve por bem permitir que as preces dos que ficaram na Terra me tirassem do estado de perturbação e incerteza em que me achava imerso. Esperaram-me por muito tempo e puderam enfim achar meu corpo. Este repousa atualmente, ao passo que o Espírito, libertado com dificuldade, vê as faltas cometidas. Consumada a provação, Deus julga com justiça, a sua bondade estende-se aos arrependidos. “Por muito tempo, juntos erraram o corpo e o Espírito, sendo essa a minha expiação. Segui o caminho reto, se quiserdes que Deus facilite o desprendimento de vosso Espírito. Vivei no seu amor, orai, e a morte, para tantos temerosa, vos será suavizada pelo conhecimento da vida que vos espera. Sucumbi no mar, e por muito tempo me esperaram. Não poder desligar-me do corpo era para mim uma terrível provação, eis por que necessito das preces de quem, como vós, possui a crença salvadora e pode pedir por mim ao Deus de justiça. Arrependo-me e espero ser perdoado. A 6 de agosto foi meu corpo encontrado. Eu era um pobre marinheiro e há muito tempo que morri. Orai por mim.” Pascal Lavic

— Onde foi achado o vosso corpo?

👻 ▸ Não muito longe de vós. O Journal du Havre, de 11 de agosto de 1863, continha o seguinte artigo, do qual o médium não podia ter ciência: “Noticiamos que a 6 do corrente se encontrara um resto de cadáver encalhado entre Bléville e La Hève. A cabeça, os braços e o busto tinham desaparecido, mas, apesar disso, pôde verificar-se a sua identidade pelos sapatos ainda presos aos pés. Foi reconhecido o corpo do pescador Lavic, que fora arrebatado a 11 de dezembro de bordo do navio L’Alerte, por uma rajada de mar. Lavic tinha 49 anos e era natural da cidade de Calais. Foi a viúva quem lhe reconheceu a identidade.” A 12 de agosto, como se tratasse desse acontecimento no Centro em que o Espírito se manifestara pela primeira vez, deu este de novo, e espontaneamente, a seguinte comunicação: “Sou efetivamente Pascal Lavic, que tem necessidade das vossas preces. Podeis beneficiar-me, pois terrível foi a provação por mim experimentada. A separação do meu Espírito do corpo só se deu depois que reconheci as minhas faltas; e depois disso, ainda não totalmente destacado, acompanhava-o no oceano que o tragara. Orai, pois, para que Deus me perdoe e me conceda repouso. Orai, eu vo-lo suplico. Oxalá este desastrado fim de uma infeliz vida terrena vos sirva de grande ensinamento! Deveis ter sempre em vista a vida futura, não deixando jamais de implorar a Deus a sua divina misericórdia. Orai por mim; tenho necessidade que Deus de mim se compadeça.” Pascal Lavic

# 📄 08. Ferdinand Bertin

Um médium do Havre evocou o Espírito de pessoa dele conhecida, que respondeu:

— Quero comunicar-me, porém não posso vencer o obstáculo existente entre nós. Sou forçado a deixar que se aproximem estes infelizes sofredores. Seguiu-se então a seguinte comunicação espontânea: “Estou num medonho abismo! Auxiliai-me... Ó meu Deus! quem me tirará deste abismo? Quem socorrerá com mão piedosa o infeliz tragado pelas ondas? Por toda parte o marulho das vagas, e nem uma palavra amiga que me console e ajude neste momento supremo. Entretanto, esta noite profunda é bem a morte com seus horrores, quando eu não quero morrer! Ó meu Deus! não é a morte futura, é a passada! Estou para sempre separado dos que me são caros... Vejo o meu corpo, e o que há pouco sentia era apenas a lembrança da angustiosa separação... Tende piedade de mim, vós que conheceis o meu sofrimento; orai por mim, pois não quero mais sentir as lacerações da agonia, como tem acontecido desde a noite fatal! É essa, no entanto, a punição, bem a pressinto... Conjuro-vos a orar! Oh! o mar... o frio... vou ser tragado pelas ondas! Socorro! Tende piedade; não me repilais! Nós nos salvaremos os dois sobre esta tábua! Oh! afogo-me! As vagas vão tragar-me sem que aos meus reste o consolo de me tornarem a ver... Mas não! que vejo? meu corpo balouçado pelas ondas... As preces de minha mãe serão ouvidas... Pobre mãe! se ela pudesse supor seu filho tão miserável como realmente o é, decerto pediria mais; acredita, porém, que a morte santificou o passado e chora-me como mártir e não como infeliz castigado! Oh! vós que o sabeis, sereis implacáveis? Não, certo intercedereis por mim.” François Bertin 7

Desconhecido inteiramente esse nome, não sugeria sequer à memória do médium uma vaga lembrança, pelo que supôs fosse de algum desgraçado náufrago que se lhe viesse manifestar espontaneamente, como sucedia várias vezes. Mais tarde soube ser, efetivamente, o nome de uma das vítimas da grande catástrofe marítima ocorrida nessas paragens a 2 de dezembro de 1863. A comunicação foi dada a 8 do mesmo mês, 6 dias, portanto, depois do sinistro. O indivíduo perecera fazendo tentativas inauditas para salvar a equipagem e no momento em que se julgava ao abrigo da morte. Não tendo qualquer parentesco com o médium, nem mesmo conhecimento, por que se teria manifestado a este em vez de o fazer a qualquer membro da família? É que os Espíritos não encontram em todas as pessoas as condições fluídicas imprescindíveis à manifestação. Este, na perturbação em que estava, nem mesmo tinha a liberdade da escolha, sendo conduzido instintiva e atrativamente para este médium, dotado, ao que parece, de aptidão especial para as comunicações deste gênero. Também é de supor que pressentisse uma simpatia particular, como outros a encontraram em idênticas circunstâncias. A família, estranha ao Espiritismo, talvez infensa mesmo a esta crença, não teria acolhido a manifestação como esse médium. Posto que a morte remontasse a alguns dias, o Espírito lhe experimentava ainda todas as angústias. Evidente, portanto, que não tinha consciência da situação; acreditava-se vivo, lutando com as ondas, mas ao mesmo tempo se referindo ao corpo como se dele estivesse separado; grita por socorro, diz que não quer morrer e fala logo após da causa da sua morte, reconhecendo nela um castigo. Toda essa incoerência denota a confusão das ideias, fato comum em quase todas as mortes violentas. Dois meses mais tarde, a 2 de fevereiro de 1864, o Espírito de novo se comunicou espontaneamente pelo mesmo médium, dizendo-lhe o seguinte: “A piedade que tivestes dos meus tão horríveis sofrimentos aliviou-me. Compreendo a esperança, entrevejo o perdão, mas depois do castigo da falta cometida. Sofro continuamente, e, se por momentos permite Deus que eu entreveja o fim da minha desventura, devo-o às preces de caridosas almas apiedadas da minha situação. Ó esperança, raio celeste, quão bendita és quando te sinto despontar-me na alma! Mas, oh! o abismo escancara-se, o terror e o sofrimento absorvem o pensamento de misericórdia. A noite, sempre a noite! a água, o bramir das ondas que me tragaram, são apenas pálida imagem do horror em que se envolve o meu Espírito... Fico mais calmo quando posso permanecer junto de vós, pois assim como a confidência de um segredo ao peito amigo nos alivia, assim a vossa piedade, motivada pela confidência da minha penúria, acalma o sofrimento e dá repouso ao meu Espírito... “Fazem-me bem as vossas preces, não me as recuseis. Não quero reapossar-me desse hórrido sonho que se transforma em realidade quando o vejo... Tomai o lápis mais vezes. Muito me aliviará o comunicar convosco.” Dias depois, numa reunião espírita em Paris, dirigiram-se a este Espírito as seguintes perguntas, por ele englobadas numa única comunicação e mediante outro médium, na forma abaixo. Eis as perguntas: Quem vos levou a comunicar espontaneamente pelo outro médium? De que tempo datava a vossa morte quando vos manifestastes? Quando o fizestes parecíeis duvidar ainda do vosso estado, ao mesmo tempo que externáveis angústias de uma morte horrível: tendes agora melhor compreensão dessa situação? Dissestes positivamente que a vossa morte era uma expiação: podereis dizer-nos o motivo dessa afirmativa? Isso constituirá ensinamento para nós e ser-vos-á um alívio. Por uma confissão sincera fareis jus à misericórdia de Deus, a qual solicitaremos em nossas preces. Resposta.

— Em primeiro lugar parece impossível que uma criatura humana possa sofrer tão cruelmente. Deus! Como é penoso ver-se a gente constantemente envolta nas vagas em fúria, provando incessante este suplício, este frio glacial que sobe ao estômago e o constringe! “Mas de que serve entreter-vos com tais cenas? Não devo eu começar por obedecer às leis da gratidão, agradecendo a vós todos que vos interessastes pelos meus tormentos? Perguntastes se me manifestei muito tempo depois da morte? “Não posso responder facilmente. Refletindo, avaliareis em que situação horrível estou ainda. Penso que para junto do médium fui trazido por força estranha à minha vontade e

— coisa inexplicável

— servia-me do seu braço com a mesma facilidade com que me sirvo neste momento do vosso, persuadido de que ele me pertencesse. Agora experimento mesmo um grande prazer, como que um alívio particular, que... mas ah! ei-lo que vai cessar. Mas meu Deus! terei forças para fazer a confissão que me cumpre?” Depois de ser muito encorajado, o Espírito ajuntou:

— Eu era muito culpado, e o que mais me tortura é ser tido por mártir, quando em verdade o não fui... Na precedente existência eu mandara ensacar várias vítimas e atirá-las ao mar... Orai por mim! Comentário de São Luís sobre esta comunicação Esta confissão trará grande alívio ao Espírito, que efetivamente foi bem culpado! Honrosa, porém, foi a existência que vem de deixar: era amado e estimado de seus chefes. Essa circunstância era o fruto do seu arrependimento e das boas resoluções que tomou antes de voltar à Terra, onde, tanto quanto fora cruel, desejara ser humano. O devotamento que demonstrou era uma reparação, sendo-lhe porém preciso resgatar as passadas faltas por uma expiação final

— a da morte que teve. Ele mesmo quis purificar-se pelo sofrimento das torturas que a outros infligira, e reparai que uma ideia o persegue: o pesar de ser tido como mártir. Será tomada em consideração essa humildade. Enfim, ele deixou o caminho da expiação para entrar no da reabilitação, no qual por vossas preces podereis sustentá-lo, fazendo que o trilhe a passo mais firme e resoluto.

# 📄 09. François Riquier

Era um velho celibatário, avarento e muito popular, falecido em C., em 1857, legando aos parentes colaterais considerável fortuna. Em tempo fora locador de uma inquilina, que mais tarde o esquecera completamente, ignorando até se ainda, ou não, vivia. Em 1862, uma filha desta senhora, sujeita a crises de catalepsia seguidas de espontâneo sono magnético e também boa médium escrevente, viu, num desses sonos, o Sr. Riquier, o qual, assegurava, pretendia dirigir-se à sua mãe. Passados alguns dias, uma vez que se manifestara espontaneamente confirmando aquele intuito, entretiveram com ele a seguinte conversação:

  • Que pretendeis de nós?

👻 ▸ O dinheiro do qual se apossaram, os miseráveis, a fim de o repartirem! Venderam fazendas, casas, tudo para se locupletarem! Desbarataram meus bens como se não mais me pertencessem. Fazei que se me faça justiça, já que a mim me não ouvem, e não quero presenciar infâmias tais. Dizem que eu era usurário, e guardaram-me o cobre. Por que não mo querem restituir? Acharão que foi mal ganho?

  • Mas vós estais morto, meu caro senhor, e não tendes mais necessidade alguma de dinheiro. Implorai a Deus para vos conceder uma nova existência de pobreza, a fim de expiardes a usura desta última.

👻 ▸ Não, eu não poderei viver na pobreza. Preciso do meu dinheiro, sem o qual não posso viver. Ademais, não preciso de outra existência, porque vivo estou atualmente.

  • (Foi-lhe feita a seguinte pergunta no intuito de chamá-lo à realidade.) Sofreis?

👻 ▸ Oh! sim. Sofro piores torturas que as da mais cruel enfermidade, pois é minha alma quem as padece. Tendo sempre em mente a iniquidade de uma vida que foi para muitos motivo de escândalos, tenho a consciência de ser um miserável indigno de piedade, mas o meu sofrimento é tão grande que mister se faz me auxiliem a sair desta situação deplorável.

  • Oraremos por vós.

👻 ▸ Obrigado! Orai para que eu esqueça os meus bens terrenos, sem o que não poderei arrepender-me. Adeus e obrigado. François Riquier, Rue de la Charité, no 14.

É curioso ver-se este Espírito indicar a moradia como se estivesse vivo. A senhora deu-se pressa em verificá-la e ficou muito surpreendida por ver que era justamente a última casa que Riquier habitara. Eis como, após cinco anos, ainda ele não se considerava morto, antes experimentava a ansiedade, bem cruel para um usurário, de ver os bens partilhados pelos herdeiros. A evocação, provocada indubitavelmente por qualquer Espírito bom, teve por fim fazer-lhe compreender o seu estado e predispô-lo ao arrependimento.

# 📄 10. Claire

(Sociedade de Paris, 1861.)

O Espírito que forneceu os ditados seguintes pertenceu a uma senhora que o médium conhecera quando na Terra. A sua conduta, como o seu caráter, justificam plenamente os tormentos que lhe sobrevieram. Além do mais, ela era dominada por um sentimento exagerado de orgulho e egoísmo pessoais, sentimento que se patenteia na terceira das mensagens, quando pretende que o médium apenas se ocupe com ela. As comunicações foram obtidas em diferentes épocas, sendo que as três últimas já denotam sensível progresso nas disposições do Espírito, graças ao cuidado do médium, que empreendera a sua educação moral.

# #️⃣ 01

Eis-me aqui, eu, a desgraçada Claire. Que queres tu que te diga? A resignação, a esperança não passam de palavras, para os que sabem que, inumeráveis como as pedras da saraivada, os sofrimentos lhe perdurarão na sucessão interminável dos séculos. Posso suavizá-los, dizes tu... Que vaga palavra! Onde encontrar coragem e esperança para tanto? Procura, pois, inteligência obtusa, compreender o que seja um dia eterno. Um dia, um ano, um século... que sei eu? se as horas o não dividem, as estações não variam; eterno e lento como a água que do rochedo roreja, este dia execrando, maldito, pesa sobre mim como avalancha de chumbo... Eu sofro! Em torno de mim, apenas sombras silenciosas e indiferentes... Eu sofro! Contudo, sei que acima desta miséria reina o Deus Pai, para o qual tudo se encaminha. Quero pensar nele, quero implorar-lhe misericórdia. Debato-me e vivo de rojo como o estropiado que rasteja ao longo do caminho. Não sei que poder me atrai para ti; talvez sejas a salvação. Eu te deixo mais calma, mais reanimada, qual anciã enregelada que se aquecesse a um raio de sol. Gélida, minha alma se reanima à tua aproximação.

# #️⃣ 02

A minha desgraça aumenta dia a dia, proporcionalmente ao conhecimento da eternidade. Ó miséria! Malditas sejam as horas de egoísmo e inércia, nas quais, esquecida de toda a caridade, de todo o afeto, eu só pensava no meu bem-estar! Malditos interesses humanos, preocupações materiais que me cegaram e perderam! Agora o remorso do tempo perdido. Que te direi a ti, que me ouves? Olha, vela constantemente, ama os outros mais que a ti mesmo, não retardes a marcha nem engordes o corpo em detrimento da alma. Vela, conforme pregava o Salvador aos seus discípulos. Não me agradeças estes conselhos, porque se o meu Espírito os concebe, o coração nunca os ouviu. Qual o cão escorraçado, rastejando de medo, assim me humilho sem conhecer ainda o voluntário amor. Muito tarda a sua divina aurora a despontar! Ora por minha alma dessecada e tão miserável!

# #️⃣ 03

Por que me esqueces, até aqui venho procurar-te. Acreditas que preces isoladas e a simples pronúncia do meu nome bastarão ao apaziguamento das minhas penas? Não, cem vezes não. Eu urro de dor, errante, sem repouso, sem asilo, sem esperança, sentindo o aguilhão eterno do castigo a enterrar-se-me na alma revoltada. Quando ouço os vossos lamentos, rio-me, assim como quando vos vejo abatido. As vossas efêmeras misérias, as lágrimas, tormentos que o sono susta, que são? Durmo eu aqui? Quero (ouviste?) quero que, deixando as tuas lucubrações filosóficas, te ocupes de mim, além de fazeres com que outros mais também se ocupem. Não tenho expressões para definir esse tempo que se escoa, sem que as horas lhe assinalem períodos. Vejo apenas um tênue raio de esperança, foste tu que ma deste: não me abandones, pois.

# #️⃣ 04

(O Espírito São Luís.)

— Este quadro é de todo verdadeiro e em nada exagerado. Perguntar-se-á talvez o que fez essa mulher para ser assim tão miserável. Cometeu ela algum crime horrível? roubou? assassinou? Não; ela nada fez que afrontasse a justiça dos homens. Ao contrário, divertia-se com o que chamais felicidade terrena; beleza, fortuna, gozos, adulações, tudo lhe sorria, nada lhe faltava, a ponto de dizerem os que a viam:

— Que mulher feliz! E invejavam-lhe a sorte. Mas quereis saber? Foi egoísta; possuía tudo, exceto um bom coração. Não violou a lei dos homens, mas a de Deus, visto como esqueceu a primeira das virtudes

— a caridade. Não tendo amado senão a si mesma, agora não encontra ninguém que a ame e vê-se insulada, abandonada, ao desamparo no Espaço, onde ninguém pensa nela nem dela se ocupa. Eis o que constitui o seu tormento. Tendo apenas procurado os gozos mundanos que hoje não mais existem, o vácuo se lhe fez em torno, e como vê apenas o nada, este lhe parece eterno. Ela não sofre torturas físicas; não vêm atormentá-la os demônios, o que é aliás desnecessário, uma vez que se atormenta a si mesma, e isso lhe é mais doloroso, porquanto, se tal acontecesse, os demônios seriam seres a ocuparem-se dela. O egoísmo foi a sua alegria na Terra; pois bem, é ainda ele que a persegue

— verme a corroer-lhe o coração, seu verdadeiro demônio. São Luís

# #️⃣ 05

Falar-vos-ei da importante diferença existente entre a moral divina e a moral humana. A primeira assiste a mulher adúltera no seu abandono e diz aos pecadores: “Arrependei-vos, e aberto vos será o reino dos Céus.” Finalmente, a moral divina aceita todo arrependimento, todas as faltas confessadas, ao passo que a moral humana rejeita aquele e sorri aos pecados ocultos que, diz, são em parte perdoados. Cabe a uma a graça do perdão, e a outra a hipocrisia. Escolhei, Espíritos ávidos da verdade! Escolhei entre os Céus abertos ao arrependimento e a tolerância que admite o mal, repelindo os soluços do arrependimento francamente patenteado, só para não ferir o seu egoísmo e preconceitos. Arrependei-vos todos vós que pecais; renunciai ao mal e principalmente à hipocrisia

— véu que é de torpezas, máscara risonha de recíprocas conveniências.

# #️⃣ 06

“Estou mais calma e resignada à expiação das minhas faltas. O mal não está fora de mim, reside em mim, devendo ser eu a me transformar, e não as coisas exteriores. “Em nós e conosco trazemos o Céu e o inferno; as nossas faltas, gravadas na consciência, são lidas correntemente no dia da ressurreição. E uma vez que o estado da alma nos abate ou eleva, somos nós os juízes de nós mesmos. Explico-me: um Espírito impuro e sobrecarregado de culpas não pode conceber nem anelar uma elevação que lhe seria insuportável. Assim como as diferentes espécies de seres vivem, cada qual, na esfera que lhes é própria, assim os Espíritos, segundo o grau de adiantamento, movem-se no meio adequado às suas faculdades e não concebem outro senão quando o progresso (instrumento da lenta transformação das almas) lhes subtrai as baixas tendências, despojando-os da crisálida do pecado, a fim de que possam adejar antes de se lançarem, rápidos quais flechas, para o fim único e almejado

— Deus! Ah! rastejo ainda, mas não odeio mais, e concebo a indizível felicidade do amor divino. Orai, pois, sempre por mim, que espero e aguardo.” Na comunicação a seguir, Claire fala de seu marido, que muito a martirizara, e da posição em que ele se encontra no mundo espiritual. Esse quadro que ela por si não pôde completar, foi concluído pelo guia espiritual do médium.

# #️⃣ 07

Venho procurar-te, a ti, que por tanto tempo me deixas no esquecimento. Tenho, porém, adquirido paciência e não mais me desespero. Queres saber qual a situação do pobre Félix? Erra nas trevas entregue à profunda nudez de sua alma. Superficial e leviano, aviltado pelo sensualismo, nunca soube o que eram o amor e a amizade. Nem mesmo a paixão esclareceu suas sombrias luzes. Seu estado presente é comparável ao da criança inapta para as funções da vida e privada de todo o amparo. Félix vaga aterrorizado nesse mundo estranho onde tudo fulgura ao brilho desse Deus por ele negado.

# #️⃣ 08

O guia do médium

— Vou falar por Claire, visto que ela não pode continuar a análise dos sofrimentos do marido, sem compartilhá-los: “Félix

— superficial nas ideias como nos sentimentos; violento por fraqueza; devasso por frivolidade

— entrou no mundo espiritual tão nu quanto ao moral como quanto ao físico. Ao reencarnar nada adquiriu e, consequentemente, tem de recomeçar toda a obra.

— Qual homem ao despertar de prolongado sonho, reconhecendo a profunda agitação dos seus nervos, esse pobre ser, saindo da perturbação, reconhecerá que viveu de quimeras, que lhe desvirtuaram a existência. Então, maldirá do materialismo que lhe dera o vácuo pela realidade; apostrofará o positivismo que lhe fizera ter por desvarios as ideias sobre a vida futura, como por loucura a sua aspiração, como por fraqueza a crença em Deus. O desgraçado, ao despertar, verá que esses nomes por ele escarnecidos são a fórmula da verdade, e que, ao contrário da fábula, a caça da presa foi menos proveitosa que a da sombra.” Georges

Estudo sobre as comunicações de Claire

— Estas comunicações são instrutivas por nos mostrarem principalmente uma das feições mais comuns da vida

— a do egoísmo. Delas não resultam esses grandes crimes que atordoam mesmo os mais perversos, mas a condição de uma turba enorme que vive neste mundo, honrada e venerada, somente por ter um certo verniz e isentar-se do opróbrio da repressão das leis sociais. Essa gente não vai encontrar castigos excepcionais no mundo espiritual, mas uma situação simples, natural e consentânea com o estado de sua alma e maneira de viver. O insulamento, o abandono, o desamparo, eis a punição daquele que só viveu para si. Claire era, como vimos, um Espírito assaz inteligente, mas de árido coração. A posição social, a fortuna, os dotes físicos que na Terra possuíra, atraíam-lhe homenagens gratas à sua vaidade

— o que lhe bastava; hoje, onde se encontra, só vê indiferença e vacuidade em torno de si. Essa punição é não somente mais mortificante do que a dor que inspira piedade e compaixão: mas é também um meio de obrigá-la a despertar o interesse de outrem a seu respeito, pela sua morte. A sexta mensagem encerra uma ideia perfeitamente verdadeira concernente à obstinação de certos Espíritos na prática do mal. Admiramo-nos de ver como alguns deles são insensíveis à ideia e mesmo ao espetáculo da felicidade dos bons Espíritos. É exatamente a situação dos homens degradados que se deleitam na depravação como nas práticas grosseiramente sensuais. Esses homens estão, por assim dizer, no seu elemento; não concebem os prazeres delicados, preferindo farrapos andrajosos a vestes limpas e brilhantes, por se acharem naqueles mais à vontade. Daí a preterição de boas companhias por orgias báquicas e deboches. E de tal modo esses Espíritos se identificam com esse modo de vida, que ela chega a constituir-lhes uma segunda natureza, acreditando-se incapazes mesmo de se elevarem acima da sua esfera. E assim se conservam até que radical transformação do ser lhes reavive a inteligência, lhes desenvolva o senso moral e os torne acessíveis às mais sutis sensações. Esses Espíritos, quando desencarnados, não podem prontamente adquirir a delicadeza dos sentimentos, e, durante um tempo mais ou menos longo, ocuparão as camadas inferiores do mundo espiritual, tal como acontece na Terra; assim permanecerão, rebeldes ao progresso, mas, com o tempo, a experiência, as tribulações e misérias das sucessivas encarnações, chegará o momento de conceberem algo de melhor do que até então possuíam. Elevam-se-lhes por fim as aspirações, começam a compreender o que lhes falta e principiam os esforços da regeneração. Uma vez nesse caminho, a marcha desses espíritos é rápida, visto como experimentaram de uma satisfação que lhes parece bem superior, e perto da qual as outras não passam de grosseiras sensações que acabam por inspirar-lhes repugnância.

  • (A São Luís.) Que devemos entender por trevas em que se acham mergulhadas certas almas sofredoras? Serão as referidas tantas vezes na escritura?

👻 ▸ Sim, efetivamente, as designadas por Jesus e pelos profetas em referências ao castigo dos maus. Mas isso não passava de alegoria destinada a ferir os sentidos materializados dos seus contemporâneos, os quais jamais poderiam compreender a punição de maneira espiritual. Certos Espíritos estão imersos em trevas, mas deve-se depreender daí uma verdadeira noite da alma comparável à obscuridade intelectual do idiota. Não é uma loucura da alma, porém uma inconsciência daquele e do que o rodeia, a qual se produz quer na presença, quer na ausência da luz material. É, principalmente, a punição dos que duvidaram do seu destino. Pois que acreditaram no nada, as aparências desse nada os supliciam, até que a alma, caindo em si, quebra as malhas de enervamento que a prostrava e envolvia, tal qual o homem oprimido por penoso sonhar luta em dado momento, com todo o vigor das suas faculdades, contra os terrores que de começo o dominaram. Esta momentânea redução da alma a um nada fictício e consciente de sua existência é sentimento mais cruel do que se pode imaginar, em razão da aparência de repouso que a acomete: é esse repouso forçado, essa nulidade de ser, essa incerteza que lhe fazem o suplício. O aborrecimento que a invade é o mais terrível dos castigos, visto como coisa alguma percebe em torno –– nem coisas, nem seres. Todas essas coisas lhe são trevas, verdadeiras trevas. São Luís

(Claire): Eis-me aqui. Também eu posso responder à pergunta relativa às trevas, pois vaguei e sofri por muito tempo nesses limbos onde tudo é soluço e misérias. Sim, existem as trevas visíveis de que fala a escritura, e os desgraçados que deixam a vida, ignorantes ou culpados, depois das provações terrenas são impelidos a fria região, inconscientes de si mesmos e do seu destino. Acreditando na perenidade dessa situação, a sua linguagem é ainda a da vida que os seduziu, e admiram-se e espantam-se da profunda solidão: trevas são, pois, esses lugares povoados e ao mesmo tempo desertos, espaços em que erram pálidos Espíritos lastimosos, sem consolo, sem afeições, sem socorro de espécie alguma. A quem se dirigirem... se sentem a eternidade, esmagadora, sobre eles? Tremem e lamentam os interesses mesquinhos que lhes mediam as horas; deploram a ausência das noites que, muitas vezes, lhes traziam, num sonho feliz, o esquecimento dos pesares. As trevas para o Espírito são: a ignorância, o vácuo, o horror ao desconhecido... Não posso continuar... Claire

Ainda sobre este ponto obtivemos a seguinte explicação: “Por sua natureza, possui o Espírito uma propriedade luminosa que se desenvolve sob o influxo da atividade e das qualidades da alma. Poder-se-ia dizer que essas qualidades estão para o fluido perispiritual como o friccionamento para o fósforo. A intensidade da luz está na razão da pureza do Espírito; as menores imperfeições morais atenuam-na e enfraquecem-na. A luz irradiada por um Espírito será tanto mais viva, quanto maior o seu adiantamento. Assim sendo o Espírito, de alguma sorte, o seu próprio farol, verá proporcionalmente à intensidade da luz que produz, do que resulta que os Espíritos que não a produzem acham-se na obscuridade.” Esta teoria é perfeitamente exata quanto à irradiação de fluidos luminosos pelos Espíritos superiores e é confirmada pela observação, conquanto se não possa inferir seja aquela a verdadeira causa, ou, pelo menos, a única causa do fenômeno; primeiro, porque nem todos os Espíritos inferiores estão em trevas; segundo, porque um mesmo Espírito pode achar-se alternadamente na luz e na obscuridade; e terceiro, finalmente, porque a luz também é castigo para os Espíritos muito imperfeitos. Se a obscuridade em que jazem certos Espíritos fosse inerente à sua personalidade, essa obscuridade seria permanente e geral para todos os maus Espíritos, o que aliás não acontece. Às vezes os perversos mais requintados veem perfeitamente, ao passo que outros, que assim não podem ser qualificados, jazem, temporariamente, em trevas profundas. Assim, tudo indica que, independente da luz que lhes é própria, os Espíritos recebem uma luz exterior que lhes falta segundo as circunstâncias, donde força é concluir que a obscuridade depende de uma causa ou de uma vontade estranha, constituindo punição especial da soberana justiça, para casos determinados. Pergunta (a São Luís).

— Qual a causa de a educação moral dos desencarnados ser mais fácil que a dos encarnados? As relações pelo Espiritismo estabelecidas entre homens e Espíritos dão azo a que estes últimos se corrijam mais rapidamente sob a influência dos conselhos salutares, mais do que acontece em relação aos encarnados, como se vê na cura das obsessões. Resposta (Sociedade de Paris).

— O encarnado, em virtude da própria natureza, está numa luta incessante devido aos elementos contrários de que se compõe e que devem conduzi-lo ao seu fim providencial, reagindo um sobre o outro. A matéria facilmente sofre o predomínio de um fluido exterior; se a alma, com todo o poder moral de que é capaz, não reagir, deixar-se-á dominar pelo intermediário do seu corpo, seguindo o impulso das influências perversas que o rodeiam, e isso com facilidade tanto maior quanto os invisíveis, que a subjugavam, atacam de preferência os pontos mais vulneráveis, as tendências para a paixão dominante. Outro tanto se não dá com o desencarnado, que, posto sob a influência semimaterial, não se compara por seu estado ao encarnado. O respeito humano, tão preponderante no homem, não existe para aquele, e só este pensamento é bastante para compeli-lo a não resistir longamente às razões que o próprio interesse lhe aponta como boas. Ele pode lutar, e o faz mesmo geralmente com mais violência do que o encarnado, visto ser mais livre. Nenhuma cogitação de interesse material, de posição social se lhe antepõe ao raciocínio. Luta por amor do mal, porém cedo adquire a convicção da sua impotência, em face da superioridade moral que o domina; a perspectiva de melhor futuro lhe é mais acessível, por se reconhecer na mesma vida em que se deve completar esse futuro; e essa visão não se turva no turbilhão dos prazeres humanos. Em uma palavra, a independência da carne é que facilita a conversão, principalmente quando se tem adquirido um tal ou qual desenvolvimento pelas provações cumpridas. Um Espírito inteiramente primitivo seria pouco acessível ao raciocínio, o que aliás não se dá com o que já tem experiência da vida. Ademais, no encarnado como no desencarnado, é sobre a alma, é sobre o sentimento que se faz mister atuar. Toda ação material pode sustar momentaneamente os sofrimentos do homem vicioso, mas o que ela não pode é destruir o princípio mórbido residente na alma; todo e qualquer ato que não vise aperfeiçoar a alma, não poderá desviá-la do mal. São Luís

# 📑 05. Suicidas

# 📄 01. O suicida da Samaritana

A 7 de abril de 1858, pelas 7 horas da noite, um homem de cerca de 50 anos e decentemente trajado apresentou-se no estabelecimento da Samaritana, de Paris, e mandou que lhe preparassem um banho. Decorridas cerca de 2 horas, o criado de serviço, admirado pelo silêncio do freguês, resolveu entrar no seu gabinete, a fim de verificar o que ocorria. Deparou-se-lhe então um quadro horroroso: o infeliz degolara-se com uma navalha e todo o seu sangue misturava-se à água da banheira. E como a identidade do suicida não pôde ser averiguada, foi o cadáver removido para o necrotério.

# #️⃣ 01

Evocação. (Resposta do guia do médium.)

— Esperai, ele aí está.

# #️⃣ 02

Onde vos achais hoje?

👻 ▸ Não sei... dizei-mo.

# #️⃣ 03

Estais numa reunião de pessoas que estudam o Espiritismo e que são benévolas para convosco.

👻 ▸ Dizei-me se vivo, pois este ambiente me sufoca. Sua alma, posto que separada do corpo, está ainda completamente imersa no que poderia chamar-se o turbilhão da matéria corporal; vivazes lhe são as ideias terrenas, a ponto de se acreditar encarnado.

# #️⃣ 04

Quem vos impeliu a vir aqui?

👻 ▸ Sinto-me aliviado.

# #️⃣ 05

Qual o motivo que vos arrastou ao suicídio?

👻 ▸ Morto? Eu? Não... que habito o meu corpo... Não sabeis como sofro! Sufoco-me... Oxalá que mão compassiva me aniquilasse de vez!

# #️⃣ 06

Por que não deixastes indícios que pudessem tornar-vos reconhecível?

👻 ▸ Estou abandonado; fugi ao sofrimento para entregar-me à tortura.

# #️⃣ 07

Tendes ainda os mesmos motivos para ficar incógnito?

👻 ▸ Sim; não revolvais com ferro candente a ferida que sangra.

# #️⃣ 08

Podereis dar-nos o vosso nome, idade, profissão e domicílio?

👻 ▸ Absolutamente não.

# #️⃣ 09

Tínheis família, mulher, filhos?

👻 ▸ Era um desprezado, ninguém me amava.

# #️⃣ 10

E que fizestes para ser assim repudiado?

👻 ▸ Quantos o são como eu! Um homem pode viver abandonado no seio da família, quando ninguém o preza.

# #️⃣ 11

No momento de vos suicidardes não experimentastes qualquer hesitação?

👻 ▸ Ansiava pela morte... Esperava repousar

# #️⃣ 12

Como é que a ideia do futuro não vos fez renunciar a um tal projeto?

👻 ▸ Não acreditava nele, absolutamente. Era um desiludido. O futuro é a esperança.

# #️⃣ 13

Que reflexões vos ocorreram ao sentirdes a extinção da vida?

👻 ▸ Não refleti, senti... Mas a vida não se me extinguiu... minha alma está ligada ao corpo... Sinto os vermes a corroer-me.

# #️⃣ 14

Que sensação experimentastes no momento decisivo da morte?

👻 ▸ Pois ela se completou?

# #️⃣ 15

Foi doloroso o momento em que a vida se vos extinguiu?

👻 ▸ Menos doloroso que depois. Só o corpo sofreu.

# #️⃣ 16

(Ao Espírito São Luís.)

— Que quer dizer o Espírito afirmando que o momento da morte foi menos doloroso que depois?

👻 ▸ O Espírito descarregou o fardo que o oprimia; ele se ressentia da volúpia da dor.

# #️⃣ 17

Tal estado sobrevém sempre ao suicídio?

👻 ▸ Sim. O Espírito do suicida fica ligado ao corpo até o termo dessa vida. A morte natural é a libertação da vida: o suicídio a rompe por completo.

# #️⃣ 18

Dar-se-á o mesmo nas mortes acidentais, embora involuntárias, mas que abreviam a existência?

👻 ▸ Não. Que entendeis por suicídio? O Espírito só responde pelos seus atos.

Esta dúvida da morte é muito comum nas pessoas recentemente desencarnadas, e principalmente naquelas que, durante a vida, não elevam a alma acima da matéria. É um fenômeno que parece singular à primeira vista, mas que se explica naturalmente. Se a um indivíduo, pela primeira vez sonambulizado, perguntarmos se dorme, ele responderá quase sempre que não, e essa resposta é lógica: o interlocutor é que faz mal a pergunta, servindo-se de um termo impróprio. Na linguagem comum, a ideia do sono prende-se à suspensão de todas as faculdades sensitivas; ora, o sonâmbulo que pensa, que vê e sente, que tem consciência da sua liberdade, não se crê adormecido, e de fato não dorme, na acepção vulgar do vocábulo. Eis a razão por que responde não, até que se familiariza com essa maneira de apreender o fato. O mesmo acontece com o homem que acaba de desencarnar; para ele a morte era o aniquilamento do ser, e, tal como o sonâmbulo, ele vê, sente e fala, e assim não se considera morto, e isto afirmando até que adquira a intuição do seu novo estado. Essa ilusão é sempre mais ou menos dolorosa, uma vez que nunca é completa e dá ao Espírito uma tal ou qual ansiedade. No exemplo dado ela constitui verdadeiro suplício pela sensação dos vermes que corroem o corpo, sem falarmos da sua duração, que deverá equivaler ao tempo de vida abreviada. Este estado é comum nos suicidas, posto que nem sempre se apresente em idênticas condições, variando de duração e intensidade conforme as circunstâncias atenuantes ou agravantes da falta. A sensação dos vermes e da decomposição do corpo não é privativa dos suicidas: sobrevém igualmente aos que viveram mais da matéria que do espírito. Em tese, não há falta isenta de penalidades, mas também não há regra absoluta e uniforme nos meios de punição.

# 📄 02. O pai e o conscrito

No começo da guerra da Itália, em 1859, um negociante de Paris, pai de família, gozando de estima geral por parte dos seus vizinhos, tinha um filho que fora sorteado para o serviço militar. Impossibilitado de o eximir de tal serviço, ocorreu-lhe a ideia de suicidar-se a fim de o isentar do mesmo, como filho único de mulher viúva. Um ano mais tarde, foi evocado na Sociedade de Paris a pedido de pessoa que o conhecera, desejosa de certificar-se da sua sorte no mundo espiritual.

(A São Luís.)

— Podereis dizer-nos se é possível evocar o Espírito a que vimos de nos referir?

👻 ▸ Sim, e ele ganhará com isso, porque ficará mais aliviado.

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Oh! obrigado! Sofro muito, mas... é justo. Contudo, Ele me perdoará. O Espírito escreve com grande dificuldade; os caracteres são irregulares e malformados; depois da palavra mas, ele para, e, procurando em vão escrever, apenas consegue fazer alguns traços indecifráveis e pontos. É evidente que foi a palavra Deus que ele não conseguiu escrever.

# #️⃣ 02

Tende a bondade de preencher a lacuna com a palavra que deixastes de escrever.

👻 ▸ Sou indigno de escrevê-la.

# #️⃣ 03

Dissestes que sofreis; compreendeis que fizestes muito mal em vos suicidar; mas o motivo que vos acarretou esse ato não provocou qualquer indulgência?

👻 ▸ A punição será menos longa, mas nem por isso a ação deixa de ser má.

# #️⃣ 04

Podereis descrever-nos essa punição?

👻 ▸ Sofro duplamente, na alma e no corpo; e sofro neste último, conquanto o não possua, como sofre o operado a falta de um membro amputado.

# #️⃣ 05

A realização do vosso suicídio teve por causa unicamente a isenção do vosso filho, ou concorreram para ele outras razões?

👻 ▸ Fui completamente inspirado pelo amor paterno, porém, mal inspirado. Em atenção a isso, a minha pena será abreviada

# #️⃣ 06

Podeis precisar a duração dos vossos padecimentos?

👻 ▸ Não lhes entrevejo o termo, mas tenho certeza de que ele existe, o que é um alívio para mim.

# #️⃣ 07

Há pouco não vos foi possível escrever a palavra Deus, e no entanto temos visto Espíritos muito sofredores fazê-lo: será isso uma consequência da vossa punição?

👻 ▸ Poderei fazê-lo com grandes esforços de arrependimento.

# #️⃣ 08

Pois então fazei esses esforços para escrevê-lo, porque estamos certos de que sereis aliviado. (O Espírito acabou por traçar esta frase com caracteres grossos, irregulares e trêmulos: Deus é muito bom.)

# #️⃣ 09

Estamos satisfeitos pela boa vontade com que correspondestes à nossa evocação, e vamos pedir a Deus para que estenda sobre vós a sua misericórdia.

👻 ▸ Sim, obrigado.

# #️⃣ 10

(A São Luís.)

— Podereis ministrar-nos a vossa apreciação sobre esse suicídio?

👻 ▸ Este Espírito sofre justamente, pois lhe faltou a confiança em Deus, falta que é sempre punível. A punição seria maior e mais duradoura, se não houvera como atenuante o motivo louvável de evitar que o filho se expusesse à morte na guerra. Deus, que é justo e vê o fundo dos corações, não o pune senão de acordo com suas obras.

Observações

— À primeira vista, como ato de abnegação, este suicídio poder-se-ia considerar desculpável. Efetivamente assim é, mas não de modo absoluto. A esse homem faltou a confiança em Deus, como disse o Espírito São Luís. A sua ação talvez tenha impedido a realização dos destinos do filho; ademais, ele não tinha a certeza de que aquele sucumbiria na guerra e a carreira militar talvez lhe fornecesse ocasião de adiantar-se. A intenção era boa, e isso lhe atenua o mal provocado e merece indulgência; mas o mal é sempre o mal, e se o não fora, poder-se-ia, escudado no raciocínio, desculpar todos os crimes e até matar a pretexto de prestar serviços. A mãe que mata o filho, crente de o enviar ao Céu, seria menos culpada por tê-lo feito com boa intenção? Aí está um sistema que chegaria a justificar todos os crimes cometidos pelo cego fanatismo das guerras religiosas. Em regra, o homem não tem o direito de dispor da vida, por isso que esta lhe foi dada visando deveres a cumprir na Terra, razão bastante para que não a abrevie voluntariamente, sob pretexto algum. Mas ao homem

— visto que tem o seu livre-arbítrio

— ninguém impede a infração dessa lei. Sujeita-se, porém, às suas consequências. O suicídio mais severamente punido é o resultante do desespero que visa à redenção das misérias terrenas, misérias que são ao mesmo tempo expiações e provações. Furtar-se a elas é recuar ante a tarefa aceita e, às vezes, ante a missão que se devera cumprir. O suicídio não consiste somente no ato voluntário que produz a morte instantânea, mas em tudo quanto se faça conscientemente para apressar a extinção das forças vitais. Não se pode tachar de suicida aquele que dedicadamente se expõe à morte para salvar o seu semelhante: primeiro, porque no caso não há intenção de se privar da vida, e, segundo, porque não há perigo do qual a Providência nos não possa subtrair, quando a hora não seja chegada. A morte em tais contingências é sacrifício meritório, como ato de abnegação em proveito de outrem. (O evangelho segundo o espiritismo, cap. V, itens 5, 6, 18 e 19.)

# 📄 03. François-Simon Louvet

(Do Havre.)

A seguinte comunicação foi dada espontaneamente, em uma reunião espírita no Havre, a 12 de fevereiro de 1863: “Tereis piedade de um pobre miserável que passa de há muito por cruéis torturas?! Oh! o vácuo... o Espaço... despenho-me... caio... morro... Acudam-me! Deus, eu tive uma existência tão miserável... Pobre diabo, sofri fome muitas vezes na velhice; e foi por isso que me habituei a beber, a ter vergonha e desgosto de tudo. Quis morrer, e atirei-me... Ó meu Deus! Que momento! E para que tal desejo, quando o termo estava tão próximo? Orai, para que eu não veja incessantemente este vácuo debaixo de mim... Vou despedaçar-me de encontro a essas pedras! Eu vo-lo suplico, a vós que conheceis as misérias dos que não mais pertencem a esse mundo. Não me conheceis, mas eu sofro tanto... Para que mais provas? Sofro! Não será isso o bastante? Se eu tivera fome, em vez deste sofrimento mais terrível e aliás imperceptível para vós, não vacilaríeis em aliviar-me com uma migalha de pão. Pois eu vos peço que oreis por mim... Não posso permanecer por mais tempo neste estado... Perguntai a qualquer desses felizes que aqui estão, e sabereis quem fui. Orai por mim.” François-Simon Louvet

O guia do médium

— “Esse que acaba de se dirigir a vós foi um pobre infeliz que teve na Terra a prova da miséria; vencido pelo desgosto, faltou-lhe a coragem, e, em vez de olhar para o Céu como devia, entregou-se à embriaguez; desceu aos extremos últimos do desespero, pondo termo à sua triste provação: atirou-se da Torre Francisco I, no dia 22 de julho de 1857. Tende piedade de sua pobre alma, que não é adiantada, mas que lobriga da vida futura o bastante para sofrer e desejar uma reparação. Rogai a Deus lhe conceda essa graça, e com isso tereis feito obra meritória.” Buscando-se informes a respeito, encontrou-se no Journal du Havre, de 23 de julho de 1857, a seguinte notícia local: “Ontem, às 4 horas da tarde, os transeuntes do cais foram dolorosamente impressionados por um horrível acidente: um homem atirou-se da torre, vindo despedaçar-se sobre as pedras. Era um velho puxador de sirga, cujo pendor à embriaguez o arrastava ao suicídio. Chamava-se François-Victor-Simon Louvet. O corpo foi transportado para a casa de uma das suas filhas, à rua de la Corderie. Tinha 67 anos.” Seis anos fazia que esse homem morrera e ele se via ainda cair da torre, despedaçando-se nas pedras... Aterra-o o vácuo, horroriza-o a perspectiva da queda... e isso há 6 anos! Quanto tempo durará tal estado? Ele não o sabe, e essa incerteza lhe aumenta as angústias. Isso não equivale ao inferno com suas chamas? Quem revelou e inventou tais castigos? Pois são os próprios padecentes que os vêm descrever, como outros o fazem das suas alegrias. E fazem-no, muita vez, espontaneamente, sem que neles se pense

— o que exclui toda hipótese de sermos nós o joguete da própria imaginação.

# 📄 04. Mãe e filho

Em março de 1865, o Sr. C..., negociante em pequena cidade dos arredores de Paris, tinha em sua casa, gravemente enfermo, o mais velho dos seus filhos, que contava 21 anos. Este moço, prevendo o desenlace, chamou sua mãe e teve forças ainda para abraçá-la. Esta, vertendo copiosas lágrimas, disse-lhe: “Vai, meu filho, precede-me, que não tardarei a seguir-te.” Dito isto, retirou-se, escondendo o rosto entre as mãos. As pessoas presentes a essa cena desoladora consideravam simples explosão de dor as palavras da Sra. C., dor que o tempo acalmaria. Morto o doente, procuraram-na por toda a casa e foram encontrá-la enforcada num celeiro. O enterro da suicida foi juntamente feito com o do filho. Evocação deste, muitos dias depois do fato.

  • Sabeis do suicídio de vossa mãe em consequência do desespero que lhe causou a vossa perda?

👻 ▸ Sim, e, sem o pesar causado por essa fatal resolução da parte dela, julgar-me-ia completamente feliz. Pobre, excelente mãe! Não pôde suportar a prova dessa separação momentânea, e tomou, para se unir ao filho, o caminho que dele mais deveria afastá-la. E por quanto tempo! Assim, retardou indefinidamente uma reunião que tão pronta teria sido se sua alma se conformasse submissa às vontades do Senhor; se fosse resignada, humilde, arrependida diante da provação que se lhe impunha, da expiação que deveria purificá-la! Orai, oh! orai por ela! e sobretudo não a imiteis, vós outras, mães que vos comoveis com a narrativa da sua morte! Não acrediteis que ela amasse mais que as outras mães, a esse filho que era o seu orgulho, não; é que lhe faltaram a coragem e a resignação. Mães, que me ouvis, quando a agonia empanar o olhar dos vossos filhos, lembrai-vos de que, como o Cristo, eles sobem ao cimo do Calvário, donde deverão alçar-se à glória eterna. Benjamin C

Evocação da mãe.

👻 ▸ Quero ver meu filho. Tendes o poder de dar-mo? Cruéis! Tomaram-mo para levá-lo à luz, e a mim me deixaram em trevas. Quero-o... quero-o porque me pertence! Nada vale então o amor materno? Pois quê! tê-lo carregado no ventre por nove meses; tê-lo amamentado; nutrido a carne da sua carne, sangue do seu sangue; guiado os seus primeiros passos; ensinado a balbuciar o sagrado nome de Deus e o doce nome de mãe; ter feito dele um homem cheio de atividade, de inteligência, de probidade, de amor filial, para perdê-lo quando realizava as esperanças concebidas a seu respeito, quando brilhante futuro se lhe antolhava! Não, Deus não é justo; não é o Deus das mães, não lhes compreende as dores e desesperos... E quando me dava à morte para me não separar de meu filho, eis que novamente mo roubam! Meu filho! meu filho, onde estás? Evocador.

— Pobre mãe, compartilhamos da vossa dor. Buscastes, no entanto, um triste recurso para vos reunirdes ao vosso filho: O suicídio é um crime aos olhos de Deus, e deveis saber que Deus pune toda infração das suas leis. A ausência do vosso filho é a vossa punição. Ela.

— Não; eu julgava Deus melhor que os homens; não acreditava no seu inferno, porém cria na reunião das almas que se amaram como nós nos amávamos... Enganei-me... Deus não é justo nem bom, por isso que não compreende a grandeza da minha dor como do meu amor! Oh! quem me dará meu filho? Tê-lo-ei perdido para sempre? Piedade! piedade, meu Deus! Evocador.

— Vamos, acalmai o vosso desespero; considerai que, se há um meio de rever vosso filho, não é blasfemando de Deus, como ora o fazeis. Com isso, em vez de atrairdes a sua misericórdia, fazeis jus a maior severidade. Ela.

— Disseram-me que não mais o tornaria a ver, e compreendi que o haviam levado ao paraíso. E eu estarei, acaso, no inferno? no inferno das mães? Ele existe, demais o vejo... Evocador.

— Vosso filho não está perdido para sempre; certo tornareis a vê-lo, mas é preciso merecê-lo pela submissão à vontade de Deus, ao passo que a revolta poderá retardar indefinidamente esse momento. Ouvi-me: Deus é infinitamente bom, mas é também infinitamente justo. Assim, ninguém é punido sem causa, e se sobre a Terra Ele vos infligiu grandes dores, é porque as merecestes. A morte de vosso filho era uma prova à vossa resignação; infelizmente a ela sucumbistes quando em vida, e eis que após a morte de novo sucumbis; como pretendeis que Deus recompense os filhos rebeldes? A sentença não é, porém, inexorável, e o arrependimento do culpado é sempre acolhido. Se tivésseis aceito a provação com humildade; se houvésseis esperado com paciência o momento da vossa desencarnação, ao entrardes no mundo espiritual, em que vos achais, teríeis imediatamente avistado vosso filho, o qual vos receberia de braços abertos. Depois da ausência, vê-lo-íeis radiante. Mas o que fizestes e ainda agora fazeis, coloca entre vós e ele uma barreira. Não o julgueis perdido nas profundezas do Espaço, antes mais perto do que supondes

— é que véu impenetrável o subtrai à vossa vista. “Ele vos vê e ama sempre, deplorando a triste condição em que caístes pela falta de confiança em Deus e aguardando ansioso o momento feliz de se vos apresentar. De vós, somente, depende abreviar ou retardar esse momento. Orai a Deus e dizei comigo: “Meu Deus, perdoai-me o ter duvidado da vossa justiça e bondade; se me punistes, reconheço tê-lo merecido. Dignai-vos aceitar meu arrependimento e submissão à vossa santa vontade.” Ela.

— Que luz de esperança acabais de fazer despontar em minha alma! É um como relâmpago na noite que me cerca. Obrigada, vou orar... Adeus. A morte, mesmo pelo suicídio, não produziu neste Espírito a ilusão de se julgar ainda vivo. Ele apresenta-se consciente do seu estado: é que para outros o castigo consiste naquela ilusão, pelos laços que os prendem ao corpo. Esta mulher quis deixar a Terra para seguir o filho na outra vida; era, pois, necessário que soubesse aí estar realmente, a fim de sofrer a punição da sua ausência. O castigo consiste, portanto, precisamente na certeza da desencarnação, no conhecimento exato da sua situação. Assim é que cada falta é punida de acordo com as circunstâncias que a determinam, e que não há punições uniformes para as faltas do mesmo gênero.

# 📄 05. Duplo suicídio, por amor e por dever

É de um jornal de 13 de junho de 1862 a seguinte narrativa: “A jovem Palmyre, modista, residindo com seus pais, era dotada de aparência encantadora e de caráter afável. Por isso, era, também, muito requestada a sua mão. Entre todos os pretendentes ela escolheu o Sr. B., que lhe retribuía essa preferência com a mais viva das paixões. Não obstante essa afeição, por deferência aos pais, Palmyre consentiu em desposar o Sr. D., cuja posição social se afigurava mais vantajosa àqueles do que a do seu rival. Os Srs. B. e D. eram amigos íntimos, e posto não houvesse entre eles quaisquer relações de interesse, jamais deixaram de se avistar. O amor recíproco de B. e Palmyre, que passou a ser a Sra. D., de modo algum se atenuara, e como se esforçassem ambos por contê-lo, aumentava-se ele de intensidade na razão direta daquele esforço. Visando extingui-lo, B. tomou o partido de se casar, e desposou, de fato, uma jovem possuidora de eminentes predicados, fazendo o possível por amá-la. Cedo, contudo, percebeu que esse meio heroico lhe fora inútil à cura. Decorreram quatro anos sem que B. ou a senhora D. faltassem aos seus deveres. O que padeceram, só eles o sabem, pois D., que estimava deveras o seu amigo, atraía-o sempre ao seu lar, insistindo para que nele ficasse quando tentava retirar-se. Aproximados um dia por circunstâncias fortuitas e independentes da própria vontade, os dois amantes deram-se ciência do mal que os torturava e acharam que a morte era, no caso, o único remédio que se lhes deparava. Assentaram que se suicidariam juntamente no dia seguinte, em que o Sr. D. estaria ausente de casa mais prolongadamente. Feitos os últimos aprestos, escreveram longa e tocante missiva, explicando a causa da sua resolução: para não prevaricarem. Essa carta terminava pedindo que lhes perdoassem e, mais, para serem enterrados na mesma sepultura. De regresso a casa, o Sr. D. encontrou-os asfixiados. Respeitou-lhes os últimos desejos, e, assim, não consentiu fossem os corpos separados no cemitério.” Sendo esta ocorrência submetida à Sociedade de Paris, como assunto de estudo, um Espírito respondeu: “Os dois amantes suicidas não vos podem responder ainda. Vejo-os imersos na perturbação e aterrorizados pela perspectiva da eternidade. As consequências morais da falta cometida lhes pesarão por migrações sucessivas, durante as quais suas almas separadas se buscarão incessantemente, sujeitas ao duplo suplício de se pressentirem e desejarem em vão. Completa a expiação, ficarão reunidos para sempre, no seio do amor eterno. Dentro de oito dias, na próxima sessão, podereis evocá-los. Eles aqui virão sem se avistarem, porque profundas trevas os separarão por muito tempo.”

# #️⃣ 01

Evocação da suicida.

— Vedes o vosso amante, com o qual vos suicidastes?

👻 ▸ Nada vejo, nem mesmo os Espíritos que comigo erram neste mundo. Que noite! Que noite! E que véu espesso me circunda a fronte!

# #️⃣ 02

Que sensação experimentastes ao despertar no outro mundo?

👻 ▸ Singular! Tinha frio e escaldava. Tinha gelo nas veias e fogo na fronte! Coisa estranha, conjunto inaudito! Fogo e gelo pareciam consumir-me! E eu julgava que ia sucumbir uma segunda vez!

# #️⃣ 03

Experimentais qualquer dor física?

👻 ▸ Todo o meu sofrimento reside aqui, aqui...

— Que quereis dizer por aqui, aqui?

👻 ▸ Aqui, no meu cérebro; aqui, no meu coração... É provável que, visível, o Espírito levasse a mão à cabeça e ao coração.

# #️⃣ 04

Acreditais na perenidade dessa situação?

👻 ▸ Oh! sempre! sempre! Ouço às vezes risos infernais, vozes horrendas que bradam: sempre assim!

# #️⃣ 05

Pois bem, podemos com segurança dizer-vos que nem sempre assim será. Pelo arrependimento obtereis o perdão.

👻 ▸ Que dizeis? Não ouço.

# #️⃣ 06

Repetimos que os vossos sofrimentos terão um termo, que os podereis abreviar pelo arrependimento, sendo-nos possível auxiliar-vos com a prece.

👻 ▸ Não ouvi além de sons confusos, mais que uma palavra. Essa palavra é: graça! Seria efetivamente graça o que pronunciastes? Falastes em graça, mas sem dúvida o fizestes à alma que por aqui passou junto de mim, pobre criança que chora e espera. Uma senhora, presente à reunião, declarou que fizera fervorosa prece pela infeliz, o que sem dúvida a comoveu, e que de fato, mentalmente, havia implorado em seu favor a graça de Deus.

# #️⃣ 07

Dissestes estar em trevas e nada ouvir?

👻 ▸ É-me permitido ouvir algumas das vossas palavras, mas o que vejo é apenas um crepe negro, no qual de vez em quando se desenha um semblante que chora.

# #️⃣ 08

Mas uma vez que ele aqui está por não o avistardes, nem sequer vos apercebeis da presença do vosso amante?

👻 ▸ Ah! não me faleis dele. Devo esquecê-lo presentemente para que do crepe se extinga a imagem retratada.

# #️⃣ 09

Que imagem é essa?

👻 ▸ A de um homem que sofre, e cuja existência moral sobre a Terra aniquilei por muito tempo. Da leitura dessa narrativa logo se depreende haver neste suicídio circunstâncias atenuantes, encarado como ato heroico provocado pelo cumprimento do dever. Mas reconhece-se, também, que, contrariamente ao julgado, longa e terrível deve ser a pena dos culpados por se terem voluntariamente refugiado na morte para evitar a luta. A intenção de não faltar aos deveres era, efetivamente, honrosa, e lhes será contada mais tarde, mas o verdadeiro mérito consistiria na resistência, tendo eles procedido como o desertor que se esquiva no momento do perigo. A pena consistirá, como se vê, em se procurarem debalde e por muito tempo, quer no mundo espiritual, quer noutras encarnações terrestres; pena que ora é agravada pela perspectiva da sua eterna duração. Essa perspectiva, aliada ao castigo, faz que lhes seja defeso ouvirem palavras de esperança que porventura lhes dirijam. Aos que acharem esta pena longa e terrível, tanto mais quanto não deverá cessar senão depois de várias encarnações, diremos que tal duração não é absoluta, mas dependente da maneira pela qual suportarem as futuras provações. Além do que, eles podem ser auxiliados pela prece. E serão assim, como todos, os árbitros do seu destino. Não será isso, ainda assim, preferível à eterna condenação, sem esperança, a que ficam irrevogavelmente submetidos segundo a doutrina da Igreja, que os considera votados ao inferno e para sempre, a ponto de lhes recusar, com certeza por inúteis, as últimas preces?

# 📄 06. Luís e a pespontadeira de botinas

Havia sete para oito meses que Luís G., oficial sapateiro, namorava uma jovem, Victorine R., com a qual em breve deveria casar-se, já tendo mesmo corrido os proclamas do casamento. Neste pé as coisas, consideravam-se quase definitivamente ligados e, como medida econômica, diariamente vinha o sapateiro almoçar e jantar em casa da noiva. Um dia, ao jantar, sobreveio uma controvérsia a propósito de qualquer futilidade, e, obstinando-se os dois nas opiniões, foram as coisas ao ponto de Luís abandonar a mesa, protestando não mais voltar. Apesar disso, no dia seguinte veio pedir perdão. A noite é boa conselheira, como se sabe, mas a moça, prejulgando talvez pela cena da véspera o que poderia acontecer quando não mais a tempo de remediar o mal, recusou-se à reconciliação. Nem protestos, nem lágrimas, nem desesperos puderam demovê-la. Muitos dias ainda se passaram, esperando Luís que a sua amada fosse mais razoável, até que resolveu fazer uma última tentativa: Chegando à casa da moça, bateu de modo a ser reconhecido, mas a porta permaneceu fechada, recusaram abrir-lha. Novas súplicas do repelido, novos protestos, não ecoaram no coração da sua pretendida. “Adeus, pois, cruel!”

— exclamou o pobre moço

— “adeus para sempre. Trata de procurar um marido que te estime tanto como eu.” Ao mesmo tempo a moça ouvia um gemido abafado e logo após o baque como que de um corpo escorregando pela porta. Pelo silêncio que se seguiu, a moça julgou que Luís se assentara à soleira da porta, e protestou a si mesma não sair porquanto ele ali se conservasse. Decorrido um quarto de hora é que um locatário, passando pela calçada e levando luz, soltou um grito de espanto e pediu socorro. Depressa acorre a vizinhança, e Victorine, abrindo então a porta, deu um grito de horror, reconhecendo estendido sobre o lajedo, pálido, inanimado, o seu noivo. Cada qual se apressou em socorrê-lo, mas para logo se percebeu que tudo seria inútil, visto como ele deixara de existir. O desgraçado moço enterrara uma faca na região do coração, e o ferro ficara-lhe cravado na ferida.

(Sociedade Espírita de Paris, agosto de 1858.)

# #️⃣ 01

(Ao Espírito São Luís.)

— A moça, causadora involuntária do suicídio, tem responsabilidade?

👻 ▸ Sim, porque o não amava.

# #️⃣ 02

Então para prevenir a desgraça deveria desposá-lo a despeito da repugnância que lhe causava?

👻 ▸ Ela procurava uma ocasião de descartar-se, e assim fez em começo da ligação o que viria a fazer mais tarde.

# #️⃣ 03

Neste caso, a sua responsabilidade decorre de haver alimentado sentimentos dos quais não participava e que deram em resultado o suicídio do moço?

👻 ▸ Sim, exatamente.

# #️⃣ 04

Mas então essa responsabilidade deve ser proporcional à falta, e não tão grande como se consciente e voluntariamente houvesse provocado o suicídio...

👻 ▸ É evidente.

# #️⃣ 05

E o suicídio de Luís tem desculpa pelo desvario que lhe acarretou a obstinação de Victorine?

👻 ▸ Sim, pois o suicídio oriundo do amor é menos criminoso aos olhos de Deus, do que o suicídio de quem procura libertar-se da vida por motivos de covardia.

Ao Espírito Luís G., evocado mais tarde, foram feitas as seguintes perguntas:

# #️⃣ 01

Que julgais da ação que praticastes?

👻 ▸ Victorine era uma ingrata, e eu fiz mal em suicidar-me por sua causa, pois ela não o merecia.

# #️⃣ 02

Então não vos amava?

👻 ▸ Não. A princípio iludia-se, mas a desavença que tivemos abriu-lhe os olhos, e ela até se deu por feliz achando um pretexto para se desembaraçar de mim.

# #️⃣ 03

E o vosso amor por ela era sincero?

👻 ▸ Paixão somente, creia; pois se o amor fosse puro, eu me teria poupado de lhe causar um desgosto.

# #️⃣ 04

E se acaso ela adivinhasse a vossa intenção persistiria na sua recusa?

👻 ▸ Não sei, penso mesmo que não, porque ela não é má. Mas, ainda assim, não seria feliz, e melhor foi para ela que as coisas se passassem de tal forma.

# #️⃣ 05

Batendo-lhe à porta, tínheis já a ideia de vos matar, caso se desse a recusa?

👻 ▸ Não, em tal não pensava, porque também não contava com a sua obstinação. Foi somente à vista desta que perdi a razão.

# #️⃣ 06

Parece que não deplorais o suicídio senão pelo fato de Victorine o não merecer... É realmente o vosso único pesar?

👻 ▸ Neste momento, sim; estou ainda perturbado, afigura-se-me estar ainda à porta, conquanto também experimente outra sensação que não posso definir.

# #️⃣ 07

Chegareis a compreendê-la mais tarde?

👻 ▸ Sim, quando estiver livre desta perturbação. Fiz mal, deveria resignar-me... Fui fraco e sofro as consequências da minha fraqueza. A paixão cega o homem a ponto de praticar loucuras, e infelizmente ele só o compreende bastante tarde.

# #️⃣ 08

Dizeis que tendes um desgosto... qual é?

👻 ▸ Fiz mal em abreviar a vida. Não deveria fazê-lo. Era preferível tudo suportar a morrer antes do tempo. Sou portanto infeliz; sofro, e é sempre ela que me faz sofrer, a ingrata. Parece-me estar sempre à sua porta, mas... não falemos nem pensemos mais nisso, que me incomoda muito. Adeus. Por isso se vê ainda uma nova confirmação da justiça que preside à distribuição das penas, conforme o grau de responsabilidade dos culpados. É à moça, neste caso, que cabe a maior responsabilidade, por haver entretido em Luís, por brincadeira, um amor que não sentia. Quanto ao moço, este já é de sobejo punido pelo sofrimento que lhe perdura, mas a sua pena é leve, porquanto apenas cedeu a um movimento irrefletido em momento de exaltação, que não à fria premeditação dos suicidas que buscam subtrair-se às provações da vida.

# 📄 07. Um ateu

O Sr. J.-B. D. era um homem instruído, mas em extremo saturado de ideias materialistas, não acreditando em Deus nem na existência da alma. A pedido de um parente, foi evocado dois anos depois de desencarnado, na Sociedade Espírita de Paris.

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Sofro. Sou um réprobo.

# #️⃣ 02

Fomos levados a evocar-vos em nome de parentes que, como tais, desejam conhecer da vossa sorte. Podereis dizer-nos se esta nossa evocação vos é penosa ou agradável?

👻 ▸ Penosa.

# #️⃣ 03

A vossa morte foi voluntária?

👻 ▸ Sim. O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grossa, irregular, convulsa e quase ininteligível. Ao terminar a escrita encoleriza-se, quebra o lápis e rasga o papel.

# #️⃣ 04

Tende calma, que nós todos pediremos a Deus por vós.

👻 ▸ Sou forçado a crer nesse Deus.

# #️⃣ 05

Que motivo poderia ter-vos levado ao suicídio?

👻 ▸ O tédio de uma vida sem esperança. Concebe-se o suicídio quando a vida é sem esperança; procura-se então fugir-lhe a qualquer preço. Com o Espiritismo, ao contrário, a esperança se fortalece porque o futuro se nos desdobra. O suicídio deixa de ser objetivo, uma vez reconhecido que apenas se isenta a gente do mal para arrostar com um mal cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo tem sequestrado muita gente a uma morte voluntária. Grandemente culpados são os que se esforçam por acreditar, com sofismas científicos e a pretexto de uma falsa razão, nessa ideia desesperadora, fonte de tantos crimes e males, de que tudo acaba com a vida. Esses serão responsáveis não só pelos próprios erros, como igualmente por todos os males a que os mesmos derem causa.

# #️⃣ 06

Quisestes escapar às vicissitudes da vida... Adiantastes alguma coisa? Sois agora mais feliz?

👻 ▸ Por que não existe o nada?

# #️⃣ 07

Tende a bondade de nos descrever do melhor modo possível a vossa atual situação.

👻 ▸ Sofro pelo constrangimento em que estou de crer em tudo quanto negava. Meu Espírito está como num braseiro, horrivelmente atormentado.

# #️⃣ 08

Donde provinham as vossas ideias materialistas de outrora?

👻 ▸ Em anterior encarnação eu fora mau e por isso condenei-me na seguinte aos tormentos da incerteza, e assim foi que me suicidei. Aqui há todo um corolário de ideias. Muitas vezes nos perguntamos como pode haver materialistas quando, tendo eles passado pelo mundo espiritual, deveriam ter do mesmo a intuição; ora, é precisamente essa intuição que é recusada a alguns Espíritos que, conservando o orgulho, não se arrependeram das suas faltas. Para esses tais, a prova consiste na aquisição, durante a vida corporal e à custa do próprio raciocínio, da prova da existência de Deus e da vida futura que têm, por assim dizer, incessantemente sob os olhos. Muitas vezes, porém, a presunção de nada admitir, acima de si, os empolga e absorve. Assim, sofrem eles a pena até que, domado o orgulho, se rendem à evidência.

# #️⃣ 09

Quando vos afogastes, que ideias tínheis das consequências? Que reflexões fizestes nesse momento?

👻 ▸ Nenhuma, pois tudo era o nada para mim. Depois é que vi que, tendo cumprido toda a sentença, teria de sofrer mais ainda.

# #️⃣ 10

Estais bem convencido agora da existência de Deus, da alma e da vida futura?

👻 ▸ Ah! Tudo isso muito me atormenta!

# #️⃣ 11

Tornastes a ver vosso irmão?

👻 ▸ Oh! não.

# #️⃣ 12

E por que não?

👻 ▸ Para que confundir os nossos desesperos? Exila-se a gente na desgraça e na ventura se reúne, eis o que é.

# #️⃣ 13

Incomodar-vos-ia a presença de vosso irmão, que poderíamos atrair aí para junto de vós?

👻 ▸ Não o façais, que o não mereço.

# #️⃣ 14

Por que vos opondes?

👻 ▸ Porque ele também não é feliz.

# #️⃣ 15

Receais a sua presença, e no entanto ela só poderia ser benéfica para vós.

👻 ▸ Não; mais tarde...

# #️⃣ 16

Tendes algum recado para os vossos parentes?

👻 ▸ Que orem por mim.

# #️⃣ 17

Parece que na roda das vossas relações há quem partilhe das vossas opiniões. Quereis que lhes digamos algo a respeito?

👻 ▸ Oh! os desgraçados! Assim possam eles crer em outra existência, eis quanto lhes posso desejar. Se eles pudessem avaliar a minha triste posição, muito refletiriam.

(Evocação de um irmão do precedente, que professava as mesmas teorias, mas que não se suicidou. Posto que também infeliz, este se apresenta mais calmo; a sua escrita é clara e legível.)

# #️⃣ 18

Evocação.

👻 ▸ Possa o quadro dos nossos sofrimentos ser útil lição, persuadindo-vos da realidade de uma outra existência, na qual se expiam as faltas oriundas da incredulidade.

# #️⃣ 19

Vós, e vosso irmão que acabamos de evocar, vos vedes reciprocamente?

👻 ▸ Não; ele me foge. Poder-se-ia perguntar como é que os Espíritos se podem evitar no mundo espiritual, uma vez que aí não existem obstáculos materiais nem refúgios impenetráveis à vista. Tudo é, porém, relativo nesse mundo e conforme a natureza fluídica dos seres que o habitam. Só os Espíritos superiores têm percepções indefinidas, que nos inferiores são limitadas. Para estes, os obstáculos fluídicos equivalem a obstáculos materiais. Os Espíritos furtam-se às vistas dos semelhantes por efeito volitivo, que atua sobre o envoltório perispiritual e fluidos ambientes. A Providência, porém, qual mãe, por todos os seus filhos vela, e por intermédio dos mesmos, individualmente, lhes concede ou nega essa faculdade, conforme as suas disposições morais, o que constitui, conforme as circunstâncias, um castigo ou uma recompensa.

# #️⃣ 20

Estais mais calmo do que vosso irmão. Podereis dar-nos uma descrição mais precisa dos vossos sofrimentos?

👻 ▸ Não sofreis aí na Terra no vosso orgulho, no vosso amor-próprio, quando obrigados a reconhecer os vossos erros? “O vosso Espírito não se revolta com a ideia de vos humilhardes a quem vos demonstre o vosso erro? Pois bem! Julgai quanto deve sofrer o Espírito que durante toda a sua vida se persuadiu de que nada existia além dele, e que sobre a de todos prevalecia sempre a sua razão. Encontrando-se de súbito em face da verdade imponente, esse Espírito sente-se aniquilado, humilhado. A isso vem ainda juntar-se o remorso de haver por tanto tempo esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. A situação é insuportável; não há calma nem repouso; não se encontra um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça divina, isto é, o amor de Deus, nos toca, pois o orgulho de tal modo se apossa de nós, que de todo nos embota, a ponto de ser preciso ainda muito tempo para que nos despojemos completamente dessa roupagem fatal. Só a prece dos nossos irmãos pode ajudar-nos nesses transes.”

# #️⃣ 21

Quereis falar dos irmãos encarnados, ou dos Espíritos?

👻 ▸ De uns como de outros.

# #️⃣ 22

Enquanto nos entretínhamos com o vosso irmão, uma das pessoas aqui presentes orava por ele, essa prece lhe foi proveitosa?

👻 ▸ Ela não se perderá. Se ele agora recusa a graça, outro tanto não fará quando estiver em condições de recorrer a essa divina panaceia. Aqui lobrigamos um outro gênero de castigo, mas que não é o mesmo em todos os céticos. Para este Espírito, é independente do sofrimento a necessidade de reconhecer verdades que repudiara quando encarnado. As suas ideias atuais revelam certo grau de adiantamento, comparativamente às de outros Espíritos persistentes na negação de Deus. Confessar o próprio erro é já alguma coisa, porque é premissa de humildade. Na subsequente encarnação é mais que provável que a incredulidade ceda lugar ao sentimento inato da fé. Transmitindo a resultante destas duas evocações à pessoa que no-la havia solicitado, tivemos dela a seguinte resposta:

— Não podeis imaginar, meu caro senhor, o grande benefício advindo da evocação de meu sogro e de meu tio. Reconhecemo-los perfeitamente. A letra do primeiro, sobretudo, é de uma analogia notável com a que ele tinha em vida, tanto mais quanto, durante os últimos meses que conosco passou, essa letra era sofreada e indecifrável. Aí se verificam a mesma forma de pernas, da rubrica e de certas letras. Quanto ao vocabulário e ao estilo, a semelhança é ainda mais frisante; para nós, a analogia é completa, apenas com maior conhecimento de Deus, da alma e da eternidade que ele tão formalmente negava outrora. Não nos restam dúvidas, portanto, sobre a sua identidade. Deus será glorificado pela maior firmeza das nossas crenças no Espiritismo, e os nossos irmãos encarnados e desencarnados se tornarão melhores. A identidade de seu irmão também não é menos evidente; na mudança de ateu em crente, reconhecemos-lhe o caráter, o estilo, o contorno da frase. Uma palavra, sobre todas, nos despertou atenção

— panaceia

— sua frase predileta, a todo instante repetida. “Mostrei essas duas comunicações a várias pessoas, que não menos se admiraram da sua veracidade, mas os incrédulos, com as mesmas opiniões dos meus parentes, esses desejariam respostas ainda mais categóricas. “Queriam, por exemplo, que o Sr. D... se referisse ao lugar em que foi enterrado, onde se afogou, como foi encontrado etc. A fim de os convencer, não vos seria possível fazer nova evocação perguntando onde e como se suicidou, quanto tempo esteve submergido, em que lugar acharam o cadáver, onde foi inumado, de que modo, se civil ou religiosamente, foi sepultado? Dignai-vos, caro senhor, insistir pela resposta categórica a essas perguntas, pois são essenciais para os que ainda duvidam. Estou convencido de que darão, nesse caso, imensos resultados. “Dou-me pressa a fim de esta vos ser entregue na sexta-feira de manhã, de modo a poder fazer-se a evocação na sessão da Sociedade desse mesmo dia... etc.” Reproduzimos esta carta pelo fato da confirmação da identidade e aqui lhe anexamos a nossa resposta para ensino das pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo: “...As perguntas que nos pediram para novamente endereçar ao Espírito de vosso sogro, são, incontestavelmente, ditadas por intenção louvável, qual a de convencer incrédulos, visto como em vós não mais existe qualquer sentimento de dúvida ou curiosidade. Contudo, um conhecimento mais aprofundado da ciência espírita vos faria julgar supérfluas essas perguntas. Em primeiro lugar, solicitando-me conseguir resposta categórica, mostrais ignorar a circunstância de não podermos governar os Espíritos a nosso talante. Ficai sabendo que eles nos respondem quando e como querem, e também como podem. A liberdade da sua ação é maior ainda do que quando encarnados, possuindo meios mais eficazes de se furtarem ao constrangimento moral que por acaso sobre eles queiramos exercer. As melhores provas de identidade são as que fornecem espontaneamente, por si mesmos, ou então as oriundas das próprias circunstâncias. Estas, é quase sempre inútil provocá-las. Segundo afirmais, o vosso parente provou a sua identidade de modo inconcusso; por conseguinte, é mais que provável a sua recusa em responder a perguntas que podem por ele ser com razão consideradas supérfluas, visando satisfazer à curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. A resposta bem poderia ser a que outros têm dado em casos semelhantes, isto é: para que perguntar coisas que já sabeis? “A isto acrescentarei que a perturbação e sofrimentos que o assoberbam devem agravar-se com as investigações desse gênero, que correspondem perfeitamente a querer constranger um doente, que mal pode pensar e falar, a historiar as minúcias da sua vida, faltando-se assim às considerações inspiradas pelo seu próprio estado. “Quanto ao objetivo por vós alegado, ficai certo de que tudo seria negativo. As provas de identidade fornecidas são bem mais valiosas, por isso que foram espontâneas, e não de antemão premeditadas. Ora, se estas não puderam contentar os incrédulos, muito menos o fariam interrogativas já preestabelecidas, de cuja conivência poderiam suspeitar. “Há pessoas a quem coisa alguma pode convencer. Esses poderiam ver o vosso parente, com os próprios olhos, e continuariam a supor-se vítimas de uma alucinação. “Duas palavras ainda, quanto ao pedido que me fizestes de promover essa evocação no mesmo dia do recebimento de vossa carta. As evocações não se fazem assim de momento; os Espíritos nem sempre correspondem ao nosso apelo; é preciso que queiram, e não só isso, mas que também possam fazê-lo. É preciso, ainda, que encontrem um médium que lhes convenha, com as aptidões especiais necessárias e que esse médium esteja disponível em dado momento. É preciso, enfim, que o meio lhes seja simpático etc. Pela concorrência dessas circunstâncias nem sempre se pode responder, e importa muito conhecê-las quando se quer praticar com seriedade e segurança.”

# 📄 09. Félicien

Era um homem rico, instruído, poeta de espírito, possuidor de caráter são, obsequioso e ameno, de perfeita honradez. Falsas especulações comprometeram-lhe a fortuna, e, não lhe sendo possível repará-la em razão da idade avançada, cedeu ao desânimo, enforcando-se em dezembro de 1864, no seu quarto de dormir. Não era materialista nem ateu, mas um homem de gênio um tanto superficial, ligando pouca importância ao problema da vida de além-túmulo. Conhecendo-o intimamente, evocamo-lo, quatro meses após o suicídio, inspirados pela simpatia que lhe dedicávamos.

Evocação.

👻 ▸ Choro a Terra na qual tive decepções, porém menores do que as experimentadas aqui. Eu, que sonhava maravilhas, estou abaixo da realidade do meu ideal. O mundo dos Espíritos é bastante promíscuo, e para torná-lo suportável fora mister uma boa triagem. Não torno a ele. Que esboço de costumes espíritas se poderia fazer aqui! O próprio Balzac,66 estando no seu elemento, não faria tal esboço, senão de modo rústico. Não o lobriguei, porém... Onde estarão esses grandes Espíritos que tão energicamente profligaram os vícios da humanidade! Deviam eles, como eu, habitar por aqui antes de se alçarem a regiões mais elevadas. Apraz-me observar este curioso pandemônio, e assim fico por aqui. Apesar de o Espírito nos declarar que se acha numa sociedade assaz promíscua e, por conseguinte, de Espíritos inferiores, surpreendeu-nos a sua linguagem, dado o gênero de morte, ao qual, aliás, não faz qualquer referência. A não ser isso, tudo mais refletiu seu caráter. Tal circunstância deixava-nos em dúvida sobre a identidade.

  • Tende a bondade de nos dizer como morrestes...

👻 ▸ Como morri? Pela morte por mim escolhida, a que mais me agradou, sendo para notar que meditei muito tempo nessa escolha com o intuito de me desembaraçar da vida. Apesar disso, confesso que não ganhei grande coisa: libertei-me dos cuidados materiais, porém, para encontrá-los mais graves e penosos na condição de Espírito, da qual nem sequer prevejo o termo.

  • (Ao guia do médium.) O Espírito em comunicação será efetivamente o de Félicien? Esta linguagem, quase despreocupada, torna-se suspeita se tratando de um suicida...

👻 ▸ Sim. Entretanto, por um sentimento justificável na sua posição, ele não queria revelar ao médium o seu gênero de morte. Foi por isso que dissimulou a frase, acabando no entanto por confessá-lo diante da pergunta direta que lhe fizestes, e não sem angústias. O suicídio fá-lo sofrer muito, e por isso desvia, o mais possível, tudo o que lhe recorde o seu fim funesto.

  • (Ao Espírito.) A vossa desencarnação tanto mais nos comoveu, quanto lhe prevíamos as tristes consequências, além da estima e intimidade das nossas relações. Pessoalmente, não me esqueci do quanto éreis obsequioso e bom para comigo. Seria feliz se pudesse testemunhar-vos a minha gratidão, fazendo algo de útil para vós.

👻 ▸ Entretanto, eu não podia furtar-me de outro modo aos embaraços da minha posição material. Agora, só tenho necessidade de preces; orai, principalmente, para que me veja livre desses hórridos companheiros que aqui estão junto de mim, obsidiando-me com gritos, sorrisos e infernais motejos. Eles chamam-me covarde, e com razão, porque é covardia renunciar à vida. É a quarta vez que sucumbo a essa provação, não obstante a formal promessa de não falir... Fatalidade!... Ah! Orai... Que suplício o meu! Quanto sou desgraçado! Orando, fazeis por mim mais que por vós pude fazer quando na Terra; mas a prova, ante a qual fracassei tantas vezes, aí está retraçada, indelével, diante de mim! É preciso tentá-la novamente, em dado tempo... Terei forças? Ah! recomeçar a vida tantas vezes; lutar por tanto tempo para sucumbir aos acontecimentos, é desesperador, mesmo aqui! Eis por que tenho carência de força. Dizem que podemos obtê-la pela prece... Orai por mim, que eu quero orar também. Este caso particular de suicídio, posto que realizado em circunstâncias vulgares, apresenta uma feição especial. Ele mostra-nos um Espírito que sucumbiu muitas vezes à provação, que se renova a cada existência e que renovará até que ele tenha forças para resistir. Assim se confirma o fato de não haver proveito no sofrimento, sempre que deixamos de atingir o fim da encarnação, sendo preciso recomeçá-la até que saiamos vitoriosos da campanha. (Ao Espírito do Sr. Félicien.)

— Ouvi, eu vo-lo peço, ouvi e meditai sobre as minhas palavras. O que denominais fatalidade é apenas a vossa fraqueza, pois se a fatalidade existisse o homem deixaria de ser responsável pelos seus atos. O homem é sempre livre, e nessa liberdade está o seu maior e mais belo privilégio. Deus não quis fazer dele um autômato obediente e cego, e, se essa liberdade o torna falível, também o torna perfectível, sem o que somente pela perfeição poderá atingir a suprema felicidade. O orgulho somente pode levar o homem a atribuir ao destino as suas infelicidades terrenas, quando a verdade é que tais infelicidades promanam da sua própria incúria. Tendes disso um exemplo bem patente na vossa última encarnação, pois tínheis tudo que se fazia preciso à felicidade humana, na Terra: espírito, talento, fortuna, merecida consideração; nada de vícios ruinosos, mas, ao contrário, apreciáveis qualidades... Como, no entanto, ficou tão comprometida a vossa posição? Unicamente pela vossa imprevidência. Haveis de convir que, agindo com mais prudência, contentando-vos com o muito que já vos coubera, antes que procurando aumentá-lo sem necessidade, a ruína não sobreviria. Não havia nisso nenhuma fatalidade, uma vez que podíeis ter evitado tal acontecimento. A vossa provação consistia num encadeamento de circunstâncias que vos deveriam dar não a necessidade, mas a tentação do suicídio; desgraçadamente, apesar do vosso talento e instrução, não soubestes dominar essas circunstâncias e sofreis agora as consequências da vossa fraqueza. Essa prova, tal como pressentis com razão, deve renovar-se ainda; na vossa próxima encarnação tereis de enfrentar acontecimentos que vos sugerirão a ideia do suicídio, e sempre assim acontecerá até que de todo tenhais triunfado. Longe de acusar a sorte, que é a vossa própria obra, admirai a bondade de Deus, que, em vez de condenar irremissivelmente pela primeira falta, oferece sempre os meios de repará-la. Assim, sofrereis, não eternamente, mas por tanto tempo quanto reincidirdes no erro. De vós depende, no estado espiritual, tomar a resolução bastante enérgica de manifestar a Deus um sincero arrependimento, solicitando instantemente o apoio dos bons Espíritos. Voltareis então à Terra, blindado na resistência a todas as tentações. Uma vez alcançada essa vitória, caminhareis na via da felicidade com mais rapidez, visto que sob outros aspectos o vosso progresso é já considerável. Como vedes, há ainda um passo a franquear, para o qual vos auxiliaremos com as nossas preces. Estas só serão improfícuas se nos não secundardes com os vossos esforços.

👻 ▸ Oh! obrigado! Oh! obrigado por tão boas exortações. Delas tenho tanto maior necessidade, quanto sou mais desgraçado do que demonstrava. Vou aproveitá-las, garanto, no preparo da próxima encarnação, durante a qual farei todo o possível por não sucumbir. Já me custa suportar o meio ignóbil do meu exílio. Félicien

# 📑 06. Criminosos arrependidos

Era o caixa de uma casa bancária do Canadá e suicidou-se a 28 de fevereiro de 1865. Um dos nossos correspondentes, médico e farmacêutico residente na mesma cidade, deu-nos dele as informações que se seguem: “Conhecia-o, havia perto de 20 anos, como homem pacato e chefe de numerosa família. De tempos a certa parte imaginou ter comprado um tóxico na minha farmácia, servindo-se dele para envenenar alguém. Muitas vezes vinha suplicar-me para lhe dizer a época de tal compra, tomado então de alucinações terríveis. Perdia o sono, lamentava-se, batia no peito. A família vivia em constante ansiedade das 4 da tarde às 9 da manhã, hora esta em que se dirigia para a casa bancária, onde, aliás, escriturava os seus livros com muita regularidade, sem que jamais cometesse um só erro. Habitualmente dizia sentir dentro de si um ente que o fazia desempenhar com acerto e ordem a sua contabilidade. Quando se afigurava convencido da extravagância das suas ideias, exclamava:

— Não; não; quereis iludir-me... lembro-me... é a verdade...” A pedido desse amigo, foi ele evocado em Paris, a 17 de abril de 1865.

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Que pretendeis de mim? Sujeitar-me a um interrogatório? É inútil, tudo confessarei.

# #️⃣ 02

Bem longe de nós o pensamento de vos afligir com perguntas indiscretas; desejamos saber apenas qual a vossa posição nesse mundo, bem como se poderemos ser-vos úteis...

👻 ▸ Ah! Se for possível, ser-vos-ei extremamente grato. Tenho horror ao meu crime e sou muito infeliz!

# #️⃣ 03

Temos a esperança de que as nossas preces atenuarão as vossas penas. Afigura-se-nos que vos achais em boas condições, visto como o arrependimento já vos assedia o coração

— o que constitui um começo de reabilitação. Deus, infinitamente misericordioso, sempre tem piedade do pecador arrependido. Orai conosco. (Faz-se a prece pelos suicidas, a qual se encontra em O evangelho segundo o espiritismo.) Agora, tende a bondade de nos dizer de quais crimes vos reconheceis culpado. Tal confissão, humildemente feita, ser-vos-á favorável.

👻 ▸ Deixai primeiro que vos agradeça por esta esperança que fizestes raiar no meu coração. Oh! há já bastante tempo que vivia numa cidade banhada pelo Mediterrâneo. Amava, então, uma bela moça que me correspondia; mas, pelo fato de ser pobre, fui repelido pela família. A minha eleita participou-me que desposaria o filho de um negociante cujas transações se estendiam para além de dois mares, e assim fui eu desprezado. Louco de dor, resolvi acabar com a vida, não sem deixar de assassinar o detestado rival, saciando o meu desejo de vingança. Repugnando-me os meios violentos, horrorizava-me a perpetração do crime, porém o meu ciúme a tudo sobrepujou. Na véspera do casamento, morria o meu rival envenenado, pelo meio que me pareceu mais fácil. Eis como se explicam as reminiscências do passado... Sim, eu já reencarnei, e preciso é que reencarne ainda... Ó meu Deus, tende piedade das minhas lágrimas e da minha fraqueza!

# #️⃣ 04

Deploramos essa infelicidade que retardou vosso progresso e sinceramente vos lamentamos; dado, porém, que vos arrependais, Deus se compadecerá de vós. Dizei-nos se chegastes a executar o vosso projeto de suicídio...

👻 ▸ Não; e confesso, para vergonha minha, que a esperança se me desabrochou novamente no coração, com o desejo de me aproveitar do crime já cometido. Traíram-me, porém, os remorsos e acabei por expiar, no último suplício, aquele meu desvario: enforquei-me.

# #️⃣ 05

Na vossa última encarnação tínheis a consciência do mal praticado na penúltima?

👻 ▸ Nos últimos anos somente, e eis como: Eu era bom por natureza, e, depois de submetido, como todos os homicidas, ao tormento da visão perseverante da vítima, que me perseguia qual vivo remorso, dela me descartei depois de muitos anos, pelo meu arrependimento e pelas minhas preces. Recomecei outra existência

— a última

— que atravessei calmo e tímido. Tinha em mim como que vaga intuição da minha inata fraqueza, bem como da culpa anterior, cuja lembrança em estado latente conservara. “Mas um Espírito obsessor e vingativo, que não era outro senão o pai da minha vítima, facilmente se apoderou de mim e fez reviver no meu coração, como em mágico espelho, as lembranças do passado. “Alternadamente influenciado por ele e por meu guia, que me protegia, eu era o envenenador e ao mesmo tempo o pai de família angariando pelo trabalho o sustento dos filhos. Fascinado por esse demônio obsessor, deixei-me arrastar para o suicídio. Sou muito culpado realmente, porém menos do que se deliberasse por mim mesmo. Os suicidas da minha categoria, incapazes por sua fraqueza de resistir aos obsessores, são menos culpados e menos punidos do que os que abandonam a vida por efeito exclusivo da própria vontade. “Orai comigo para que o Espírito que tão fatalmente me obsidiou renuncie à sua vingança, e orai por mim para que adquira a energia, a força necessária para não ceder à prova do suicídio voluntário, prova a que serei submetido, dizem-me, na próxima encarnação.”

# #️⃣ 06

(Ao guia do médium.) Um Espírito obsessor pode, realmente, levar o obsidiado ao suicídio?

👻 ▸ Certamente, pois a obsessão que, de si mesma, é já um gênero de provação, pode revestir todas as formas. Mas isso não quer dizer isenção de culpabilidade. O homem dispõe sempre do seu livre-arbítrio e, conseguintemente, está em si o ceder ou resistir às sugestões a que o submetem. Assim é que, sucumbindo, o faz sempre por assentimento da sua vontade. Quanto ao mais, o Espírito tem razão dizendo que a ação instigada por outrem é menos culposa e repreensível do que quando voluntariamente cometida. Contudo, nem por isso se inocenta de culpa, visto como, afastando-se do caminho reto, mostra que o bem ainda não está vinculado ao seu coração.

# #️⃣ 07

Como, apesar da prece e do arrependimento terem libertado esse Espírito da visão tormentosa da sua vítima, pôde ele ser atingido pela vingança de um obsessor na última encarnação?

👻 ▸ O arrependimento, bem o sabeis, é apenas a preliminar indispensável à reabilitação, mas não é o bastante para libertar o culpado de todas as penas. Deus não se contenta com promessas, sendo preciso a prova, por atos, do retorno ao bom caminho. Eis por que o Espírito é submetido a novas provações que o fortalecem, resultando-lhe um merecimento ainda maior quando delas sai triunfante. O Espírito só arrosta com a perseguição dos maus, dos obsessores, enquanto estes o não encontram assaz forte para resistir-lhes. Encontrando resistência, eles o abandonam, certos da inutilidade dos seus esforços. Estes dois últimos exemplos mostram-nos a renovação da mesma prova em sucessivas encarnações, e por tanto tempo quanto o da sua ineficácia. Antoine Bell patenteia-nos, enfim, o fato muito instrutivo do homem perseguido pela lembrança de um crime cometido em anterior existência, qual um remorso e um aviso. Vemos ainda por aí que todas as existências são solidárias entre si; que a justiça e bondade divinas se ostentam na faculdade ao homem conferida de progredir gradualmente, sem jamais privá-lo do resgate das faltas; que o culpado é punido pela própria falta, sendo essa punição, em vez de uma vingança de Deus, o meio empregado para fazê-lo progredir.

# 📄 01. Verger

(Assassino do arcebispo de Paris.)

A 3 de janeiro de 1857, Mons. Sibour, arcebispo de Paris, ao sair da Igreja de Saint-Étienne-du-Mont, foi mortalmente ferido por um jovem padre chamado Verger. O criminoso foi condenado à morte e executado a 30 de janeiro. Até o último instante não manifestou qualquer sentimento de pesar, de arrependimento, ou de sensibilidade.

Evocado no mesmo dia da execução, deu as seguintes respostas:

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Ainda estou preso ao corpo.

# #️⃣ 02

Então a vossa alma não está inteiramente liberta?

👻 ▸ Não... tenho medo... não sei... Esperai que torne a mim. Não estou morto, não é assim?

# #️⃣ 03

Arrependei-vos do que fizestes?

👻 ▸ Fiz mal em matar, mas a isso fui levado pelo meu caráter, que não podia tolerar humilhações... Evocar-me-eis de outra vez.

# #️⃣ 04

Por que vos retirais?

👻 ▸ Se o visse, muito me atemorizaria, pelo receio de que me fizesse outro tanto.

# #️⃣ 05

Mas nada tendes a temer, uma vez que a vossa alma está separada do corpo. Renunciai a qualquer inquietação, que não é razoável agora.

👻 ▸ Que quereis? Acaso sois senhor das vossas impressões? Quanto a mim, não sei onde estou... estou doido.

# #️⃣ 06

Esforçai-vos por ser calmo.

👻 ▸ Não posso, porque estou louco... Esperai, que vou invocar toda a minha lucidez.

# #️⃣ 07

Se orásseis, talvez pudésseis concentrar os vossos pensamentos...

👻 ▸ Intimido-me... não me atrevo a orar.

# #️⃣ 08

Orai, que grande é a misericórdia de Deus! Oraremos convosco.

👻 ▸ Sim; eu sempre acreditei na infinita misericórdia de Deus.

# #️⃣ 09

Compreendeis melhor, agora, a vossa situação?

👻 ▸ Ela é tão extraordinária que ainda não posso apreendê-la.

# #️⃣ 10

Vedes a vossa vítima?

👻 ▸ Parece-me ouvir uma voz semelhante à sua, dizendo-me: “Não mais te quero...” Será, talvez, um efeito da imaginação!... Estou doido, vo-lo asseguro, pois que vejo meu corpo de um lado e a cabeça de outro... afigurando-se-me, porém, que vivo no Espaço, entre a Terra e o que denominais céu... Sinto como o frio de uma faca prestes a decepar-me o pescoço, mas isso será talvez o terror da morte... Também me parece ver uma multidão de Espíritos a rodear-me, olhando-me compadecidos... E falam-me, mas não os compreendo.

# #️⃣ 11

Entretanto, entre esses Espíritos há talvez um cuja presença vos humilha por causa do vosso crime.

👻 ▸ Dir-vos-ei que há apenas um que me apavora

— o daquele a quem matei.

# #️⃣ 12

Lembrai-vos das anteriores existências?

👻 ▸ Não; estou indeciso, acreditando sonhar... Ainda uma vez, preciso tornar a mim.

# #️⃣ 13

(Três dias depois.) Reconhecei-vos melhor agora?

👻 ▸ Já sei que não mais pertenço a esse mundo, e não o deploro. Pesa-me o que fiz, porém meu Espírito está mais livre. Sei a mais que há uma série de encarnações que nos dão conhecimentos úteis, a fim de nos tornarmos tão perfeitos quanto possível à criatura humana.

# #️⃣ 14

Sois punido pelo crime que cometestes?

👻 ▸ Sim; lamento o que fiz e isso faz-me sofrer.

# #️⃣ 15

Qual a vossa punição?

👻 ▸ Sou punido porque tenho consciência da minha falta, e para ela peço perdão a Deus; sou punido porque reconheço a minha descrença nesse Deus, sabendo agora que não devemos abreviar os dias de vida de nossos irmãos; sou punido pelo remorso de haver adiado o meu progresso, enveredando por caminho errado, sem ouvir o grito da própria consciência que me dizia não ser pelo assassínio que alcançaria o meu desiderato. Deixei-me dominar pela inveja e pelo orgulho; enganei-me e arrependo-me, pois o homem deve esforçar-se sempre por dominar as más paixões

— o que aliás não fiz.

# #️⃣ 16

Qual a vossa sensação quando vos evocamos?

👻 ▸ De prazer e de temor, por isso que não sou mau.

# #️⃣ 17

Em que consiste tal prazer e tal temor?

👻 ▸ Prazer de conversar com os homens e poder em parte reparar as minhas faltas, confessando-as; e temor, que não posso definir

— um quê de vergonha por ter sido um assassino.

# #️⃣ 18

Desejais reencarnar na Terra?

👻 ▸ Até o peço e desejo achar-me constantemente exposto ao assassínio, provando-lhe o temor. Monsenhor Sibour, evocado, disse que perdoava o assassino e orava para que ele se arrependesse. Disse mais que, posto estivesse presente à sua evocação, não se lhe tinha mostrado para lhe não aumentar os sofrimentos, porquanto o receio de o ver já era um sintoma de remorso, era já um castigo.

  • O homem que mata sabe que, ao escolher nova existência, nela se tornará assassino?

👻 ▸ Não; ele sabe que, escolhendo uma vida de luta, tem probabilidades de matar um semelhante, ignorando porém se o fará, pois está quase sempre em luta consigo mesmo. A situação de Verger, ao morrer, é a de quase todos os que sucumbem violentamente. Não se verificando bruscamente a separação, eles ficam como aturdidos, sem saber se estão mortos ou vivos. A visão do arcebispo foi-lhe poupada por desnecessária ao seu remorso; mas outros Espíritos, em circunstâncias idênticas, são constantemente acossados pelo olhar das suas vítimas. À enormidade do delito, Verger acrescentara a agravante de se não ter arrependido ainda em vida, estando, pois, nas condições requeridas para a eterna condenação. Mas, logo que deixou a Terra, o arrependimento invadiu-lhe a alma e, repudiando o passado, deseja sinceramente repará-lo. A isso não o impele a demasia do sofrimento, visto como nem mesmo teve tempo para sofrer, mas é o alarme dessa consciência desprezada durante a vida, e que ora se lhe faz ouvir. Por que não considerar valioso esse arrependimento? Por que admiti-lo dias antes como salvador do inferno, e depois não? E por que, finalmente, o Deus misericordioso para o penitente, em vida, deixaria de o ser, por questão de horas, mais tarde? Fora para causar admiração a rápida mudança algumas vezes operada nas ideias de um criminoso, endurecido e impenitente até a morte, se o trespasse lhe não fosse também bastante, às vezes, para reconhecer toda a iniquidade da sua conduta. Contudo, esse resultado está longe de ser geral

— o que daria em consequência o não haver Espíritos maus. O arrependimento é muita vez tardio, e daí a dilação do castigo. A obstinação no mal, em vida, provém às vezes do orgulho, que recusa submeter-se e confessar os próprios erros, visto estar o homem sujeito à influência da matéria, que, lançando-lhe um véu sobre as percepções espirituais, o fascina e desvaira. Roto esse véu, súbita luz o aclara, e ele se encontra senhor da sua razão. A manifestação imediata de melhores sentimentos é sempre indício de um progresso moral realizado, que apenas aguarda uma circunstância favorável para se revelar, ao passo que a persistência mais ou menos longa no mal, depois da morte, é incontestavelmente a prova de atraso do Espírito, no qual os instintos materiais atrofiam o gérmen do bem, de modo a lhe serem precisas novas provações para se corrigir.

# 📄 02. Lemaire

Condenado à pena última pelo júri de Aisne, e executado a 31 de dezembro de 1857. Evocado em 29 de janeiro de 1858.

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Aqui estou.

# #️⃣ 02

Vendo-nos, que sensação experimentais?

👻 ▸ A da vergonha.

# #️⃣ 03

Retivestes os sentidos até o último momento?

👻 ▸ Sim.

# #️⃣ 04

Após a execução tivestes imediata noção dessa nova existência?

👻 ▸ Eu estava imerso em grande perturbação, da qual, aliás, ainda me não libertei. Senti uma dor imensa, afigurando-se-me ser o coração quem a sofria. Vi rolar não sei quê aos pés do cadafalso; vi o sangue que corria e mais pungente se me tornou a minha dor.

  • Era uma dor puramente física, análoga à que proviria de um grande ferimento, pela amputação de um membro, por exemplo?

👻 ▸ Não; figurai-vos antes um remorso, uma grande dor moral.

# #️⃣ 05

Mas a dor física do suplício, quem a experimentava: o corpo ou o Espírito?

👻 ▸ A dor moral estava em meu Espírito, sentindo o corpo a dor física; mas o Espírito desligado também dela se ressentia.

# #️⃣ 06

Vistes o corpo mutilado?

👻 ▸ Vi qualquer coisa informe, à qual me parecia integrado; entretanto, reconhecia-me intacto, isto é, que eu era eu mesmo...

  • Que impressões vos advieram desse fato?

👻 ▸ Eu sentia muito a minha dor, estava completamente ligado a ela.

# #️⃣ 07

Será verdade que o corpo viva ainda alguns instantes depois da decapitação, tendo o supliciado a consciência das suas ideias?

👻 ▸ O Espírito retira-se pouco a pouco; quanto mais o retêm os laços materiais, menos pronta é a separação.

# #️⃣ 08

Dizem que se há notado a expressão da cólera e movimentos na fisionomia de certos supliciados, como se estes quisessem falar; será isso efeito de contrações nervosas, ou um ato da vontade?

👻 ▸ Da vontade, visto como o Espírito não se tem desligado.

# #️⃣ 09

Qual o primeiro sentimento que experimentastes ao penetrar na vossa nova existência?

👻 ▸ Um sofrimento intolerável, uma espécie de remorso pungente cuja causa ignorava.

# #️⃣ 10

Acaso vos achastes reunido aos vossos cúmplices concomitantemente supliciados?

👻 ▸ Infelizmente, sim, por desgraça nossa, pois essa visão recíproca é um suplício contínuo, exprobrando-se uns aos outros os seus crimes.

# #️⃣ 11

Tendes encontrado as vossas vítimas?

👻 ▸ Vejo-as... são felizes; seus olhares perseguem-me... sinto que me varam o ser e debalde tento fugir-lhes.

  • Que impressão vos causam esses olhares?

👻 ▸ Vergonha e remorso. Ocasionei-os voluntariamente e ainda os abomino.

  • E qual a impressão que lhes causais vós?

👻 ▸ Piedade.

# #️⃣ 12

Terão por sua vez o ódio e o desejo de vingança?

👻 ▸ Não; os olhares que volvem lembram-me a minha expiação. Vós não podeis avaliar o suplício horrível de tudo devermos àqueles a quem odiamos.

# #️⃣ 13

Lamentais a perda da vida corporal?

👻 ▸ Apenas lamento os meus crimes. Se o fato ainda dependesse de mim, não mais sucumbiria.

# #️⃣ 14

O pendor para o mal estava na vossa natureza, ou fostes ainda influenciado pelo meio em que vivestes?

👻 ▸ Sendo eu um Espírito inferior, a tendência para o mal estava na minha própria natureza. Quis elevar-me rapidamente, mas pedi mais do que comportavam as minhas forças. Acreditando-me forte, escolhi uma rude prova e acabei por ceder às tentações do mal.

# #️⃣ 15

Se tivésseis recebido sãos princípios de educação, ter-vos-íeis desviado da senda criminosa?

👻 ▸ Sim, mas eu havia escolhido a condição do nascimento.

  • Acaso não vos poderíeis ter feito homem de bem?

👻 ▸ Um homem fraco é incapaz, tanto para o bem como para o mal. Poderia, talvez, corrigir na vida o mal inerente à minha natureza, mas nunca me elevar à prática do bem.

# #️⃣ 16

Quando encarnado acreditáveis em Deus?

👻 ▸ Não.

  • Mas dizem que à última hora vos arrependeste...

👻 ▸ Porque acreditei num Deus vingativo, era natural que o temesse...

  • E agora o vosso arrependimento é mais sincero?

👻 ▸ Pudera! Eu vejo o que fiz...

  • Que pensais de Deus então?

👻 ▸ Sinto-o e não o compreendo.

# #️⃣ 17

Parece-vos justo o castigo que vos infligiram na Terra?

👻 ▸ Sim.

# #️⃣ 18

Esperais obter o perdão dos vossos crimes?

👻 ▸ Não sei.

  • Como pretendeis repará-los?

👻 ▸ Por novas provações, conquanto me pareça que uma eternidade existe entre elas e mim.

# #️⃣ 19

Onde vos achais agora?

👻 ▸ Estou no meu sofrimento.

  • Perguntamos qual o lugar em que vos encontrais... –– R. Perto da médium.
# #️⃣ 20

Uma vez que assim é, sob que forma vos veríamos, se tal nos fosse possível?

👻 ▸ Ver-me-íeis sob a minha forma corpórea: a cabeça separada do tronco.

  • Podereis aparecer-nos?

👻 ▸ Não; deixai-me.

# #️⃣ 21

Poderíeis dizer-nos como vos evadistes da prisão de Montdidier?

👻 ▸ Nada mais sei... é tão grande o meu sofrimento, que apenas guardo a lembrança do crime... Deixai-me.

# #️⃣ 22

Poderíamos concorrer para vos aliviar desse sofrimento?

👻 ▸ Fazei votos para que sobrevenha a expiação.

# 📄 03. Benoist

(Bordeaux, março de 1862.)

Um Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium, sob o nome de Benoist, dizendo ter morrido em 1704 e padecer horríveis sofrimentos.

# #️⃣ 01

Que fostes na Terra?

👻 ▸ Frade sem fé.

# #️⃣ 02

Foi a descrença a vossa única falta?

👻 ▸ Só ela é bastante para acarretar outras.

# #️⃣ 03

Podereis dar-nos alguns pormenores sobre a vossa vida? Ser-vos-á levada em boa conta a sinceridade da confissão.

👻 ▸ Pobre e indolente, ordenei-me para ter uma posição, sem pendor aliás para tal encargo. Inteligente, consegui essa posição; influente, abusei do meu poderio; vicioso, corrompi aqueles que tinha por missão salvar; cruel, persegui os que me pareciam querer verberar os meus excessos; os pacíficos foram por mim inquietados. As torturas da fome de muitas vítimas eram extintas amiúde pela violência. Agora, sofro todas as torturas do inferno, ateando-me as vítimas o fogo que me devora. A luxúria e a fome insaciáveis perseguem-me; cresta-me a sede os lábios escaldantes, sem que uma gota lhes caia em refrigério. Os elementos todos se encarniçam contra mim. Orai pelo meu Espírito.

# #️⃣ 04

As preces feitas pelos finados deverão ser-vos atribuídas como aos outros?

👻 ▸ Acreditais que sejam edificantes, e no entanto elas têm para mim o valor das que eu simulava fazer. Não executei o meu trabalho, e, assim, recebo o salário.

# #️⃣ 05

Nunca vos arrependestes?

👻 ▸ Há muito tempo, mas o arrependimento só veio pelo sofrimento. E como fui surdo ao clamor de vítimas inocentes, o Senhor também é surdo aos meus clamores. Justiça!

# #️⃣ 06

Reconheceis a Justiça do Senhor; pois bem, confiai na sua bondade e socorrei-vos do seu auxílio.

👻 ▸ Os demônios berram mais do que eu; seus gritos sufocam-me; enchem-me a boca de pez fervente!... Eu o fiz, grande... (O Espírito não pôde escrever a palavra Deus.)

# #️⃣ 07

Não estais suficientemente liberto das ideias terrenas de modo a compreender que essas torturas são todas morais?

👻 ▸ Sofro-as... sinto-as... vejo os meus carrascos, todos têm uma cara conhecida, um nome que repercute em meu cérebro.

# #️⃣ 08

Mas que poderia impelir-vos ao cometimento de tantas infâmias?

👻 ▸ Os vícios de que me achava saturado, a brutalidade das paixões.

# #️⃣ 09

Nunca implorastes a assistência dos bons Espíritos para vos ajudarem a sair dessa contingência?

👻 ▸ Apenas vejo os demônios do inferno.

# #️⃣ 10

E quando estáveis na Terra temíeis esses demônios?

👻 ▸ Não, absolutamente, visto que só cria no nada. Os prazeres a todo o transe constituíam o meu culto. E, pois que lhes consagrei a vida, as divindades do inferno não mais me abandonaram, nem abandonarão!

# #️⃣ 11

Então não lobrigais um termo para esses sofrimentos?

👻 ▸ O infinito não tem termo.

# #️⃣ 12

Mas Deus é infinito na sua misericórdia, e tudo pode ter um fim quando lhe aprouver.

👻 ▸ Se Ele o quisesse!

# #️⃣ 13

Por que vos viestes inscrever aqui?

👻 ▸ Não sei mesmo como, mas eu queria falar e gritar para que me aliviassem.

# #️⃣ 14

E esses demônios não vos inibem de escrever?

👻 ▸ Não, mas conservam-se à minha frente, e esperam-me... Também por isso, eu desejaria não terminar.

# #️⃣ 15

É a primeira vez que deste modo escreveis?

👻 ▸ Sim.

  • E sabíeis que os Espíritos podiam assim aproximar-se dos homens?

👻 ▸ Não.

  • Como, pois, o percebestes?

👻 ▸ Não sei.

# #️⃣ 16

Que sensações experimentastes ao acercar-vos de mim?

👻 ▸ Um como entorpecimento dos meus terrores.

# #️⃣ 17

Como vos apercebestes da vossa presença aqui?

👻 ▸ Como quando se acorda.

# #️⃣ 18

Como procedestes para comunicar comigo?

👻 ▸ Não posso compreender, mas tu também não sentiste?

# #️⃣ 19

Não se trata de mim, porém de vós... Procurai assegurar-vos do que fazeis enquanto escrevo.

👻 ▸ És o meu pensamento, eis tudo.

# #️⃣ 20

Não tivestes, pois, o desejo de me fazer escrever?

👻 ▸ Não, sou eu quem escreve, e tu pensas por mim.

# #️⃣ 21

Procurai assegurar-vos do vosso estado, porque os bons Espíritos que vos cercam vos ajudarão.

👻 ▸ Não, que os anjos não vêm ao inferno. Tu não estás só?

  • Vedes em torno de vós.

👻 ▸ Sinto que me auxiliam a atuar sobre ti... a tua mão obedece-me... não te toco, aliás, e seguro-te... Como? Não sei...

# #️⃣ 22

Implorai a assistência dos vossos protetores. Vamos pedir ambos.

👻 ▸ Queres deixar-me? Fica comigo, porque vão reapossar-se de mim. Eu to peço... Fica! Fica!...

# #️⃣ 23

Não posso demorar-me por mais tempo. Voltai diariamente para orarmos juntos e os bons Espíritos vos auxiliarão.

👻 ▸ Sim, desejo o perdão. Orai por mim, que não posso fazê-lo. O guia do médium.

— Coragem, meu filho, porque ser-lhe-á concedido o que pedes, posto longe esteja ainda o termo da expiação. As atrocidades por ele cometidas não têm número nem conta, e maior é a sua culpa porque possuía inteligência, instrução e luzes para guiar-se. Tendo falido com conhecimento de causa, mais terríveis lhe são os sofrimentos, os quais, não obstante, se suavizarão com o auxílio e o exemplo da prece, de modo a que lhes veja o termo, confortado pela esperança. Deus o vê no caminho do arrependimento, e já lhe concedeu a graça de poder comunicar-se a fim de ser encorajado e confortado. Pensa nele muitas vezes, pois nós to entregamos para fortalecer-se nas boas resoluções que lhe poderão advir dos teus conselhos. Ao seu arrependimento sucederá o desejo da reparação, e pedirá então uma nova existência para praticar o bem como compensação do mal que fez. Quando Deus estiver satisfeito a seu respeito e o vir resoluto e firme, far-lhe-á entrever as divinas luzes que o hão de conduzir à salvação, recebendo-o no seu seio qual pai ao filho pródigo. Tem fé, e nós te ajudaremos a completar o teu trabalho.

Paulin

Colocamos este Espírito entre os criminosos, posto que não atingido pela justiça humana, porque o crime se contém nos atos, que não no castigo infligido pelos homens. O mesmo se dá com o que se segue.

# 📄 04. O Espírito de Castelnaudary

Rumores e outras estranhas e várias manifestações ocorridas numa casinha perto de Castelnaudary, faziam-na tomar por habitada de fantasmas, mal-assombrada etc. Assim, foi a dita casa exorcismada em 1848, aliás sem resultado. O proprietário, Sr. D..., pretendendo habitá-la, faleceu repentinamente alguns anos depois; um seu filho, animado do mesmo desejo, ao penetrar-lhe um dos compartimentos, recebeu de mão desconhecida vigorosa bofetada, e, como estivesse só, não teve a menor dúvida de uma origem oculta, razão esta que o levou a abandonar a casa definitivamente. No lugar corria uma versão segundo a qual um grande crime fora cometido ali. O Espírito que dera a bofetada foi evocado na Sociedade de Paris, em 1859, e manifestou-se por sinais de tal violência, que foram improfícuos todos os esforços para acalmá-lo. Interrogado São Luís a esse respeito, respondeu: “É um Espírito da pior espécie, verdadeiro monstro: fizemo-lo comparecer, mas a despeito de tudo quanto lhe dissemos não foi possível obrigá-lo a escrever. Ele tem o seu livre-arbítrio, do qual o infeliz tem feito triste uso.”

  • Este Espírito é passível de melhora?

👻 ▸ Por que não? pois não o são todos, este como os outros? É possível entretanto que haja nisso dificuldades, porém a permuta do bem pelo mal acabará por sensibilizá-lo. Orai em primeiro lugar, e, se o evocardes daqui a um mês, vereis a transformação operada. Evocado mais tarde, o Espírito mostrou-se mais brando e, pouco a pouco, submisso e arrependido. Explicações posteriores, ministradas não só por ele como por outros Espíritos, deram em resultado saber-se que, em 1608, habitando aquela casa, assassinara um irmão por motivos de terrível ciúme, degolando-o durante o sono. Alguns anos decorridos, também assassinara a esposa. O seu falecimento ocorreu em 1659, aos 80 anos, sem que houvesse respondido por estes crimes, que pouca atenção despertaram naquela época de balbúrdias. Depois da morte, jamais cessara de praticar o mal, provocando vários acidentes ocorridos na tal casa. Um médium vidente que assistiu à primeira evocação viu-o, no momento em que pretendiam forçá-lo a escrever, quando sacudiu violentamente o braço do médium. De medonha catadura, trajava uma camisa ensanguentada, tendo na mão um punhal.

# #️⃣ 01
  1. (A São Luís.) Tende a bondade de nos descrever o gênero de suplício deste Espírito.

👻 ▸ É atroz, porque está condenado a habitar a casa em que cometeu o crime, sem poder fixar o pensamento noutra coisa que não no crime, tendo-o sempre ante os olhos e acreditando na eternidade de tal tortura. Está como no momento do próprio crime, porque qualquer outra recordação lhe foi retirada e interdita toda comunicação com qualquer outro Espírito. Sobre a Terra, só pode permanecer naquela casa, e no Espaço só lhe restam solidão e trevas.

# #️⃣ 02

Haveria um meio de o desalojar dessa casa? Qual seria esse meio?

👻 ▸ Quando se quer desembaraçar obsessões de semelhantes Espíritos, o meio é fácil

— orar por eles. Contudo, é precisamente isso que se deixa de fazer muitas vezes, preferindo-se intimidá-los com exorcismos formulados que, aliás, muito os divertem.

# #️⃣ 03

Insinuando às pessoas interessadas essa ideia de orar por ele, fazendo-o também nós, conseguiríamos desalojá-lo?

👻 ▸ Sim, mas reparai que eu disse para orar, e não para mandar orar.

# #️⃣ 04

Estando em tal situação há dois séculos, apreciará ele todo esse tempo como se fora encarnado, isto é, o tempo parecer-lhe-á tanto ou menos longo do que quando na Terra?

👻 ▸ Mais longo: o sono não existe para ele.

# #️⃣ 05

Disseram-nos que o tempo não existe para os Espíritos e que um século, para eles, não passa de um instante na eternidade. Dar-se-á efetivamente esse fato para com todos os Espíritos?

👻 ▸ Não, decerto, porquanto isso só se dá com os Espíritos que têm atingido elevadíssimo grau de adiantamento; para os inferiores, porém, o tempo é frequentemente moroso, sobretudo quando sofrem.

# #️⃣ 06

Donde vinha esse Espírito antes da sua encarnação?

👻 ▸ Tivera uma existência entre tribos das mais ferozes e selvagens, e, precedentemente, em planeta inferior à Terra.

# #️⃣ 07

Severamente punido agora por esse crime, sê-lo-ia igualmente pelos que porventura tivesse cometido, como é de supor, quando vivendo entre selvagens?

👻 ▸ Sim, porém não tanto, visto como, em ser mais ignorante, menos alcançava a extensão do delito.

# #️⃣ 08

O estado em que se vê esse Espírito é o dos seres vulgarmente designados por danados?

👻 ▸ Absolutamente não, pois há condições ainda mais horrorosas. Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, variando conforme seja o culpado mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, aquela casa é o seu inferno, outros trazem esse inferno em si mesmos, pelas paixões que os atormentam sem que possam saciá-las.

# #️⃣ 09

Apesar da sua inferioridade, este Espírito é sensível aos efeitos da prece, o que também temos verificado com Espíritos igualmente perversos e da mais grosseira natureza; entretanto, Espíritos há que, esclarecidos, de mais desenvolvida inteligência, demonstram completa ausência de bons sentimentos, motejando de tudo que há de mais sagrado; a nada se comovendo e até não dando tréguas ao seu cinismo...

👻 ▸ A prece só aproveita ao Espírito que se arrepende; para aqueles que, arrebatados de orgulho, se revoltam contra Deus e persistem no erro, exagerando-o mesmo, tal como procedem os infelizes, para esses a prece nada adianta, nem adiantará senão quando tênue vislumbre de arrependimento começar a germinar-lhes na consciência. A ineficácia da prece também é para eles um castigo. Enfim, ela só alivia os não totalmente endurecidos.

# #️⃣ 10

Vendo-se um Espírito insensível à ação da prece, será motivo para que se deixe de orar por ele?

👻 ▸ Não, porquanto, cedo ou tarde, a prece poderá triunfar do seu endurecimento, sugerindo-lhe benéficos pensamentos. O mesmo sucede com certos doentes nos quais a ação medicamentosa só se torna sensível depois de muito tempo, e vice-versa. Compenetrando-nos bem de que todos os Espíritos são suscetíveis de progresso, e que nenhum é fatal e eternamente condenado, fácil nos será compreender a eficácia da prece em quaisquer circunstâncias. Por mais ineficaz que ela possa parecer-nos à primeira vista, o certo é que contém germens em si mesma, bastante benéficos, para bem predisporem o Espírito, quando o não afetem imediatamente. Erro seria, pois, desanimarmos por não colher dela imediato resultado.

# #️⃣ 11

Ao reencarnar-se este Espírito, qual será a sua categoria?

👻 ▸ Depende dele e do arrependimento que então tiver. Muitos colóquios com este Espírito deram em resultado notável transformação do seu moral. Eis aqui algumas das suas respostas:

# #️⃣ 12

(Ao Espírito.) Por que não pudestes escrever da primeira vez que vos evocamos?

👻 ▸ Porque não queria.

  • Mas por quê?

👻 ▸ Ignorância e embrutecimento.

# #️⃣ 13

Agora podeis deixar, quando vos apraz, a casa de Castelnaudary?

👻 ▸ Permitem-mo, porque aproveito os vossos conselhos.

  • Sentis algum alívio?

👻 ▸ Começo a ter esperança.

# #️⃣ 14

Se possível nos fora o vermo-vos, qual a vossa aparência?

👻 ▸ Ver-me-íeis com a camisa, mas sem o punhal.

  • Por que não mais com o punhal? Que fim lhe destes?

👻 ▸ Amaldiçoando-o, Deus arrebatou-mo das vistas.

# #️⃣ 15

Se o filho do Sr. D... (o da bofetada) voltasse àquela casa, que lhe faríeis?

👻 ▸ Nada, porque estou arrependido.

  • E se ele pretendesse ainda desafiar-vos?

👻 ▸ Não me façais essa pergunta! Eu não me dominaria, isso está acima das minhas forças, pois sou um miserável.

# #️⃣ 16

Lobrigais um termo aos vossos padecimentos?

👻 ▸ Oh! ainda não. É já muito o saber, graças à vossa intercessão, que esses padecimentos não serão eternos.

# #️⃣ 17

Tende a bondade de nos descrever a vossa situação antes de vos evocarmos pela primeira vez. Não é preciso acrescentarmos que este pedido tem por fim sabermos como ser-vos úteis, e não a simples e fútil curiosidade.

👻 ▸ Já vos disse que nada mais compreendia além do meu crime, e que não podia abandonar a casa em que o cometi, a não ser para vagar no Espaço, solitário e obscuro; disso não poderia eu dar-vos uma ideia, porque nunca pude compreender o que se passava. Desde que me alçava ao Espaço, era tudo negrume e vácuo, ou, antes, não sei mesmo o que era... Hoje o meu remorso é muito maior, e no entanto não sou constrangido a permanecer naquela casa fatal, sendo-me permitido vagar sobre a Terra e orientar-me pela observação de quanto aí vejo, compreendendo melhor, assim, a enormidade dos meus crimes, e, se menos sofro por um lado, por outro aumentam as torturas do remorso... Mas... ainda bem que tenho esperança.

# #️⃣ 18

A terdes de reencarnar, que existência preferiríeis?

👻 ▸ Sobre isso não tenho meditado suficientemente.

# #️⃣ 19

Durante o vosso longo insulamento

— quase podemos dizer cativeiro

— experimentastes algum remorso?

👻 ▸ Nenhum, e por isso sofri tão longamente. Somente quando o senti, foi que ele provocou, sem que disso me apercebesse, as circunstâncias determinantes da vossa evocação ao meu Espírito para início da libertação. Obrigado, pois, a vós que de mim vos apiedastes e me esclarecestes. Efetivamente, temos visto avaros sofrerem à vista do ouro, que para eles não passava de verdadeira quimera; orgulhosos, atormentados pelo ciúme das honrarias prestadas a outros que não eles; homens que dominavam na Terra, humilhados pela potência invisível, constrangidos à obediência, em presença de subordinados que não mais se lhe curvavam; ateus atônitos pela dúvida, em face da imensidade, no mais absoluto insulamento, sem um ser que os esclareça. No mundo dos Espíritos há compensações para todas as virtudes, mas há também penalidades para todas as faltas, e, destas, as que escaparam às leis dos homens são infalivelmente atingidas pelas Leis de Deus. Devemos ainda notar que as mesmas faltas, ainda que cometidas em circunstâncias idênticas, são diversamente punidas, conforme o grau de adiantamento do Espírito delinquente. Aos Espíritos mais atrasados, de natureza mais grosseira, como este de que vimos de nos ocupar, são infligidos castigos de alguma sorte mais materiais que morais, ao passo que o contrário se dá para com aqueles cuja inteligência e sensibilidade estejam mais desenvolvidas. Aos primeiros impõe-se o castigo apropriado à rudeza do seu discernimento, para compreenderem o erro e dele se libertarem. Assim é que a vergonha, por exemplo, causando pouca ou nenhuma impressão para estes, torna-se para aqueles intolerável. Neste divino código penal, a sabedoria, a bondade, a Providência de Deus para com as suas criaturas revelam-se até nas mínimas particularidades, sendo tudo proporcionado e concatenado com admirável solicitude para facilitar ao culpado os meios de reabilitação. As mínimas aspirações são consideradas e recolhidas. Pelos dogmas das penas eternas, ao contrário, são no inferno confundidos os grandes e pequenos criminosos, os culpados de momento e os reincidentes contumazes, os endurecidos e os arrependidos. Além disso, nenhuma tábua de salvação se lhes oferece; a falta momentânea pode acarretar uma condenação eterna e, o que mais é, qualquer benefício que porventura hajam feito, de nada lhes valerá. De que lado, pois, a verdadeira justiça, a verdadeira bondade? Esta evocação nada tem de casual; e como deveria aproveitar a esse infeliz, visto que ele já começava a compreender a enormidade do seu crime, eis que os Espíritos que velavam julgaram oportuno esse socorro eficaz e entraram a facilitar-lhe as circunstâncias propícias. É este um fato que temos visto reproduzir-se frequentemente. Perguntar-se-á que seria deste Espírito se não fosse evocado, o que será de todos os sofredores que o não podem ser, bem como daqueles em que se não pensa... Poderíamos redarguir que os meios de que Deus dispõe para salvar as criaturas são inumeráveis, sendo a evocação um dentre esses meios, porém, não único, certamente. Deus não deixa ninguém olvidado, além de que, sobre os Espíritos suscetíveis de arrependimento, as preces coletivas devem exercer alguma influência. A sorte dos Espíritos sofredores não poderia ser por Deus subordinada à boa vontade e aos conhecimentos humanos. Desde que os homens puderam estabelecer relações regulares com o mundo invisível, uma das primeiras consequências do Espiritismo foi o ensino dos serviços que por meio dessas relações podem prestar aos seus irmãos desencarnados. Deus patenteia por esse modo a solidariedade existente entre todos os seres do universo, ao mesmo tempo que dá a Lei da natureza por base ao princípio da fraternidade. Deus demonstra-nos a feição verdadeira, útil e séria das evocações, até então desviadas do seu fim providencial pela ignorância e pela superstição. Aos sofredores jamais faltaram socorros em qualquer época e, se as evocações lhes proporcionam uma nova via de salvação, aproveitam ainda mais, talvez, aos encarnados, por lhes proporcionar novos meios de fazer o benefício, instruindo-se ao mesmo tempo sobre as condições da vida futura.

# 📄 05. Jacques Latour

(Assassino condenado pelo júri de Foix e executado em setembro de 1864.)

Em reunião íntima de sete a oito pessoas, havida em Bruxelas a 13 de setembro de 1864 e à qual assistíamos, foi pedido a um médium que tomasse do lápis, sem que aliás houvéssemos feito qualquer evocação especial. Possuído de extraordinária agitação, ei-lo a traçar caracteres muito grossos, e depois, rasgando o papel, exclama:

— Arrependo-me! arrependo-me! Latour! Surpreendidos com a inesperada comunicação, de modo algum provocada, visto como ninguém pensara nesse infeliz, cuja morte até então era ignorada por uma parte dos assistentes, dirigimos ao Espírito palavras de conforto e comiseração, fazendo-lhe em seguida esta pergunta:

— Que motivo vos levou a manifestar-vos aqui, de preferência a outro lugar, quando não vos evocamos? Responde o médium de viva voz:

— Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros ou me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados.

— Depois começou por uma cena indescritível que não durou mais de meia hora. O médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa; às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente o seu sofrimento; o tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que ficávamos profundamente comovidos. Alguns estavam mesmo aterrorizados com a superexcitação do médium, mas nós sabíamos que a manifestação de um ente arrependido, que implora piedade, nenhum perigo poderia oferecer. Se ele buscou os órgãos do médium, é que melhor desejava patentear a sua situação, a fim de que mais nos interessássemos pela sua sorte, e não como os Espíritos obsessores e possessores, que visam apoderar-se dos médiuns para os dominarem. Tal manifestação lhe fora talvez permitida não só em benefício próprio, como também para edificação dos circunstantes. Ei-lo a exclamar:

— Oh! sim, piedade... muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada!

— é um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem-fim!... E as minhas vítimas, ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares... “Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem poder fugir-lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue?! Tudo aí está... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-las sempre... sempre... impiedosamente!... O sangue inebria-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-o!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!... Acreditava-me morto, e estou vivo! Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as consequências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro... “Oh! então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, ó meu Deus, porque também eu não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que Vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande criminoso! Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor! Piedade! Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais punhaladas, me varam o coração. “Vós outros que aqui estais, que me ouvis, sede bondosos, almas caritativas. Sim, eu o vejo, sei que tendes piedade de mim, não é verdade? Haveis de orar por mim... “Oh! eu vo-lo suplico, não me abandoneis como fiz outrora aos outros. Pedireis a Deus que me tire este horrível espetáculo de ante os olhos, e Ele vos ouvirá porque sois bons... Imploro, orai por mim.” Os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Deus, disseram-lhe, não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado. Uma vez que o vosso coração não está petrificado e que lhe pedis o perdão dos vossos crimes, a sua misericórdia baixará sobre vós. Preciso é, pois, que persevereis na boa resolução de reparar o mal que fizestes. Certo, não podeis restituir às vítimas as vidas que lhes arrancastes, mas, se o impetrardes com fervor, Deus permitirá que as encontreis em uma nova encarnação, na qual lhes podereis patentear tanto devotamento quanto o mal que lhes fizestes. E quando a reparação lhe parecer suficiente, para logo entrareis na sua santa graça. Assim, a duração do vosso castigo está nas vossas mãos, dependendo de vós o abreviá-lo. Comprometemo-nos a auxiliar-vos com as nossas preces e invocar para vós a assistência dos bons Espíritos. Vamos pronunciar em vossa intenção a prece que se contém em O evangelho segundo o espiritismo, referente aos Espíritos sofredores e arrependidos. Não pronunciaremos a que se refere aos maus Espíritos, porque desde que vos arrependeis, que implorais, que renunciais ao mal, não passais para nós de um Espírito infeliz, e não mau. Feita essa prece, o Espírito continua, depois de breves instantes de calma:

— Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos bons Espíritos para me sustentarem... Obrigado... Depois desta cena o médium fica alquebrado, abatido, os membros lassos por algum tempo. A princípio, apenas tem vaga ideia do que se há passado, mas pouco a pouco vai se lembrando de algumas das palavras que pronunciou sem querer, reconhecendo que não era ele quem falara. No dia seguinte, em nova reunião, o Espírito tornou a manifestar-se, reencetando a cena da véspera, porém por minutos apenas, e isso com a mesma gesticulação expressiva, posto que menos violenta. Depois, tomado de agitação febril, escreveu: “Grato às vossas preces. Experimento já uma sensível melhora. Foi tal o fervor com que orei, que Deus me concedeu um momentâneo alívio; não obstante, terei de ver ainda as minhas vítimas... Ei-las! Ei-las! Vedes este sangue?...” (Repetiu-se a prece da véspera. O Espírito continua dirigindo-se ao médium.) “Perdoai o ter-me apossado de vós. Obrigado pelo alívio que proporcionais aos meus sofrimentos. Perdoai o mal que vos causei, mas eu tenho necessidade de me comunicar, e só vós o podeis... Obrigado! obrigado! que já sinto algum alívio, posto não tenha atingido o fim das provações. As minhas vítimas voltarão dentro em breve. Eis a punição a que fiz jus, mas, Deus meu, sede indulgente. Orai todos vós por mim, tende piedade.” Latour

Um membro da Sociedade Espírita de Paris, que tinha orado por este infeliz, evocando-o, obteve intervaladamente as seguintes comunicações:

# #️⃣ 01

“Fui evocado quase imediatamente depois da minha morte, porém não pude manifestar-me logo, de modo que muitos Espíritos levianos tomaram-me o nome e a vez. Aproveitei a estada em Bruxelas do Presidente da Sociedade de Paris, e comuniquei-me, com a aquiescência de Espíritos superiores. Voltarei a manifestar-me na Sociedade, a fim de fazer revelações que serão um começo de reparação às minhas faltas, podendo também servir de ensinamento a todos os criminosos que me lerem e meditarem na exposição dos meus sofrimentos. É somente sobre o Espírito dos homens fracos ou das crianças que a narrativa de penas infernais pode produzir efeitos terroristas. Ora; um grande malfeitor não é um Espírito pusilânime, e o temor de um polícia é para ele mais real que a descrição dos tormentos do inferno. Eis por que todos os que me lerem ficarão comovidos com as minhas palavras e com os meus padecimentos, que não são ficções. Não há um só padre que possa dizer que viu o que tenho visto, porque tenho assistido às torturas dos danados. Mas quando eu vier dizer: Eis o que se passou após a minha morte, a morte do corpo; eis a minha enorme decepção ao reconhecer-me vivo, ao contrário do que supunha e tinha tomado pelo termo dos suplícios, quando era o começo de outras torturas, aliás indescritíveis!

— então, mais de um ser estará à borda do precipício em que ia despenhar-se, e cada um dos desgraçados, desviados por mim da senda criminosa, concorrerá para o resgate das minhas faltas. Foi-me permitido libertar-me do olhar das minhas vítimas transformadas em carrascos, a fim de comunicar-me convosco; ao deixar-vos, entretanto, tornarei a vê-las e só esta ideia me causa tal sofrimento que eu não poderia descrevê-lo. Sou feliz quando me evocam, porque assim deixo o meu inferno por alguns instantes. Orai sempre ao Senhor por mim, pedi-lhe que me liberte do olhar das minhas vítimas. Sim, oremos juntos. A prece faz tanto bem... Estou mais aliviado; não sinto tão pesado o fardo que me acabrunha. Vejo um resquício de esperança luzindo-me aos olhos e, contrito, exclamo: Bendita a mão do Senhor e seja feita a sua vontade!”

# #️⃣ 02

O médium.

— Em vez de pedir a Deus para vos furtar ao olhar das vossas vítimas, eu vos convido a pedir comigo para que vos dê a força necessária a fim de suportardes essa tortura expiatória. Latour.

— Eu preferiria livrar-me de tais olhares. Se soubésseis o quanto sofro... O homem mais insensível comover-se-ia vendo impressos na minha fisionomia, como que a fogo, os sofrimentos de minha alma. Farei, entretanto, o que me aconselhais, pois compreendo ser esse um meio de expiar um pouco mais rapidamente as minhas faltas. É qual dolorosa operação que viesse curar um corpo gravemente adoentado. Ah! Pudessem ver-me os culpados da Terra, e ficariam apavorados das consequências de seus crimes, desses crimes que, ignorados dos homens, são, no entanto, vistos pelos Espíritos. Como a ignorância é fatal para tantas pessoas! “Que responsabilidade assumem os que recusam instrução às classes pobres da sociedade! Acreditam que com polícia e soldados se previnem crimes... Que grande erro!”

# #️⃣ 03

“Terríveis são os meus sofrimentos, porém, depois que por mim orais, sinto-me confortado por bons Espíritos, os quais me dizem para ter esperança. Compreendo a eficácia do remédio heroico que me aconselhastes e peço a Deus me dê forças para suportar esta dura expiação, aliás igual, posso afirmá-lo, ao mal que fiz. Não quero escusar-me das minhas atrocidades; mas o certo é que, para nenhuma das minhas vítimas, salvo a precedência de alguns instantes, na morte, a dor não existia, e as que tinham terminado a provação terrena foram receber a recompensa que as aguardava. Para mim, entretanto, ao voltar ao mundo dos Espíritos, só houve sofrimentos infernais, excetuados os curtos instantes em que me manifestava. Em que pesem aos seus quadros terroristas, os padres só têm uma fraca noção dos verdadeiros sofrimentos que a Justiça divina reserva aos infratores da lei do amor e da caridade. Como insinuar a pessoas sensatas que uma alma, isto é, uma coisa imaterial, possa sofrer ao contato do fogo material? É absurdo, e por isso tantos e tantos criminosos se riem desses painéis fantásticos do inferno. O mesmo porém não se dá quanto à dor moral do condenado, após a morte física. Orai para que o desespero não se aposse de mim.”

# #️⃣ 04

“Muito grato vos sou pela perspectiva que me trouxestes e a cujo fim glorioso sei que devo chegar quando purificado. Sofro muito, mas parece-me que os sofrimentos diminuem. Não posso acreditar que, no mundo dos Espíritos, a dor diminua pouco a pouco à força de hábito. Não. O que eu depreendo é que as vossas preces salutares me aumentaram as forças, de modo que, pelas mesmas dores, com mais resignação, eu menos sofro. O pensamento se me volve então para a última existência e vejo as faltas que teria conjurado se soubesse orar. Hoje compreendo a eficácia da prece; compreendo o valor dessas mulheres honestas e piedosas, fracas pela carne, porém fortes pela fé; compreendo, enfim, esse mistério ignorado pelos supostos sábios da Terra. Prece! palavra que por si só provoca o riso dos Espíritos fortes. Aqui os espero no mundo espiritual, e, quando a venda que encobre a verdade se romper para eles, então, a seu nuto se prosternarão aos pés do Eterno a quem desprezaram e serão felizes em se humilhar para que seus pecados e crimes sejam revelados! Hão de compreender então a virtude da prece. Orar é amar, e amar é orar! E eles amarão o Senhor e lhe dirigirão preces de reconhecimento e de amor, regenerados pelo sofrimento. E, pois que devem sofrer, pedirão como eu peço a força necessária ao sofrimento e à expiação. Deixando de sofrer, hão de orar ainda para agradecer o perdão merecido por sua submissão e resignação. Oremos, irmão, para que mais me fortaleça... Oh! obrigado à tua caridade, meu irmão, pois que estou perdoado. Deus me liberta do olhar das minhas vítimas. Ó meu Deus! Bendito sejais vós por toda a eternidade, pela graça que me concedeis! Ó meu Deus! Sinto a enormidade dos meus crimes e curvo-me ante a vossa onipotência. Senhor! eu vos amo de todo o meu coração e vos suplico a graça de me permitirdes, ao vosso arbítrio, sofrer novas provações na Terra; voltar a ela como missionário da paz e da caridade, ensinando as crianças a pronunciar com respeito o vosso nome. Peço-vos que me seja possível ensinar que vos amem, a vós, Pai que sois de todas as criaturas. Obrigado, meu Deus! Sou um Espírito arrependido, e sincero é o meu arrependimento. Tanto quanto meu impuro coração pode comportá-lo, eu vos amo com esse sentimento que é pura emanação da vossa divindade. Irmão, oremos, pois meu coração transborda de reconhecimento. Estou livre, quebrei os grilhões, não sou mais um réprobo. Sou um Espírito sofredor, mas arrependido, a desejar que o meu exemplo pudesse conter nos umbrais do crime todas as mãos criminosas que vejo prestes a levantarem-se. Oh! para trás, recuai, irmãos, pois as torturas que preparais serão atrozes! Não acrediteis que o Senhor se deixará tão prontamente submeter à prece dos seus filhos. São séculos de torturas que vos esperam.” O guia do médium.

— Dizes que não compreendes as palavras do Espírito. Procura ter uma ideia da sua emoção e do seu reconhecimento para com o Senhor, coisas que ele acredita não poder testemunhar melhor do que tentando demover todos esses criminosos por ele vistos, mas que tu não podes ver. Aos ouvidos desses, quereria ele que chegassem as suas palavras; mas o que te não disse ele, porque o ignora ainda, é que lhe será permitido o início de missões reparadoras. Irá para junto dos que lhe foram cúmplices, procurando inspirar-lhes arrependimento, implantando em seus corações o gérmen do remorso. Frequentemente se veem na Terra pessoas tidas por honestas lançarem-se aos pés de um sacerdote para se acusarem de um crime. É o remorso quem lhes dita a confissão da culpa. Pois se o véu que te encobre o mundo invisível se desfizesse, verias muitas vezes o Espírito cúmplice ou instigador de um crime, tal como o fará Jacques Latour, inspirando o remorso ao Espírito encarnado, no afã de reparar a própria falta. Teu guia protetor

Mais tarde, o médium de Bruxelas, o mesmo que recebera o primeiro ditado, obteve o seguinte: “Nada mais receeis de mim, que estou tranquilo, em que pese ao sofrimento que ainda tenho. Vendo o meu arrependimento, Deus teve compaixão de mim. Agora sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a enormidade dos meus crimes. Bem aconselhado na vida, eu não teria jamais praticado todo esse mal, mas, sem repressão, obedeci cegamente aos meus instintos. Se todos os homens pensassem mais em Deus, ou, antes, se nele acreditassem, tais faltas não seriam cometidas. Falha é, porém, a justiça dos homens; uma falta muita vez passageira leva o homem ao cárcere, que não deixa de ser um foco de perversão. Daí sai ele completamente corrompido pelos maus exemplos e conselhos. Dado porém que a sua índole seja boa e forte para se não corromper, ainda assim, de lá saído, ele vai encontrar fechadas todas as portas, retraídas todas as mãos, indiferentes todos os corações! Que lhe resta, pois? O desprezo, a miséria, o abandono e o desespero, se é que o assistem boas resoluções de se corrigir. Então a miséria o leva aos extremos, e assim é que também ele se toma de desprezo por seu semelhante, assim é que o odeia e perde a noção do bem e do mal, por isso que repelido se encontra, a despeito das suas boas intenções. Para angariar o necessário, rouba, mata às vezes, e depois... depois o executam! Meu Deus, ao ser presa novamente das minhas alucinações, sinto que a vossa mão se estende por sobre mim; sinto que a vossa bondade me envolve e protege. Obrigado, meu Deus! na próxima existência empregarei toda a minha inteligência no socorro aos desgraçados que sucumbiram, a fim de os preservar da queda. Obrigado a vós que não desdenhais de comunicar comigo; nada receeis, pois bem o vedes, eu não sou mau. Quando pensardes em mim, não vos figureis o meu retrato pelo que de mim vistes, mas o de uma alma angustiada que agradece a vossa indulgência. Adeus; evocai-me ainda e orai a Deus por mim.” Latour

(Estudo sobre o Espírito Jacques Latour.)

Não se pode desconhecer a profundeza e a alta significação de algumas das frases encerradas nessa comunicação. Além disso, ela oferece um dos aspectos do mundo dos Espíritos em castigo, pairando ainda assim sobre ele a Misericórdia divina. A alegoria mitológica das Eumênides 8 não é tão ridícula como parece, e os demônios, carrascos oficiais do mundo invisível, que as substituem perante as modernas crenças, são menos racionais com seus cornos e forcados, do que estas vítimas que servem elas próprias ao castigo do culpado. Admitindo-se a identidade deste Espírito, talvez se estranhe tão pronta mudança do seu moral. É o caso da ponderação já feita, de que pode um Espírito brutalmente mau ter em si melhores predicados do que o dominado pelo orgulho ou pela hipocrisia. Esta reversão a sentimentos mais benéficos indica uma natureza mais selvagem que perversa, à qual apenas faltava boa direção. Comparando esta linguagem com a de outro Espírito, adiante consignada sob a epígrafe: castigo pela luz, é fácil concluir qual dos dois seja mais adiantado moralmente, apesar da disparidade de instrução e hierarquia social, obedecendo um ao natural instinto de ferocidade, a uma espécie de superexcitação, ao passo que o outro empresta à perpetração dos seus crimes a calma e sangue-frio inerentes às lentas e obstinadas combinações, afrontando ainda depois de morto o castigo, por orgulho. Este sofre e não o confessa, ao passo que aquele prontamente se submete. Também por aí podemos prever qual deles sofrerá por mais tempo. Diz o Espírito Latour: “Eu sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a extensão dos meus crimes.” Aí está um pensamento profundo. O Espírito só compreende a gravidade dos seus malefícios depois que se arrepende. O arrependimento acarreta o pesar, o remorso, o sentimento doloroso, que é a transição do mal para o bem, da doença moral para a saúde moral. É para se furtarem a isso que os Espíritos perversos se revoltam contra a voz da consciência, quais doentes a repelirem o remédio que os há de curar. E assim procuram iludir-se, aturdir-se e persistir no mal. Latour chegou a esse período no qual se extingue o endurecimento, acabando por ceder. Entra-lhe o remorso pelo coração, o arrependimento o assedia, e, compreendendo o mal que fez, vê a sua degradação e sofre dela. Eis por que ele diz: “Sofro por causa desse arrependimento.” Na precedente encarnação, ele devia ter sido pior que na última, visto que, se se tivesse arrependido como agora, melhor lhe teria sido a vida subsequente. As resoluções, por ele ora tomadas, influirão sobre a sua vida terrestre no futuro; e a encarnação que teve nem por ser criminosa deixou de assinalar-lhe um estádio de progresso. E é muito provável que antes de a iniciar ele fosse na erraticidade um desses muitos Espíritos rebeldes, obstinados no mal. A muitas pessoas ocorre perguntar qual seja o proveito dessa anterioridade de existência, desde que dela nos não lembramos e nem temos ideia do que fomos nem do que fizemos. Esta questão está assaz liquidada pela razão de que tal lembrança seria inútil, visto como de todo apagado o mal cometido, sem que dele nos reste um traço no coração, também com ele não nos devemos preocupar. Quanto aos vícios de que porventura não estejamos inteiramente despojados, nós os conhecemos pelas nossas tendências atuais, e para elas é que devemos voltar todas as atenções. Basta saber o que somos, sem que seja necessário saber o que fomos. Se considerarmos as dificuldades que há na existência para a reabilitação do Espírito, por maior que seja o seu arrependimento, as reprovações de que se torna objeto, devemos louvar a Deus por ter cerrado esse véu sobre o passado. Condenado a tempo ou absolvido que fosse, os antecedentes de Latour fá-lo-iam um enjeitado da sociedade. Quem o acolheria com intimidade, apesar do seu arrependimento? Entretanto, as intenções que ora patenteia, como Espírito, nos dão a esperança de que venha a ser na próxima encarnação um homem honesto e estimado. Suponhamos que soubessem que esse homem honesto fora Latour, e a reprovação continuaria a persegui-lo. Esse véu sobre o passado é que lhe franqueia a porta da reabilitação, porque pode sem receio e sem pejo ombrear-se com os mais honestos. Quantos há que desejariam poder apagar da memória de outrem certas fases da própria vida? Qual a doutrina que melhor se concilia com a bondade e Justiça de Deus? Ademais, esta doutrina não é uma teoria, porém o resultado de observações. Por certo não foram os Espíritos que a imaginaram, porém eles viram e observaram as situações diferentes que muitos Espíritos apresentam, e daí o procurarem explicá-las, originando-se então a doutrina. Aceitaram-na, pois, como resultante dos fatos, e ainda por lhes parecer mais racional que todas as emitidas até hoje relativamente ao futuro da alma. Não se pode recusar a estas comunicações um grande fundo moral. O Espírito poderia ter sido auxiliado nesses raciocínios e, sobretudo, na escolha das suas expressões, por outros mais adiantados; mas o fato é que estes apenas influem na forma, que não na essência, e jamais fazem que o Espírito inferior esteja em contradição consigo mesmo. Assim é que em Latour poderiam ter poetizado a forma do arrependimento, mas não lho insinuaram contra sua vontade, porque o Espírito tem o seu livre-arbítrio. Em Latour lobrigaram o gérmen dos bons sentimentos e por isso o auxiliaram a exprimir-se, contribuindo assim para desenvolvê-lo, ao mesmo tempo que em seu favor imploravam comiseração. Que há de mais digno, mais moralizador, capaz de impressionar mais vivamente, do que o espetáculo deste grande criminoso exprobrando-se a si mesmo o desespero e os remorsos? Desse criminoso que, perseguido pelo incessante olhar de suas vítimas e torturado, eleva a Deus o pensamento implorando misericórdia? Não será isso um exemplo salutar para os culpados? Posto que simples e desprovidos de fantasmagóricas encenações, compreende-se a natureza dessas angústias, porque elas, apesar de terríveis, são racionais. Poder-se-ia talvez estranhar tão grande transformação num homem como Latour... Mas por que havia de ser inacessível ao arrependimento? Por que não possuir também ele a sua corda sensível? O pecador seria, pois, votado ao mal eternamente? Não lhe chegaria, por fim, um momento em que a luz se lhe fizesse na alma? Era justamente essa hora que chegara para Latour; e ali está precisamente o lado moral dos seus ditados; é a compreensão que ele tem do seu estado, são os seus pesares, os seus planos de reparação, que tornam tais mensagens eminentemente instrutivas. Que haveria de extraordinário se Latour confessasse um arrependimento sincero antes da morte, se dissesse antes da morte o que veio dizer depois? Não há, quanto a isso, inúmeros exemplos? Uma regeneração antes da morte passaria, aos olhos do maior número dos seus iguais, por fraqueza; mas essa voz de além-túmulo é seguramente a revelação daquilo mesmo que os aguarda. Ele está em absoluto com a verdade, quando afirma ser o seu exemplo mais eficaz que a perspectiva das chamas do inferno, e até do cadafalso. Por que não lhes ministrar esses sentimentos no cárcere? Eles fariam refletir, do que aliás já temos alguns exemplos. Mas como crer nas palavras de um morto, quando ninguém acredita que para além da morte não esteja tudo acabado? Entretanto, dia virá em que se reconheça esta verdade: os mortos podem vir instruir os vivos. Outras muitas instruções importantes se podem tirar dessas comunicações; assim, a confirmação deste princípio de eterna justiça, pela qual ao culpado não basta o arrependimento apenas, sendo este o primeiro passo para a reabilitação que atrai a divina Misericórdia. O arrependimento é o prelúdio do perdão, o alívio dos sofrimentos, mas porque Deus não absolve incondicionalmente, faz-se mister a expiação, e principalmente a reparação. Assim o entende Latour, e para tanto se predispõe. Se compararmos este criminoso àquele de Castelnaudary, veremos ainda uma diferença nos castigos. Naquele o arrependimento foi tardio, e, consequentemente, mais longa a pena. Além disso, essa pena era quase material, ao passo que para Latour o foi antes moral, porque, como acima dissemos, havia grande diferença intelectual entre eles. Ao outro, impunha-se coisa que pudesse ferir-lhe os sentidos obliterados; mas é preciso notar que as penas morais não serão menos pungentes para todo aquele que esteja em condições de compreendê-las. Podemos inferi-lo dos clamores do próprio Latour, que não são de cólera, mas antes a expressão dos remorsos, de perto seguidos de arrependimento e desejo de reparação, visando o progresso.

# 📑 07. Espíritos endurecidos

# 📄 01. Lapommeray

(Castigo pela luz.)

Em uma das sessões da Sociedade de Paris, durante a qual se discutira a perturbação que geralmente acompanha a morte, um Espírito, ao qual ninguém fizera alusão e muito menos se pretendera evocar, manifestou-se espontaneamente pela seguinte comunicação, que, conquanto não assinada, se reconheceu como de um grande criminoso recentemente atingido pela justiça humana:

— Que dizeis da perturbação? Para que essas palavras ocas? Sois sonhadores e utopistas. Ignorais redondamente o assunto do qual vos ocupais. Não, senhores, a perturbação não existe, a não ser nos vossos cérebros. Estou bem morto, tão morto quanto possível e vejo claro em mim, ao derredor de mim, por toda parte!... A vida é uma comédia lúgubre! Insensatos os que se retiram da cena antes que o pano caia. A morte é terror, aspiração ou castigo, conforme a fraqueza ou a força dos que a temem, afrontam ou imploram. Mas é também para todos amarga irrisão. “A luz ofusca-me e penetra, qual flecha aguda, a sutileza do meu ser. Castigaram-me com as trevas do cárcere e acreditavam castigar-me ainda com as trevas do túmulo, senão com as sonhadas pelas superstições católicas... “Pois bem, sois vós que padeceis da obscuridade, enquanto eu, degredado social, me coloco em plano superior. Eu quero ser o que sou!... Forte pelo pensamento, desdenhando os conselhos que zumbem aos meus ouvidos... Vejo claro... Um crime! É uma palavra! O crime existe em toda parte. Quando executado pelas massas, glorificam-no, e, individualizado, consideram-no infâmia. Absurdo! “Não quero que me deplorem... nada peço... lutarei por mim mesmo, só, contra esta luz odiosa.” Aquele que ontem era um homem

Analisada esta comunicação na assembleia seguinte, reconheceu-se no próprio cinismo da sua linguagem um profundo ensinamento, patenteando na situação desse infeliz uma nova fase do castigo que espera o culpado. Efetivamente, enquanto alguns são imersos em trevas ou num absoluto insulamento, outros sofrem por longos anos as angústias da extrema hora, ou acreditam-se ainda encarnados. Para estes, a luz brilha, gozando o Espírito, e plenamente, das suas faculdades, sabendo-se morto e não se lastimando, antes repelindo qualquer assistência e afrontando ainda as Leis divinas e humanas. Quererá isto dizer que escapassem à punição? De modo algum; é que a Justiça de Deus completa-se sob todas as formas, e o que a uns causa alegria é para outros um tormento. A luz faz o suplício desse Espírito, e é ele próprio que o confessa, em que pese ao seu orgulho, quando diz que lutará por si mesmo, só, contra essa luz odiosa. E ainda nesta frase: “a luz ofusca-me e penetra, qual flecha aguda, a sutileza do meu ser”. Essas palavras: “sutileza do meu ser”, são características, dando a entender que sabe que o seu corpo é fluídico e penetrável à luz, à qual não pode escapar, luz que o penetra qual aguda flecha. Este Espírito aqui está colocado entre os endurecidos, em razão do muito tempo que levou, antes que manifestasse arrependimento

— o que é também um exemplo a mais para provar que o progresso moral nem sempre acompanha o progresso intelectual. Entretanto, pouco a pouco se foi corrigindo esse Espírito, e deu mais tarde ditados instrutivos e sensatos. Hoje, ele poderá ser colocado entre os Espíritos arrependidos. Convidados a emitirem a sua apreciação a respeito, os nossos guias espirituais ditaram as três seguintes comunicações, aliás dignas da mais séria atenção.

# 1

Sob o ponto de vista das existências, os Espíritos na erraticidade podem considerar-se inativos e na expectativa; mas, ainda assim, podem expiar, uma vez que o orgulho e a tenacidade formidável dos seus erros não os tolham no momento da progressiva ascensão. Tivestes disso um exemplo terrível na última comunicação desse criminoso impenitente, debatendo-se com a Justiça divina a constringi-lo depois da dos homens. Neste caso a expiação ou, antes, o sofrimento fatal que os oprime, em vez de lhes ser útil, inculcando-lhes a profunda significação de suas penas, exacerba-os na rebeldia, e dá azo às murmurações que a escritura em sua poética eloquência denomina ranger de dentes. Esta frase, simbólica por excelência, é o sinal do sofredor abatido, porém insubmisso, isolado na própria dor, mas bastante forte ainda para recusar a verdade do castigo e da recompensa! Os grandes erros perduram no mundo espiritual quase sempre, assim como as consciências grandemente criminosas. Lutar, apesar de tudo, e desafiar o infinito, pode comparar-se à cegueira do homem que, contemplando as estrelas, as tivesse por arabescos de um teto, tal como temiam os gauleses do tempo de Alexandre. 9 O infinito moral existe! E miserável e mesquinho é quem, a pretexto de continuar as lutas e imposturas abjetas da Terra, não vê mais longe no outro mundo, do que neste. Para esse a cegueira, o desprezo alheio, o egoístico sentimento da personalidade, são empecilhos ao seu progresso. Homem! é bem verdade que existe um acordo secreto entre a imortalidade de um nome puro, legado à Terra, e a imortalidade realmente conservada pelos Espíritos nas suas sucessivas provações. Lamennais

# 2

Precipitar um homem nas trevas ou em ondas de luz não dará o mesmo resultado? Num como noutro caso, esse homem nada vê do que o cerca, e habituar-se-á mesmo mais facilmente à sombra do que à monótona claridade elétrica, na qual pode estar submerso. O Espírito manifestado na última sessão exprime bem a verdade quando diz: “Oh! eu saberei libertar-me dessa odiosa luz.” De fato, essa luz é tanto mais terrível, horrorosa, quanto ela o penetra completamente e lhe devassa os pensamentos mais recônditos. Aí está uma das circunstâncias mais rudes de tal castigo espiritual. O Espírito encontra-se, por assim dizer, na casa de vidro pedida por Sócrates. Disso decorre ainda um ensinamento, visto como o que seria alegria e consolo para o sábio, transforma-se em punição infamante e contínua para o perverso, para o criminoso, para o parricida, sobressaltado em sua própria personalidade. Meus filhos, calculai o sofrimento, o terror dos hipócritas que se compraziam em toda uma existência sinistra a planejar, a combinar os mais hediondos crimes no seu foro íntimo, quais feras refugiadas no seu antro, e que hoje, expulsas desse covil íntimo, não se podem furtar à investigação dos seus pares... Arrancada que lhe seja a máscara da impassibilidade, todos os pensamentos se lhe estampam na fronte! Sim, e além de tudo nenhum repouso, nada de asilo para esse formidando criminoso. Todo pensamento mau

— e Deus sabe se a sua alma o exprime

— se lhe trai por fora e por dentro, como impelido por choque elétrico irresistível. Procura esquivar-se à multidão, e a luz odiosa o devassa continuamente. Quer fugir, e desanda numa carreira infrene, desesperada, através dos espaços incomensuráveis, e por toda a parte luz, olhares que o observam. E corre, e voa novamente em busca da sombra, em busca da noite, e sombra e noite não mais existem para ele! Chama pela morte... Mas a morte não é mais que palavra sem sentido. E o infeliz foge sempre, a caminho da loucura espiritual

— castigo tremendo, dor horrível, a debater-se consigo para se desembaraçar de si mesmo, porque tal é a lei suprema para além da Terra, isto é: o culpado busca por si mesmo o seu mais inexorável castigo. Quanto tempo durará esse estado? Até o momento em que a vontade, por fim vencida, se curve constrangida pelo remorso, humilhada a fronte altiva ante os Espíritos de justiça e ante as suas vítimas apaziguadas. Notai a lógica profunda das leis imutáveis; com isso o Espírito realizará o que escrevia nessa altaneira comunicação tão clara, tão lúcida, tão desconsoladoramente egoística, comunicação que vos deu na sexta-feira passada, redigindo-a por um ato da sua própria vontade. Erasto

# 3

A justiça humana não faz distinção de individualidades, quanto aos seres que castiga; medindo o crime pelo próprio crime, fere indistintamente os infratores, e a mesma pena atinge o paciente sem distinção de sexo, qualquer que seja a sua educação. De modo diverso procede a Justiça divina, cujas punições correspondem ao grau de progresso dos seres aos quais elas são infligidas. Igualdade de crimes não importa, de fato, igualdade individual, visto como dois homens culpados, sob o mesmo ponto de vista, podem separar-se pela dessemelhança de provações, imergindo um deles na opacidade intelectiva dos primeiros círculos iniciadores, enquanto o outro dispõe, por haver ultrapassado esses círculos, da lucidez que isenta o Espírito da perturbação. E nesse caso não são mais as trevas a puni-lo, mas a agudeza da luz espiritual que vara a inteligência terrena e lhe faz sentir as dores de uma chaga viva. Os seres desencarnados que presenciam a representação material dos seus crimes, sofrem o choque da eletricidade física: padecem pelos sentidos. E aqueles que pelo Espírito estejam desmaterializados sofrem uma dor muito superior que lhes aniquila, por assim dizer, em seus amargores, a lembrança dos fatos, deixando subsistir a noção de suas respectivas causas. Assim, pode o homem, a despeito da sua criminalidade, possuir um progresso interno e elevar-se acima da espessa atmosfera das baixas camadas, isto pelas faculdades intelectuais sutilizadas, embora tivesse, sob o jugo das paixões, procedido como um bruto. A ausência de ponderação, o desequilíbrio entre o progresso moral e o intelectual, produzem essas tão frequentes anomalias nas épocas de materialismo e transição. A luz que tortura o Espírito é, portanto e precisamente, o raio espiritual inundando de claridades os secretos recessos do seu orgulho e descobrindo-lhe a inanidade do seu fragmentário ser. Aí estão os primeiros sintomas e as primeiras angústias da agonia espiritual, que anunciam a separação ou dissolução dos elementos intelectuais e materiais componentes da primitiva dualidade humana, e que devem desaparecer na unidade grandiosa do ser acabado. Jean Reynaud

Além de se completarem reciprocamente, estas três comunicações, obtidas simultaneamente, apresentam o castigo debaixo de um novo prisma, aliás eminentemente filosófico e racional. É provável que os Espíritos, querendo tratar do assunto de acordo com um exemplo, tivessem provocado a manifestação do culpado. Ao lado dessa descrição baseada sobre um fato, eis aqui, para estabelecer um paralelo, a que foi feita por um pregador durante a quaresma, em Montreuil-sur-Mer, em 1864, sobre o inferno: “O fogo do inferno é milhões de vezes mais intenso que o da Terra, e se acaso um dos corpos que lá se queimam, sem se consumirem, fosse lançado ao planeta, empestá-lo-ia de um a outro extremo! O inferno é vasta e sombria caverna, eriçada de agudas pontas de lâminas de espadas aceradas, de lâminas de navalhas afiadíssimas, nas quais são precipitadas as almas dos condenados.” (Ver a Revista espírita, julho de 1864.)

# 📄 02. Angèle, nulidade sobre a Terra

(Bordeaux, 1862.)

Com este nome, um Espírito se apresentou espontaneamente ao médium.

# #️⃣ 01

Arrependei-vos das vossas faltas?

👻 ▸ Não.

  • Então por que me procurais?

👻 ▸ Para experimentar.

  • Acaso não sois feliz?

👻 ▸ Não.

  • Sofreis?

👻 ▸ Não.

  • Que vos falta, pois?

👻 ▸ A paz. Certos Espíritos só consideram sofrimento o que lhes lembra as suas dores físicas, convindo, não obstante, ser intolerável o seu estado moral.

# #️⃣ 02

Como pode faltar-vos a paz na vida espiritual?

👻 ▸ Uma mágoa do passado.

  • A mágoa do passado é remorso; estareis, pois, arrependida?

👻 ▸ Não; temor do futuro é o que experimento.

  • Que temeis?

👻 ▸ O desconhecido.

# #️⃣ 03

Estais disposta a dizer-me o que fizestes na última encarnação? Isso talvez me facilite a orientar-vos.

👻 ▸ Nada.

# #️⃣ 04

Qual a vossa posição social?

👻 ▸ Mediana.

  • Fostes casada?

👻 ▸ Sim; fui esposa e mãe.

  • E cumpristes zelosa os deveres decorrentes desse duplo encargo?

👻 ▸ Não; meu marido entediava-me, bem como meus filhos.

# #️⃣ 05

E de que modo preenchestes a existência?

👻 ▸ Divertindo-me em solteira e enfadando-me como mulher.

  • Quais eram as vossas ocupações?

👻 ▸ Nenhuma.

  • E quem cuidava da vossa casa?

👻 ▸ A criada.

# #️⃣ 06

Não será cabível atribuir a essa inércia a causa dos vossos pesares e temores?

👻 ▸ Talvez tenhais razão, mas não basta concordar.

  • Quereis reparar a inutilidade dessa existência e auxiliar os Espíritos sofredores que nos cercam?

👻 ▸ Como?

  • Ajudando-os a aperfeiçoarem-se pelos vossos conselhos e pelas vossas preces.

👻 ▸ Eu não sei orar.

  • Fá-lo-emos juntos e aprendereis. Sim?

👻 ▸ Não.

  • Mas por quê?

👻 ▸ Cansa.

Instruções do guia do médium – Damos-te instrução, facultando-te o conhecimento prático dos diversos estados de sofrimento, bem como da situação dos Espíritos condenados à expiação das próprias faltas. Angèle era uma dessas criaturas sem iniciativa, cuja existência é tão inútil a si como ao próximo. Amando apenas o prazer, incapaz de procurar no estudo, no cumprimento dos deveres domésticos e sociais as únicas satisfações do coração, que fazem o encanto da vida, porque são de todas as épocas, ela não pôde empregar a juventude senão em distrações frívolas; e quando deveres mais sérios se lhe impuseram, já o mundo se lhe havia feito um vácuo, porque vazio também estava o seu coração. Sem faltas graves, mas também sem méritos, ela fez a infelicidade do marido, comprometendo pela sua incúria e desleixo o futuro dos próprios filhos. Deturpou-lhes o coração e os sentimentos, já por seu exemplo, já pelo abandono em que os deixou, entregues a fâmulos, que ela nem sequer se dava ao trabalho de escolher. A sua existência foi improfícua e, por isso mesmo, culposa, visto que o mal é oriundo da negligência do bem. Ficai bem certos de que não basta abster-vos de faltas: é preciso praticar as virtudes que lhes são opostas. Estudai os ensinamentos do Senhor: meditai-os e compenetrai-vos de que eles, se vos fazem estacar na senda do mal, também vos impõem voltar atrás, a fim de tomardes o caminho oposto que conduz ao bem. O mal é a antítese do bem; logo, quem quiser evitar o primeiro deve seguir o segundo, sem o qual a vida se torna nula, mortas as suas obras, e Deus, nosso pai, não é o Deus dos mortos, mas dos vivos.

  • Ser-me-á permitido saber qual teria sido a penúltima existência de Angèle? A última deveria ter sido consequência dela, isto é, da penúltima.

👻 ▸ Ela viveu na indolência beatífica, na inutilidade da vida monástica. Preguiçosa e egoísta por gosto, quis experimentar a vida doméstica, mas seu Espírito pouco progrediu. Sempre repeliu a voz íntima que lhe apontava o perigo, e, como a propensão era suave, preferiu abandonar-se a ela, a fazer um esforço para sustá-la em começo. Hoje ainda compreende o perigo dessa neutralidade, mas não se sente com forças para tentar o mínimo esforço. Orai por ela, procurai despertá-la e fazer que seus olhos se abram à luz. É um dever, e dever algum se despreza. O homem foi criado para a atividade; a atividade do Espírito é da sua própria essência; e a do corpo, uma necessidade. Cumpri, portanto, as prescrições da existência, como Espírito votado à paz eterna. A serviço do Espírito, o corpo mais não é que máquina submetida à inteligência: trabalhai, cultivai, portanto, a inteligência, para que dê salutar impulso ao instrumento que deve auxiliá-la no cumprimento de sua missão. Não lhe concedais tréguas nem repouso, tendo em mente que essa paz a que aspirais não vos será concedida senão pelo trabalho. Assim, quanto mais protelardes este, tanto mais durará para vós a ansiedade de espera. Trabalhai, trabalhai incessantemente; cumpri todos os deveres sem exceção, isto com zelo, com coragem, com perseverança. A fé vos alentará. Todo aquele que desempenha conscientemente o papel mais ingrato e vil da vossa sociedade, é cem vezes mais elevado aos olhos do Onipotente do que aquele que, impondo esse papel aos outros, despreza o seu. Tudo é degrau que dá acesso ao Céu: não quebreis a lápide sob os pés e contai com o concurso de amigos que vos estendem a mão, sustentáculos que são dos que vão haurir suas forças na crença do Senhor. Monod

# 📄 03.Um Espírito aborrecido

(Bordeaux, 1862.)

Este Espírito apresenta-se espontaneamente ao médium, reclamando preces.

# #️⃣ 01

Que vos leva a pedir preces?

👻 ▸ Estou farto de vagar sem objetivo.

  • Estais há muito em tal situação?

👻 ▸ Faz 180 anos mais ou menos.

  • Que fizestes na Terra?

👻 ▸ Nada de bom.

# #️⃣ 02

Qual a vossa posição entre os Espíritos?

👻 ▸ Estou entre os entediados.

  • Mas isso não forma categoria...

👻 ▸ Entre nós, tudo forma categoria. Cada sensação encontra suas semelhantes, ou suas simpatias que se reúnem.

# #️⃣ 03

Por que permanecestes tanto tempo estacionário, sem que fôsseis condenado a sofrer?

👻 ▸ É que eu estava votado ao tédio, que entre nós é um sofrimento. Tudo o que não é alegria, é dor.

  • Fostes, pois, forçado à erraticidade contra a vontade?

👻 ▸ São coisas sutilíssimas para vossa inteligência material.

  • Procurando explicar-me essas coisas, talvez comeceis a beneficiar-vos a vós mesmos...

👻 ▸ Faltando-me termos de comparação, não poderei fazê-lo. Uma vida sem proveito, extinguindo-se, lega ao Espírito, que encarnou, o mesmo que ao papel pode legar o fogo quando o consome

— fagulhas, que lembram às cinzas ainda compactas a sua proveniência, a causa do seu nascimento, ou, se o quiseres, da destruição do papel. Essas fagulhas são a lembrança dos laços terrestres que vinculam o Espírito, até que este disperse as cinzas do seu corpo. Então, e só então, tem ele, eterizada essência, o conhecimento de si mesmo, desejando o progresso.

# #️⃣ 04

Qual poderia ter sido a causa desse aborrecimento de que vos acusais?

👻 ▸ Consequências da existência. O tédio é filho da inação; por não ter eu sabido utilizar o longo tempo de encarnação, as consequências vieram refletir-se neste mundo.

# #️⃣ 05

Os Espíritos que, como vós, foram tomados de tédio, não podem libertar-se de tal contingência desde que o desejem?

👻 ▸ Não, nem sempre, porque o tédio lhes paralisa a vontade. Sofrem as consequências da vida que levaram, e, como foram inúteis, desprovidos de iniciativa, assim também não encontram entre si concurso algum. Entregues a si mesmos, nesse estado permanecem, até que o cansaço, decorrente de tal neutralidade, os agite em sentido contrário, momento no qual a sua menor vontade vai encontrar apoio e bons conselhos e secundar-lhes o esforço e a perseverança.

# #️⃣ 06

Podeis dizer-me algo da vossa existência terrena?

👻 ▸ Oh! Deveis compreender que pouco me é dado dizer, visto como o tédio, a nulidade e a inação provêm da preguiça, que, por sua vez, é mãe da ignorância.

# #️⃣ 07

E não vos aproveitaram as existências anteriores?

👻 ▸ Sim, todas, porém, parcamente, visto serem reflexos umas das outras. O progresso existe sempre, porém tão insensível que se nos torna inapreciável.

# #️⃣ 08

Enquanto esperais uma nova encarnação, apraz-vos repetir as vossas comunicações?

👻 ▸ Evocai-me para me obrigardes a vir, pois com isso me prestareis um benefício.

# #️⃣ 09

Podeis dizer-nos por que tão frequentemente varia a vossa caligrafia?

👻 ▸ Porque interrogais muito, o que aliás me fatiga, quando tenho necessidade de auxílio. O guia do médium.

— O trabalho intelectual é que o fatiga, obrigando-nos a prestar o nosso concurso para que possa dar resposta às tuas perguntas. Este é um ocioso no mundo espiritual, assim como o foi no planeta. Trouxemo-lo a ti para que tentasses arrancá-lo dessa apatia, desse tédio que constitui verdadeiro sofrimento, às vezes mais doloroso que os sofrimentos agudos, por se poder prolongar indefinidamente. Imagina a perspectiva de um tédio sem-fim. A maior parte das vezes são os Espíritos dessa categoria que buscam as vidas terrestres apenas como passatempo e para interromper a monotonia da vida espiritual. Assim acontece aí chegarem frequentemente sem resoluções definidas para o bem, obrigados a recomeçarem sucessivamente, até atingirem a compreensão do verdadeiro progresso.

# 📄 04. A rainha de Oude

(Falecida em França, em 1858.)

# #️⃣ 01

Quais as vossas sensações ao deixardes o mundo terrestre?

👻 ▸ Ainda perturbada, torna-se-me impossível explicá-las.

  • Sois feliz?

👻 ▸ Tenho saudades da vida... não sei... experimento acerba dor da qual a vida me libertaria... quisera que o corpo se levantasse do túmulo...

# #️⃣ 02

Lamentais o ter sido sepultada entre cristãos, que não no vosso país?

👻 ▸ Sim, a terra indiana menos me pesaria sobre o corpo.

  • Que pensais das honras fúnebres tributadas aos vossos despojos?

👻 ▸ Não foram grande coisa, pois eu era rainha e nem todos se curvaram diante de mim... Deixai-me... forçam-me a falar, quando não quero que saibais o que ora sou... Asseguro-vos, eu era rainha...

# #️⃣ 03

Respeitamos a vossa hierarquia e só insistimos para que nos respondais no propósito de nos instruirmos. Acreditais que vosso filho recupere de futuro os Estados de seu pai?

👻 ▸ Meu sangue reinará, por certo, visto como é digno disso.

  • Ligais a essa reintegração de vosso filho a mesma importância que lhe dáveis quando encarnada?

👻 ▸ Meu sangue não pode confundir-se na multidão.

# #️⃣ 04

Não se pôde fazer constar na respectiva certidão de óbito o lugar do vosso nascimento; podereis no-lo dizer, agora?

👻 ▸ Sou oriunda do mais nobre dos sangues da Índia. Penso que nasci em Delhi.

# #️⃣ 05

Vós, que vivestes nos esplendores do luxo, cercada de honras, que pensais hoje de tudo isso?

👻 ▸ Que tenho direito.

  • A vossa hierarquia terrestre concorreu para que tivésseis outra mais elevada nesse mundo em que ora estais?

👻 ▸ Continuo a ser rainha... que se enviem escravas para me servirem!... Mas... não sei... parece-me que pouco se preocupam com a minha pessoa aqui... e contudo eu... sou sempre a mesma.

# #️⃣ 06

Professáveis a religião muçulmana ou a hindu?

👻 ▸ Muçulmana; eu, porém, era bastante poderosa para que me ocupasse de Deus.

  • No ponto de vista da felicidade humana, quais as diferenças que assinalais entre a vossa religião e o Cristianismo?

👻 ▸ A religião cristã é absurda; diz que todos são irmãos.

  • Qual a vossa opinião a respeito de Maomé?

👻 ▸ Não era filho de rei.

  • Acreditais que ele tenha tido uma missão divina?

👻 ▸ Isso que me importa?!

  • Qual a vossa opinião quanto ao Cristo?

👻 ▸ O filho do carpinteiro não é digno de preocupar meus pensamentos.

# #️⃣ 07

Que pensais desse uso pelo qual as mulheres muçulmanas se furtam aos olhos masculinos?

👻 ▸ Penso que as mulheres nasceram para dominar: eu era mulher.

  • Tendes inveja da liberdade de que gozam as europeias?

👻 ▸ Que poderia importar-me tal liberdade? Servem-nas, acaso, de joelhos?

# #️⃣ 08

Tendes reminiscências de encarnações anteriores a esta que vindes de deixar?

👻 ▸ Deveria ter sido sempre rainha.

# #️⃣ 09

Por que acudistes tão prontamente ao nosso apelo?

👻 ▸ Não queria fazê-lo, mas forçaram-me. Acaso julgarás que eu me dignaria responder-te? Que és tu a meu lado?

  • E quem vos forçou a vir?

👻 ▸ Eu mesma não sei... posto que não deva existir ninguém mais poderoso do que eu.

# #️⃣ 10

Sob que forma vos apresentais aqui?

👻 ▸ Sempre rainha... e pensas que eu tenha deixado de o ser? És pouco respeitoso... fica sabendo que não é desse modo que se fala a rainhas.

# #️⃣ 11

Se nos fosse dado enxergar-vos, ver-vos-íamos com os vossos ornatos e pedrarias?

👻 ▸ Certamente...

  • E como se explica o fato de, despojado de tudo isso, conservar o vosso Espírito tais aparatos, sobretudo os ornamentos?

👻 ▸ É que eles me não deixaram. Sou tão bela quanto era, e não compreendo o juízo que de mim fazeis! É verdade que nunca me vistes.

# #️⃣ 12

Qual a impressão que vos causa em vos achardes entre nós?

👻 ▸ Se eu pudesse evitá-la... Tratam-me com tão pouca cortesia... (São Luís.)

— Deixai-a, a pobre perturbada. Tende compaixão da sua cegueira e oxalá vos sirva de exemplo. Não sabeis quanto padece o seu orgulho. Evocando esta grandeza decaída ao túmulo, não esperávamos respostas de grande alcance, dado o gênero da educação feminina nesse país; julgávamos, porém, encontrar nesse Espírito, não diremos filosofia, mas pelo menos uma noção mais aproximada da realidade, e ideias mais sensatas relativamente a vaidades e grandezas terrenas. Longe disso, vimos que o Espírito conservava todos os preconceitos terrestres na plenitude da sua força; que o orgulho nada perdeu das suas ilusões; que lutava contra a própria fraqueza e, finalmente, que muito devia sofrer pela sua impotência.

# 📄 05. Xumène

(Bordeaux, 1862.)

Sob este nome, um Espírito se apresenta espontaneamente ao médium habituado a este gênero de manifestações, pois sua missão parece ser a de assistir os Espíritos inferiores que o seu guia espiritual lhe conduz, no duplo propósito da sua própria instrução e do progresso deles.

  • Quem sois? Este nome é de homem ou de mulher?

👻 ▸ De homem, e tão infeliz quanto possível. Sofro todos os tormentos do inferno.

  • Mas se o inferno não existe, como podeis sofrer-lhe as torturas?

👻 ▸ Pergunta inútil.

  • Compreendo, mas outros precisam de explicações...

👻 ▸ Isso pouco me incomoda.

  • O egoísmo não será uma das causas do vosso sofrimento?

👻 ▸ Pode ser.

  • Se quiserdes ser aliviado, começai repudiando as más tendências...

👻 ▸ Não te incomodes com o que não é da tua conta; principia orando por mim, como praticas com os outros, e depois veremos.

  • A não me auxiliardes com o vosso arrependimento, a prece pouco valor poderá ter.

👻 ▸ Mas falando, em vez de orares, menos ainda me adiantarás.

  • Então desejais adiantar-vos?

👻 ▸ Talvez... não sei. Vejamos o essencial, isto é, se a prece alivia os sofrimentos.

  • Unamos então os nossos pensamentos com a firme vontade de obter o vosso alívio.

👻 ▸ Vá lá.

  • (Depois da prece.) Estais satisfeito?

👻 ▸ Não como fora para desejar.

  • Mas o remédio, aplicado pela primeira vez, não pode curar imediatamente um mal antigo...

👻 ▸ É possível...

  • Quereis voltar?

👻 ▸ Se me chamares... O guia da médium.

— Filha, terás muito trabalho com este Espírito endurecido, mas o maior mérito não advém de salvar os não perdidos. Coragem, perseverança, e triunfarás afinal. Não há culpados que se não possam regenerar por meio da persuasão e do exemplo, visto como os Espíritos, por mais perversos, acabam por corrigir-se com o tempo. O fato de muitas vezes ser impossível regenerá-los prontamente, não importa na inutilidade de tais esforços. Mesmo a contragosto, as ideias sugeridas a tais Espíritos fazem-nos refletir. São como sementes que, cedo ou tarde, tivessem de frutificar. Não se arrebenta a pedra com a primeira marretada. Isto que te digo pode aplicar-se também aos encarnados e tu deves compreender a razão por que o Espiritismo não faz imediatamente homens perfeitos, mesmo entre os adeptos mais crentes. A crença é o primeiro passo; vindo em seguida a fé e a transformação a seu turno; mas, além disso, força é que muitos venham revigorar-se no mundo espiritual. Entre os Espíritos endurecidos, não há só perversos e maus. Grande é o número dos que, sem fazer o mal, estacionam por orgulho, indiferença ou apatia. Estes, nem por isso, são menos infelizes, pois tanto mais os aflige a inércia quanto mais se veem privados das mundanas compensações. Intolerável, por certo, se lhes torna a perspectiva do infinito, porém eles não têm nem a força nem a vontade para romper com essa situação. Referimo-nos a esses indivíduos que levam uma existência ociosa, inútil a si como ao próximo, acabando muita vez no suicídio, sem motivos sérios, por aborrecimento da vida. Em regra, tais Espíritos são menos passíveis de imediata regeneração, do que os positivamente maus, visto como estes ao menos dispõem de energia, e, uma vez doutrinados, votam-se ao bem com o mesmo ardor que lhes inspirava o mal. Aos outros, muitas encarnações se fazem precisas para que progridam, e isto pouco a pouco, domados pelo tédio, procurando, para se distraírem, qualquer ocupação que mais tarde venha transformar-se em necessidade.

# 📑 08. Expiações terrestres

# 📄 01. Marcel, o menino do #4

Havia num hospital de província um menino de 8 a 10 anos, cujo estado era difícil precisar. Designavam-no pelo no 4. Totalmente contorcido, já pela sua deformidade inata, já pela doença, as pernas se lhe torciam roçando pelo pescoço, num tal estado de magreza, que eram pele sobre ossos. O corpo, uma chaga; os sofrimentos, atrozes. Era oriundo de uma família israelita. A moléstia dominava aquele organismo, já de oito longos anos, e no entanto demonstrava o enfermo uma inteligência notável, além de candura, paciência e resignação edificantes. O médico que o assistia, cheio de compaixão pelo pobre um tanto abandonado, visto que seus parentes pouco o visitavam, tomou por ele certo interesse. E achava-lhe um quê de atraente na precocidade intelectual. Assim, não só o tratava com bondade, como lia-lhe quando as ocupações lho permitiam, admirando-se do seu critério na apreciação de coisas a seu ver superiores ao discernimento da sua idade. Um dia, o menino disse-lhe:

— Doutor, tenha a bondade de me dar ainda uma vez aquelas pílulas ultimamente receitadas.

— Para quê?

— replicou-lhe o médico

— se já te ministrei o suficiente, e maior quantidade pode fazer-te mal...

— É que eu sofro tanto, que dificilmente posso orar a Deus para que me dê forças, pois não quero incomodar os outros enfermos que aí estão. Essas pílulas fazem-me dormir e, ao menos quando durmo, a ninguém incomodo. Aqui está quanto basta para demonstrar a grandeza dessa alma encerrada num corpo informe. Onde teria ido essa criança haurir tais sentimentos? Certo, não foi no meio em que se educou; além disso, na idade em que principiou a sofrer, não possuía sequer o raciocínio. Tais sentimentos eram-lhe inatos: mas então por que se via condenado ao sofrimento, admitindo-se que Deus houvesse concomitantemente criado uma alma assim tão nobre e aquele mísero corpo –– instrumento dos suplícios? É preciso negar a bondade de Deus, ou admitir a anterioridade de causa; isto é, a preexistência da alma e a pluralidade das existências. Os últimos pensamentos desta criança, ao desencarnar, foram para Deus e para o caridoso médico que dela se condoeu. Decorrido algum tempo, foi o seu Espírito evocado na Sociedade de Paris, onde deu a seguinte comunicação (1863): “A vosso chamado, vim fazer que a minha voz se estenda para além deste círculo, tocando todos os corações. Oxalá seu eco se faça ouvir na solidão, lembrando-lhes que as agonias da Terra têm por premissas as alegrias do Céu; que o martírio não é mais do que a casca de um fruto deleitável, dando coragem e resignação. Essa voz lhes dirá que, sobre o catre da miséria, estão os enviados do Senhor, cuja missão consiste na exemplificação de que não há dor insuperável, desde que tenhamos o auxílio do Onipotente e dos seus bons Espíritos. Essa voz lhes fará ouvir lamentações de mistura com preces, para que lhes compreendam a harmonia piedosa, bem diferente da de coros de lamentações mescladas com blasfêmias. Um dos vossos bons Espíritos, grande apóstolo do Espiritismo, cedeu-me o seu lugar por esta noite. 10 Por minha vez, também me compete dizer algo sobre o progresso da vossa Doutrina, que deve auxiliar em sua missão os que entre vós encarnam para aprender a sofrer. O Espiritismo será a pedra de toque; os padecentes terão o exemplo e a palavra, e então as imprecações se transformarão em gritos de alegria e lágrimas de contentamento.”

— Pelo que afirmais, parece que os vossos sofrimentos não eram expiação de faltas anteriores...

👻 ▸ Não seriam uma expiação direta, mas asseguro-vos que todo sofrimento tem uma causa justa. Aquele a quem conhecestes tão mísero foi belo, grande, rico e adulado. Eu tivera turiferários e cortesãos, fora fútil e orgulhoso. Anteriormente fui bem culpado; reneguei Deus, prejudiquei meu semelhante, mas expiei cruelmente, primeiro no mundo espiritual e depois na Terra. Os meus sofrimentos de alguns anos apenas, nesta última encarnação, suportei-os eu anteriormente por toda uma existência que raiou pela extrema velhice. Por meu arrependimento reconquistei a graça do Senhor, o qual me confiou muitas missões, inclusive a última, que bem conheceis. E fui eu quem as solicitou, para terminar a minha depuração. “Adeus, amigos; tornarei algumas vezes. A minha missão é de consolar, e não de instruir. Há, porém, aqui muitas pessoas cujas feridas jazem ocultas, e essas terão prazer com a minha presença.” Marcel

Instruções do guia do médium

— Pobrezinho sofredor, definhado, ulceroso e disforme! Nesse asilo de misérias e lágrimas, quantos gemidos exalados! E como era resignado... e como a sua alma lobrigava já então o termo dos sofrimentos, apesar da tenra idade! No além-túmulo, pressentia a recompensa de tantos gemidos abafados, e esperava! E como orava também por aqueles que não tinham resignação no sofrimento, pelos que trocavam preces por blasfêmias! Foi-lhe lenta a agonia, mas terrível não lhe foi a hora do trespasse; certo, os membros convulsos contorciam-se, oferecendo aos assistentes o espetáculo de um corpo disforme a revoltar-se contra a morte, nessa lei da carne que a todo o custo quer viver, mas um anjo bom lhe pairava por sobre o leito mortuário e cicatrizava-lhe o coração. Depois, esse anjo arrebatou nas asas brancas essa alma tão bela a escapar-se de tão horripilante corpo, e foram estas as palavras pronunciadas: “Glória a vós, Senhor, meu Deus!” E a alma subiu ao Todo-Poderoso, feliz, e exclamou: “Eis-me aqui, Senhor; destes-me por missão exemplificar o sofrimento... terei suportado dignamente a provação?” Hoje, o Espírito da pobre criança avulta, paira no Espaço, vai do fraco ao humilde, e a todos diz: “Esperança e coragem.” Livre de todas as impurezas da matéria, ele aí está junto de vós a falar-vos, a dizer-vos não mais com essa voz fraca e lastimosa, porém agora firme: “Todos que me observaram, viram que a criança não murmurava, e hauriram nesse exemplo a calma para os seus males e seus corações se tonificaram na suave confiança em Deus, que outro não era o fim da minha curta passagem pela Terra.” Santo Agostinho

# 📄 02. Szymel Slizgol

Este não passou de um pobre israelita de Vilna, falecido em maio de 1865. Durante 30 anos mendigou com uma salva nas mãos. Por toda a cidade era bem conhecida aquela voz que dizia: “Lembrai-vos dos pobres, das viúvas e dos órfãos!” Por essa longa peregrinação Slizgol havia juntado 90.000 rublos, não guardando, porém, para si, um só copeque. Aliviava e curava os enfermos; pagava o ensino de crianças pobres; distribuía aos necessitados a comida que lhe davam. A noite, destinava-a ele ao preparo do rapé, que vendia a fim de prover às suas necessidades, e o que lhe sobrava era dos pobres. Foi só no mundo, e no entanto o seu enterro teve o acompanhamento de grande parte da população de Vilna, cujos armazéns cerraram as portas.

Sociedade de Paris, 15 de junho de 1865

Evocação: Excessivamente feliz, chegado, enfim, à plenitude do que mais ambicionava e bem caro paguei, aqui estou, entre vós, desde o cair da noite. Agradecido, pelo interesse que vos desperta o Espírito do pobre mendigo, que, com satisfação, vai procurar responder às vossas perguntas.

  • Uma carta de Vilna nos deu conhecimento das particularidades mais notáveis da vossa existência, e da simpatia que tais particularidades nos inspiram nasceu o desejo de nos comunicar convosco. Agradecemos a vossa presença, e, uma vez que quereis responder-nos, principiaremos por vos assegurar que mui felizes seremos se, para nossa orientação, pudermos conhecer a vossa posição espiritual, bem como as causas que determinaram o gênero de vida que tivestes na última encarnação.

👻 ▸ Em primeiro lugar, concedei ao meu Espírito, cônscio da sua verdadeira posição, o favor de vos transmitir a sua opinião, com respeito a um pensamento que vos ocorreu quanto à minha personalidade. E reclamo previamente os vossos conselhos, para o caso de ser falsa essa minha opinião. “Parece-vos singular que as manifestações públicas tomassem tanto vulto, para homenagear a memória do homem insignificante que soube por seu Espírito caridoso atrair tal simpatia. Não me refiro a vós, caro mestre, nem a ti, prezado médium, nem a vós outros verdadeiros e sinceros espíritas; falo, sim, para as pessoas indiferentes à crença, pois, nisso, nada houve de extraordinário. A pressão moral, exercida pela prática do bem, sobre a humanidade, é tal que, por mais materializada que esta seja, inclina-se sempre, venera o bem, a despeito da sua tendência para o mal. “Agora, as perguntas que, da vossa parte, não são ditadas pela curiosidade, mas simplesmente formuladas no intuito de ampliar o ensino. Visto que disponho de liberdade, vou, portanto, dizer-vos, o mais laconicamente possível, quais as causas determinantes da minha última existência. “Faz muitos séculos, vivia eu com o título de rei, ou, pelo menos, de príncipe soberano. Dentro da esfera do meu poder relativamente limitado, em confronto com os atuais Estados, era eu, no entanto, absoluto senhor dos meus vassalos, como dos seus destinos, e governava-os tiranicamente, ou antes

— digamos o próprio termo

— como algoz. “Dotado de caráter impetuoso, violento, além de avaro e sensual, podeis avaliar qual deveria ter sido a sorte dos pobres seres sujeitos ao meu domínio. Além de abusar do poder para oprimir o fraco, eu subordinava empregos, trabalhos e dores ao serviço das próprias paixões. Assim, impunha uma dízima ao produto da mendicidade, e ninguém poderia acumular sem que eu antecipadamente lhe tomasse uma cota avultada, dessas sobras que a piedade humana deixava resvalar para as sacolas da miséria. E mais ainda: a fim de que não decrescesse o número de mendigos entre os meus vassalos, proibia aos infelizes darem aos amigos, parentes e fâmulos necessitados a parte insignificante do que ainda lhes restava. Em uma palavra, fui tudo quanto se pode imaginar de mais cruel, em relação ao sofrimento e à miséria alheia. No meio de sofrimentos horrorosos, acabei por perder isso a que chamais

— vida, tanto que minha morte era apontada como exemplo aterrador a quantos como eu, posto que em menor escala, tinham o mesmo modo de pensar. “Como Espírito, permaneci na erraticidade durante três séculos e meio, e, quando ao fim desse tempo compreendi que a razão de ser da reencarnação era inteiramente outra que não a seguida por meus grosseiros sentidos, obtive à força de preces, de resignação e de pesares a permissão de suportar materialmente os mesmos sofrimentos que infligira, e mais profundamente sensíveis que os por mim ocasionados. Obtida a permissão, Deus concedeu que por meu livre-arbítrio aumentasse os sofrimentos físicos e morais. Graças à assistência dos bons Espíritos, persisti na prática do bem, e sou-lhes agradecido por me terem impedido de sucumbir sob o fardo que tomara. Finalmente, preenchi uma existência de abnegação e caridade, que por si resgatou as faltas de outra, cruel e injusta. Nascido de pais pobres e cedo orfanado, aprendi a ganhar o pão numa idade em que muitos consideram incapaz o raciocínio. “Vivi sozinho, sem amor, sem afeições, e desde o princípio suportei as brutalidades que para com outros havia exercido. “Dizem que as somas por mim esmoladas foram todas destinadas ao alívio dos meus semelhantes: É um fato inconcusso, ao qual, sem orgulho nem ênfase, devo acrescentar que

— muitíssimas vezes, com sacrifício de privações relativamente imperiosas, aumentava o benefício que me permitiam fazer à caridade pública. Desencarnei calmamente, confiando no valor da minha reparação, e sou premiado muito mais do que poderiam ter cogitado as minhas secretas aspirações. Hoje sou feliz, felicíssimo, podendo afirmar-vos que todos quantos se elevam serão humilhados, como elevados serão todos quantos se humilharem.”

  • Tende a bondade de dizer-nos em que consistiu a vossa expiação no mundo espiritual, e quanto tempo durou, a contar da vossa morte até o momento da atenuação por efeito do arrependimento e das boas resoluções. Dizei-nos também o que foi que provocou a mudança das vossas ideias, no estado espiritual.

👻 ▸ Essa pergunta desperta-me muitas recordações dolorosas! Quanto sofri eu... Mas não que me não lamente: apenas recordo!... Quereis saber a natureza da minha expiação? Pois ei-la na sua terrível hediondez: “Carrasco que fui de todos os bons sentimentos, fiquei por muito, por longo tempo preso pelo perispírito ao corpo em decomposição. Até que esta se completasse, vi-me corroído pelos vermes

— o que muito me torturava! e quando me vi liberto das peias que me prendiam ao instrumento do suplício, mais cruel suplício me esperava!... Depois do sofrimento físico, o sofrimento moral muito mais longo. Fui colocado em presença de todas as minhas vítimas. Periodicamente, constrangido por uma força superior, era eu levado a rever o quadro vivo dos meus crimes. E via física e moralmente todas as dores que a outrem fizera sofrer! Ah! meus amigos, que terrível é a visão constante daqueles a quem fizemos mal! Entre vós, tendes apenas um fraco exemplo no confronto do acusado com a sua vítima. Aí tendes, em resumo, o que sofri durante três séculos e meio, até que Deus, compadecido da minha dor e tocado pelo meu arrependimento, solicitado pelos que me assistiam, permitisse a vida de expiação que conheceis.”

  • Algum motivo particular vos induziu à escolha da última existência, subordinada à religião israelita?

👻 ▸ Não escolhi por mim só, mas ouvi o conselho dos meus guias. A religião de Israel era uma pequena humilhação a mais na minha prova, visto como em certos países a maioria dos encarnados menosprezam os judeus, e principalmente os judeus mendicantes.

  • Na Terra, com que idade começastes a vossa obra de expiação? Como vos ocorreu o pensamento de vos desobrigar das resoluções previamente tomadas? Ao exercerdes tão abnegadamente a caridade, teríeis a intuição das causas que a isso vos predispunham?

👻 ▸ Meus pais eram pobres, porém inteligentes e avaros. Moço ainda, eu fui privado da afeição e carinhos de minha mãe. A perda desta me causou tanto maior e fundo pesar, quanto meu pai, dominado pela avidez de ganhos, me abandonava por completo. Quanto aos meus irmãos, todos mais velhos do que eu, não pareciam aperceber-se das minhas mágoas. Foi um outro judeu quem, movido por sentimento mais egoístico do que caritativo, me recolheu em sua casa e me ensinou a trabalhar. O que isso lhe custara era largamente compensado pelo meu trabalho, aliás excedente muitas vezes às minhas forças. Mais tarde, liberto desse jugo, trabalhei por minha conta; mas em toda parte, no trabalho como no repouso, perseguia-me a saudade de minha mãe, e, à medida que avançava em anos, a lembrança desse ser mais fundamente se me gravara na memória, lamentando em demasia a perda do seu amor e do seu zelo. Não tardou fosse eu o único dos meus, pois a morte em breve, dentro de meses, ceifou-me toda a família. Então, principiou a manifestar-se-me o modo pelo qual havia de passar o resto da vida. Dois dos meus irmãos deixaram órfãos, e eu, comovido pela recordação do que como órfão sofrera, quis preservar os pobrezinhos de uma juventude igual à minha. “Não produzindo o meu trabalho o suficiente para sustentá-los a todos, comecei a pedir esmola, não para mim, mas para outros. A Deus não aprazia visse eu o resultado, a consolação dos meus esforços, e assim foi que também os pobrezinhos me deixaram para sempre. “Eu bem via o que lhes faltava

— era a mãe. Resolvi, pois, pedir para as viúvas infelizes que, sem poderem trabalhar para si e seus filhinhos, se impunham privações fatais, que acabavam por matá-las, legando ao mundo pobres órfãos abandonados e votados aos tormentos que eu mesmo suportara. “A esse tempo contava eu 30 anos, e nessa idade, saudável e vigoroso, viram-me pedir para a viúva e para o órfão. Penosos me foram os primeiros passos, a suportar mais de um epíteto deprimente; quando, porém, se certificaram de que eu realmente distribuía pelos pobres o que recebia; quando souberam que a essa distribuição ainda ajuntava as sobras do meu trabalho; então, adquiri certo conceito que não deixava de me ser grato. “Durante os 60 e alguns anos de encarnado, jamais deixei de atender à tarefa que me impusera. Também jamais a consciência me fez sentir que causas anteriores à existência fossem o móbil do meu proceder. Um dia somente, e antes de começar a pedir, ouvi estas palavras: ‘Não façais a outrem o que não quiserdes que vos façam.’ “Surpreendido pelos princípios gerais de moralidade contidos nessas poucas palavras, muitas vezes parecia-me ouvi-las acrescidas com estas outras: ‘Mas fazei, ao contrário, o que quiserdes que vos façam.’ Tendo por auxiliares a lembrança de minha mãe e dos meus próprios sofrimentos, continuei a trilhar uma senda que a minha consciência dizia ser boa. “Vou terminar esta longa comunicação, dizendo:

— Obrigado! “Imperfeito ainda, sei, contudo, que o mal só acarreta o mal, e de novo, como já o fiz, dedicar-me-ei ao bem para alcançar a felicidade.” Szymel Slizgol

# 📄 03. Julienne-Marie, a mendiga

Na comuna de Villate, perto de Nozai (Loire-Inferior), havia uma pobre mulher de nome Julienne-Marie, velha, enferma, vivendo da caridade pública. Um dia caiu num poço, do qual foi tirada por um conterrâneo, A..., que habitualmente a socorria. Transportada para casa, aí desencarnou pouco tempo depois, vítima desse acidente. Era voz geral que Julienne tentara suicidar-se. Logo no dia do seu enterro, a pessoa que lhe acudira, e que era espírita e médium, sentiu como que um leve contato de pessoa que estivesse próxima, sem que procurasse explicar-se a causa desse fenômeno. Ao ter ciência do trespasse de Julienne-Marie, veio-lhe ao pensamento a visita possível do seu Espírito. A conselho dum seu amigo da Sociedade de Paris, a quem tinha informado da ocorrência, fez a evocação com o fito de ser útil ao Espírito, não sem que pedisse previamente o conselho dos seus protetores, que lhe deram a seguinte comunicação: “Poderás fazê-lo e com isso lhe darás prazer, conquanto se torne desnecessário o benefício que tens em mente prestar-lhe. Ela é feliz e inteiramente devotada aos que se lhe mostraram compassivos. Tu és um dos seus bons amigos; ela quase que te não deixa e contigo se comunica muitas vezes, sem que o saibas. Cedo ou tarde os serviços são recompensados, e, quando o não sejam pelo próprio beneficiado, sê-lo-ão pelos que por ele se interessam, antes e depois da morte. Se acaso o Espírito do beneficiado não tiver ainda reconhecido a sua nova situação, outros Espíritos, a ele simpáticos, vêm dar o testemunho de sua gratidão. Eis aí o que te pode explicar a sensação que tiveste no dia mesmo da passagem de Julienne-Marie. Agora, será ela a auxiliar-te na prática do bem. Lembra-te do queesse Espírito poderá prestar-te, desde que lhe peças assistência com o intuito de ser útil ao próximo.” Evocação:

— Boa Julienne-Marie, sei que sois feliz e é tudo quanto desejava saber; isso não impede, porém, que de vós me lembre muitas vezes, bem como de não vos esquecer nas minhas preces.

👻 ▸ Tem confiança em Deus, procura inspirar aos teus doentes uma fé sincera, porque assim alcançarás sempre o que desejares. Não te preocupes jamais com a recompensa, porque ela será sempre superior ao que podes esperar. Deus sabe recompensar justamente a quem se dedique ao alívio dos seus irmãos, inspirado por absoluto desinteresse. A não ser assim, tudo é ilusão, é quimera. É preciso ter fé antes de tudo, pois de outro modo nada se conseguirá. Lembra-te desta máxima e ficarás admirado dos seus resultados. Os dois doentes que curaste são a prova do que te afirmo, pois, no estado em que estavam, só com remédios nada terias conseguido. Quando implorares permissão a Deus para que os bons Espíritos te transmitam fluidos benéficos, se não sentires um estremecimento involuntário, é que a tua prece não foi bastante fervorosa para ser ouvida. É só nestas condições que a prece pode tornar-se valiosa. Nem outra coisa resulta de dizer: “Deus Todo-Poderoso, Pai de bondade e misericórdia infinita, permiti que os bons Espíritos me assistam na cura de... Tende piedade dele, Senhor; restituí-lhe a saúde, porque, sem vós, eu nada posso fazer. Seja feita a vossa vontade.” Tens feito bem em não desdenhar os humildes; a voz daquele que sofreu resignadamente as misérias desse mundo, é sempre ouvida, e nenhum serviço deixa jamais de ser recompensado. Agora, uma palavra a meu respeito, confirmativa do que acima te disse: O Espiritismo te explica a minha linguagem de Espírito, sem que aliás me seja preciso entrar em minúcias a tal respeito. Outrossim, julgo inútil falar-te da minha existência anterior. A situação em que me conheceste na Terra far-te-á compreender e julgar as precedentes encarnações, nem sempre isentas de mácula. Condenada a uma existência miserável, enferma, inválida, mendiguei em toda a minha vida. Não acumulei dinheiro, e na velhice as parcas economias não passavam de uma centena de francos, reservados para a hipótese de ficar chumbada no leito, entrevada. disse Jesus: Aquele que se humilhar será exaltado. Tu verás o serviço que “Deus, julgando suficiente a expiação e a prova, deu-lhes um termo, libertou-me da vida terrestre sem sofrimentos, porquanto não me suicidei, como a princípio julgaram. “Desencarnei subitamente à borda do poço, quando a Deus enviara da Terra a minha última prece. Depois, pela declividade do terreno, meu corpo resvalou naturalmente. “Não sofri ao dar-se o meu trespasse, e sou feliz por ter cumprido a minha missão sem vacilações, resignadamente. Tornei-me útil na medida das minhas forças, evitando sempre prejudicar os meus semelhantes. Hoje recebo o prêmio e dou graças a Deus, ao nosso divino Mestre, que mitiga o travo das provações, fazendo-nos esquecer, quando encarnados, as faltas do passado, ao mesmo tempo que nos põe sobre o caminho almas caridosas, outros tantos auxiliares que atenuam o peso, o fardo das nossas culpas anteriores. Persevera tu também, que, como eu, serás recompensado. Agradeço-te as boas preces e o serviço que me prestaste. Jamais o esquecerei. Um dia nos tornaremos a ver e muitas coisas te serão explicadas, coisas cuja explicação hoje seria extemporânea. Fica certo somente da minha dedicação, de que estarei ao teu lado sempre que de mim precisares para aliviar os que sofrem. “A mendiga velhinha.” Julienne-Marie

Evocado a 10 de junho de 1864, na Sociedade de Paris, o Espírito Julienne ditou a mensagem seguinte: “Caro presidente: obrigada por quererdes admitir-me ao vosso centro. Previstes, sob o ponto de vista social, a superioridade das minhas antecedentes encarnações, pois, se voltei à Terra com a prova da pobreza, foi para punir-me do vão orgulho com o qual repelia os pobres, os miseráveis. Assim, passei pela pena de talião, fazendo-me a mais horrenda mendiga deste país; mas, ainda assim, como que para certificar-me da bondade de Deus, nem por todos fui repelida: e esse era todo o meu temor. Também foi sem queixumes que suportei a provação, pressentindo uma vida melhor, da qual não mais tornaria ao mundo do exílio e da calamidade. Que ventura a desse dia em que a nossa alma rejuvenescida pode franquear a vida espiritual para aí rever os seres amados! Sim, porque também amei e considero-me feliz pelo encontro dos que me precederam. Obrigada a A..., esse bom amigo que me facultou a expressão do reconhecimento. Sem a sua mediunidade eu não lhe poderia provar, agradecida, que minha alma não se esquece das benéficas influências de um coração bondoso, qual o seu, recomendando-lhe que procure progredir em sua divina crença. Já que ele tem por missão regenerar as almas transviadas, que fique bem certo do meu auxílio. E eu posso retribuir-lhe pelo cêntuplo o que por mim fez, instruindo-o na senda que percorreis. Agradecei ao Senhor o permitir que os bons Espíritos vos orientem, a fim de animardes o pobre nas suas mágoas, e deterdes o rico em seu orgulho. Capacitai-vos de quanto é vergonhosa a repulsa para com os infelizes, servindo-vos o meu exemplo, a fim de evitardes o retorno à Terra, em expiação de faltas, nas dolorosas posições sociais que vos coloquem tão baixo a ponto de serdes considerado escória da sociedade.” Julienne-Marie

Transmitida a A... esta comunicação, ele por sua vez obteve a que se segue, o que é aliás uma confirmação:

  • Boa Julienne, uma vez que é vosso desejo auxiliar-me com os vossos conselhos, a fim de que me adiante em nossa santa Doutrina, vinde comunicar-vos comigo, certa de que me esforçarei por aproveitar-vos os ensinamentos.

👻 ▸ Lembra-te da recomendação que vou fazer e não te afastes dela jamais. Procura sempre ser caridoso na medida de tuas forças; compreendes a caridade tal como deve ser praticada em todos os atos da vida. Não tenho necessidade, por conseguinte, de aconselhar-te uma coisa da qual podes tu mesmo ser o juiz; todavia, dir-te-ei que sigas a voz da consciência, a qual jamais te enganará, desde que a consultes sinceramente. Não te iludas com as missões a cumprir; pequenos e grandes, cada qual tem a sua missão. Penosa foi a minha, porém, eu fazia jus a tal punição, em consequência das precedentes existências, como confessei ao bom presidente da Sociedade-máter, de Paris, que um dia vos há de congregar a todos. Esse dia vem menos longe do que supões, pois o Espiritismo caminha a passos largos, apesar de todos os óbices que se lhe antepõem. Segui, pois, sem temores, fervorosos adeptos; segui, que os vossos esforços serão coroados por outros tantos êxitos. Que vos importa o que de vós possam dizer? Colocai-vos acima da crítica irrisória, a qual recairá sobre os próprios adversários do Espiritismo. “Ah! os orgulhosos! julgam-se fortes pensando poder aniquilar-vos, mas... bons amigos, tranquilizai-vos e não receeis enfrentá-los, porque são menos invencíveis do que porventura possais supor. Dentre eles, há muitos receosos de que a verdade lhes venha deslumbrar os olhos. Esperai, que acabarão por vir auxiliar a coroação da obra.” Julienne-Marie

Aqui está um fato repleto de ensinamentos. Quem se dignar meditar sobre estas três comunicações, nelas encontrará condensados todos os grandes princípios do Espiritismo. Logo na primeira comunicação, o Espírito manifesta a sua superioridade pela linguagem; qual gênio benfazejo e como que metamorfoseada, esta mulher radiante vem proteger aqueles mesmos que a desprezaram sob os andrajos da miséria. É a aplicação destas máximas evangélicas: “Os grandes serão rebaixados e os pequenos serão exaltados; felizes os humildes, felizes os aflitos, porque serão consolados; não desprezeis os pequenos, porque aquele que vos parece pequeno neste mundo, pode ser bem maior do que julgais.”

# 📄 04. Max, o mendigo

Em 1850, numa vila da Baviera, morreu um velho quase centenário, conhecido por pai Max. Por não possuir família, ninguém lhe determinava a origem. Havia cerca de meio século que se invalidara para ganhar a vida, sem outro recurso além da mendicidade, que ele dissimulava, procurando vender, pelas herdades e castelos, almanaques e outras miudezas. Deram-lhe a alcunha de conde Max, e as crianças o chamavam somente pelo título

— circunstância esta que o fazia rir sem agastamento. Por que esse título? Ninguém saberia dizê-lo. O hábito o sancionara. Talvez tivesse provindo da sua fisionomia, das suas maneiras, cuja distinção fazia contraste com a miserabilidade dos andrajos.

Muitos anos depois da morte, Max apareceu em sonho à filha do proprietário de um castelo em cuja estrebaria era outrora hospedado, porque não possuía domicílio próprio. Nessa aparição, disse ele: “Agradeço o terdes lembrado do pobre Max nas vossas preces, porque o Senhor as ouviu. Alma caritativa, que vos interessastes pelo pobre mendigo, já que quereis saber quem sou, vou satisfazer-vos, ministrando, ao mesmo tempo e a todos, um grande ensinamento. Há cerca de século e meio era eu um dos ricos e poderosos senhores desta região, porém orgulhoso da minha nobreza. A fortuna imensa, além de só me servir aos prazeres, mal chegava para o jogo, para o deboche, para as orgias, que eram a minha única preocupação na vida. Quanto aos vassalos, porque os julgasse animais de trabalho destinados a servir-me, eram espezinhados e oprimidos, para proverem às minhas dissipações. Surdo aos seus queixumes, como em regra também o era com todos os infelizes, julgava eu que eles ainda se deveriam ter por honrados em satisfazer-me os caprichos. Morri cedo, exausto pelos excessos, mas sem ter, de fato, experimentado qualquer desgraça real. Ao contrário, tudo parecia sorrir-me, a ponto de passar por um dos seres mais ditosos do mundo. Tive funerais suntuosos e os boêmios lamentavam a perda do ricaço, mas a verdade é que sobre o meu túmulo nenhuma lágrima se derramou, nenhuma prece por mim se fez a Deus, de coração, enquanto minha memória era amaldiçoada por todos aqueles para cuja miséria contribuíra. Ah! e como é terrível a maldição dos que prejudicamos! Pois essa maldição não deixou de ressoar-me aos ouvidos durante longos anos que me pareceram uma eternidade. Depois, por morte de cada uma das vítimas, era um novo espectro ameaçador ou sarcástico que se erguia diante de mim, a perseguir-me sem tréguas, sem que eu pudesse encontrar um vão esconso onde me furtasse às suas vistas! Nem um olhar amigo! Os antigos companheiros de devassidão, infelizes como eu, fugiram, parecendo dizer-me desdenhosos: ‘Tu não podes mais custear os nossos prazeres.’ Oh! então, quanto daria eu por um instante de repouso, por um copo d’água para saciar a sede ardente que me devorava! Entretanto eu nada mais possuía, e todo o ouro a jorros derramado sobre a Terra não produzia uma só bênção, uma só que fosse... ouviste, minha filha?!

Cansado por fim, opresso, qual viajor que não lobriga o termo da jornada, exclamei: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim! Quando terminará esta situação horrível?’ Então uma voz

— primeira que ouvi depois de haver deixado a Terra

— disse: ‘Quando quiseres.’ Que será preciso fazer, grande Deus?

— repliquei.

— Dizei-o, que a tudo me sujeitarei. ‘É preciso o arrependimento, é preciso te humilhares perante os mesmos a quem humilhastes; pedir-lhes que intercedam por ti, porque a prece do ofendido que perdoa é sempre agradável ao Senhor.’ E eu me humilhei, e eu pedi aos meus vassalos e servidores que ali estavam diante de mim, e cujos semblantes, pouco a pouco mais benévolos, acabaram por desaparecer. Isso foi para mim como que uma nova vida; o desespero dava lugar à esperança, enquanto eu agradecia a Deus com todas as forças de minha alma. A voz acrescentou: ‘Príncipe!’ ao que respondi: ‘Não há aqui outro príncipe senão Deus, o Deus Onipotente que humilha os soberbos. Perdoai-me, Senhor, porque pequei; e se tal for da vossa vontade, fazei-me servo dos meus servos.’ Alguns anos depois reencarnei numa família de burgueses pobres. Ainda criança perdi meus pais e fiquei só no mundo, desamparado. Ganhei a vida como pude, ora como operário, ora como trabalhador de campo, mas sempre honestamente, porque já cria em Deus. Mas aos 40 anos fiquei totalmente paralítico, sendo-me preciso daí por diante mendigar por mais de 50 anos por essas mesmas terras de que fora o absoluto senhor. Nas herdades que me haviam pertencido, recebia uma migalha de pão, feliz quando por abrigo me davam o teto de uma estrebaria. Ainda por uma acerba ironia do destino, apelidaram-me Sr. Conde... Durante o sono, aprazia-me percorrer esse mesmo castelo onde reinei despoticamente, revendo-me no fausto da minha antiga fortuna! Ao despertar, sentia de tais visões uma impressão de amargura e tristeza, mas nunca uma só queixa se me escapou dos lábios; e quando a Deus aprouve chamar-me, exaltei a sua glória por me haver sustentado com firmeza e resignação numa tão penosa prova, da qual hoje recebo a recompensa. Quanto a vós, minha filha, eu vos bendigo por terdes orado por mim.”

Para este fato pedimos a atenção de todos quantos pretendem que, sem a perspectiva das penas eternas, os homens deixariam de ter um freio às suas paixões. Um castigo como este do pai Max será porventura menos profícuo do que essas penas sem-fim, nas quais hoje ninguém acredita?

# 📄 05. História de um criado

Servindo a uma família de alta posição, era um moço cujos traços fisionômicos, cujo ar inteligente, surpreendiam por sua distinção. Em suas maneiras nada havia de rústico ou plebeu, e, ao mesmo tempo que diligenciava bem servir seus patrões, estava longe de ostentar quaisquer servilismos, aliás muito próprios das pessoas de sua condição. Voltando, de uma feita, a casa dessa família, onde o conhecêramos, e porque não o víssemos, perguntamos se o haviam despedido. Disseram-nos que tinha ido passar alguns dias na sua terra natal, e que lá falecera. Disseram-nos, mais, que muito lamentavam a perda de tão excelente moço, possuidor de sentimentos assaz elevados para a sua posição. E acrescentaram que ele lhes era muito dedicado, dando provas de grande afeição. Mais tarde, veio-nos a ideia de evocar esse rapaz, e eis o que nos disse ele: “Na penúltima encarnação, havia eu nascido de muito boa família, como se diz na Terra, mas cujos bens estavam arruinados pelas prodigalidades de meu pai. Órfão muito criança, um amigo deste recolheu-me e mandou educar-me excelentemente como um filho, educação essa que me suscitou tal ou qual vaidade. Meu protetor, de então, é hoje o Sr. G., ao serviço do qual me conhecestes. É que eu quis expiar o orgulho, na última existência, sob a condição de servo, provando ao mesmo tempo a dedicação devida ao meu benfeitor. Cheguei mesmo a salvar-lhe a vida sem que ele o soubesse. Isso constituiu também uma provação da qual saí vitorioso e bastante confortado para me não deixar corromper num meio vicioso. Conservando-me impoluto, a despeito dos maus exemplos, agradeço a Deus a recompensa, na felicidade que hoje gozo.”

  • Em que circunstâncias salvastes a vida de G.?

👻 ▸ Evitando que fosse esmagado por um grande tronco, em passeio a cavalo. Eu que o seguia, só, percebi a iminência do perigo, e com um grito lancinante fi-lo voltar rápido, enquanto o tronco se abateu. G., a quem referimos o fato, dele se lembrou perfeitamente.

  • Por que desencarnastes tão jovem?

👻 ▸ Porque Deus julgou suficiente a prova.

  • Como pudestes aproveitar essa provação quando não tínheis noção da sua causa anterior?

👻 ▸ Na humildade da minha condição ainda me restava um instinto daquele orgulho; fui feliz por tê-lo domado, tornando proveitosa a provação que, a não ser assim, eu teria de recomeçar. Nos seus momentos de liberdade, o meu Espírito lembrava-se do que fora e ao despertar invadia-lhe um desejo intuitivo de resistir às más tendências. Tive mais mérito lutando assim, do que se tivesse a lembrança do passado. Com essa lembrança o orgulho de outros tempos se teria exaltado, perturbando-me, ao passo que deste modo apenas tive que combater as influências nocivas da minha nova condição.

  • De que serviu terdes recebido uma brilhante educação, uma vez que na última encarnação não vos era possível lembrar os conhecimentos adquiridos?

👻 ▸ Tais conhecimentos, dada a minha ulterior condição, seriam supérfluos; por isso ficaram num estado latente para que hoje eu os reencontrasse. Mas tais conhecimentos não me foram de todo inúteis, visto como, desenvolvendo-me a inteligência, me incutiram predileção instintiva pelas coisas elevadas e repugnância pelos baixos e ignóbeis exemplos que tinha à vista. Sem aquela educação, eu não passaria de um criado.

  • A abnegação dos criados para com os patrões terá por ascendente o fato de relações anteriores?

👻 ▸ Sem dúvida, e ao menos é esse o caso comum. Às vezes tais criados são membros da mesma família, ou, como no meu caso, escravos do reconhecimento e que procuram saldar uma dívida, ao mesmo tempo concorrendo para que progridam por sua dedicação. Vós não compreendeis todos os efeitos da simpatia que a anterioridade de relações produz aí no mundo. A morte em absoluto não interrompe essas relações, que podem perpetuar-se por séculos e séculos.

  • Por que são hoje tão raros esses exemplos de dedicação?

👻 ▸ Acusai a feição egoística e orgulhosa do vosso século, agravada ainda pela incredulidade das ideias materialistas. À verdadeira fé antepõe-se presentemente a cobiça, a avidez do ganho, em detrimento da abnegação. Induzindo os homens à verdade, o Espiritismo fará reviver igualmente as virtudes esquecidas. Nada melhor do que este exemplo para evidenciar o benefício do esquecimento em relação às existências anteriores. Se G. tivesse ciência do que havia dito o seu criado, ficaria para com ele numa posição embaraçosa, e não o conservaria como tal, obstando, por conseguinte, uma provação proveitosa para ambos.

# 📄 06. Antonio B.

(Enterrado vivo

— A pena de talião.)

Antonio B..., escritor de estimadíssimo merecimento, que exercera com distinção e integridade muitos cargos públicos na Lombardia, pelo ano de 1850 caiu aparentemente morto de um ataque apoplético. Como algumas vezes sucede em casos tais, a sua morte foi considerada real, concorrendo ainda mais para o engano os vestígios da decomposição assinalados no corpo. Quinze dias depois do enterro, uma circunstância fortuita determinou a exumação, a pedido da família. Tratava-se de um medalhão por acaso esquecido no caixão. Qual não foi, porém, o espanto dos assistentes quando, ao abrir este, notaram que o corpo havia mudado de posição, voltando-se de bruços e

— coisa horrível

— que uma das mãos havia sido comida em parte pelo defunto. Ficou então patente que o infeliz Antonio B... fora enterrado vivo, e deveria ter sucumbido sob a ação do desespero e da fome. Evocado na Sociedade de Paris, em agosto de 1861, a pedido de parentes, deu as seguintes explicações:

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Que quereis?

# #️⃣ 02

A pedido de um vosso parente, nós vos evocamos com prazer e seremos felizes se quiserdes responder-nos.

👻 ▸ Sim, desejo fazê-lo.

# #️⃣ 03

Lembrai-vos dos incidentes da vossa morte?

👻 ▸ Ah! certamente que me lembro. Mas por que avivar essa lembrança do castigo?

# #️⃣ 04

Efetivamente fostes enterrado por descuido?

👻 ▸ Assim deveria ser, visto revestir-se a morte aparente de todos os caracteres da morte real: eu estava quase exangue. 11 “Não se deve, porém, imputar a ninguém um acontecimento que me estava predestinado desde que nasci.”

# #️⃣ 05

Incomodam-vos estas perguntas? Será mister lhes demos fim?

👻 ▸ Não, podeis continuar.

# #️⃣ 06

Por que deixastes a reputação de um homem de bem, esperamos fôsseis feliz.

👻 ▸ Eu vos agradeço, pois sei que haveis de interceder por mim. Vou fazer o possível para vos responder, e, se não puder fazê-lo, fá-lo-á um dos vossos guias por mim.

# #️⃣ 07

Podeis descrever-nos as vossas sensações daquele momento?

👻 ▸ Que dolorosa provação sentir-me encerrado entre quatro tábuas, tolhido, absolutamente tolhido! Gritar! Impossível! “A voz, por falta de ar, não tinha eco! Ah! que tortura a do infeliz que em vão se esforça para respirar num ambiente limitado! Eu era qual condenado à boca de um forno, abstração feita do calor. A ninguém desejo um fim rematado por semelhantes torturas. Não, não desejo a ninguém um tal fim! Oh! cruel punição de uma cruel e feroz existência! Não saberia dizer no que então pensava; apenas revendo o passado, vagamente entrevia o futuro.”

# #️⃣ 08

Dissestes: cruel punição de uma feroz existência... Como se pode conciliar esta afirmativa com a vossa reputação ilibada?

👻 ▸ Que vale uma existência diante da eternidade?! Certo, procurei ser honesto e bom na minha última encarnação, mas eu aceitara um tal epílogo previamente, isto é, antes de encarnar. Ah!... Por que interrogar-me sobre esse passado doloroso que só eu e os bons Espíritos enviados do Senhor conhecíamos? Mas, visto que assim é preciso, dir-vos-ei que numa existência anterior eu enterrara viva uma mulher

— a minha mulher! Plena de vida e presa numa adega! A pena de talião devia ser-me aplicada. Olho por olho, dente por dente.

# #️⃣ 09

Agradecemos essas respostas e pedimos a Deus vos perdoe o passado, em atenção ao mérito da vossa última encarnação.

👻 ▸ Voltarei mais tarde, mas, não obstante, o Espírito Erasto completará esta minha comunicação. Instruções do guia do médium

— Por essa comunicação podeis inferir a correlatividade e dependência imediata das vossas existências entre si; as tribulações, as vicissitudes, as dificuldades e dores humanas são sempre as consequências de uma vida anterior, culposa ou mal aproveitada. Devo todavia dizer-vos que desfechos como este de Antonio B... são raros, visto como, se de tal modo terminou uma existência correta, foi por tê-lo solicitado ele próprio, com o fito de abreviar a sua erraticidade e atingir mais rápido as esferas superiores. Efetivamente, depois de um período de perturbação e sofrimento moral, inerente à expiação do hediondo crime, ser-lhe-á perdoado este, e ele se alçará a um mundo melhor, onde o espera a vítima que há muito lho perdoou. Aproveitai este exemplo cruel, queridos espíritas, a fim de suportardes, com paciência, os sofrimentos morais e físicos, todas as pequenas misérias da Terra.

  • Que proveito pode a humanidade auferir de semelhantes punições?

👻 ▸ As penas não existem para desenvolver a humanidade, porém para punição dos que erram. De fato, a humanidade não pode ter interesse algum no sofrimento de um dos seus membros. Neste caso, a punição foi apropriada à falta. Por que há loucos, idiotas, paralíticos? “Por que morrem estes queimados, enquanto que aqueles padecem as torturas de longa agonia entre a vida e a morte? “Ah! crede-me; respeitai a soberana vontade e não procureis sondar a razão dos decretos da Providência! Deus é justo e só faz o bem.” Erasto

Este fato não encerra um ensinamento terrível? A Justiça de Deus, às vezes tardia, nem por isso deixa de atingir o culpado, prosseguindo em seu aviso. É altamente moralizador o saber-se que, se grandes culpados acabam pacificamente na abundância de bens terrenos, nem por isso deixará de soar cedo ou tarde, para eles, a hora da expiação. Penas tais são compreensíveis, não só por estarem mais ou menos ao alcance das nossas vistas, como por serem lógicas. Cremos, porque a razão admite. Uma existência honrosa não exclui, portanto, as provações da vida, que são escolhidas e aceitas como complemento de expiação

— o restante do pagamento de uma dívida saldada antes de receber o preço do progresso realizado. Considerando quanto nos séculos passados eram frequentes, mesmo nas classes mais elevadas e esclarecidas, os atos de barbaria que hoje repugnam; quantos assassínios cometidos nesses tempos de menosprezo pela vida de outrem, esmagado o fraco pelos poderosos sem escrúpulo; então compreenderemos que muitos dos nossos contemporâneos têm de expungir máculas passadas, e tampouco nos admiraremos do número considerável de pessoas que sucumbem vitimadas por acidentes isolados ou por catástrofes coletivas. O despotismo, o fanatismo, a ignorância e os prejuízos da Idade Média e dos séculos que se seguiram, legaram às gerações futuras uma dívida enorme, que ainda não está saldada. Muitas desgraças nos parecem imerecidas, somente porque apenas vemos o presente.

# 📄 07. Letil

Este industrial, que residiu nos arredores de Paris, morreu em abril de 1864, de modo horroroso. Incendiando-se uma caldeira de verniz fervente, foi num abrir e fechar de olhos que o seu corpo se cobriu de matéria candente, pelo que logo compreendeu ele que estava perdido. Achando-se na oficina apenas com um rapaz aprendiz, ainda teve ânimo de dirigir-se ao seu domicílio, à distância de mais de 200 metros. Quando se lhe pôde prestar os primeiros socorros, já as carnes dilaceradas caíam aos pedaços, desnudos os ossos de uma parte do corpo e da face. Ainda assim, sobreviveu doze horas a cruciantes sofrimentos, mas conservando toda a presença de espírito até o último momento, predispondo os seus negócios com perfeita lucidez. Em toda esta cruel agonia não se lhe ouviu um só gemido, um só queixume, morreu orando a Deus. Era um homem honradíssimo, de caráter meigo e afetuoso, amado, prezado de quantos o conheciam. Também acatara com entusiasmo, porém pouco refletidamente, as ideias espíritas, e assim foi que, médium, não lhe faltaram inúmeras mistificações, as quais, seja dito, em nada lhe abalaram a crença. A confiança no que os Espíritos lhe diziam, em certas circunstâncias, ia até a ingenuidade. Evocado na Sociedade de Paris, a 29 de abril de 1864, poucos dias após a morte e ainda sob a impressão da cena terrível que o vitimou, deu a seguinte comunicação: “Profunda tristeza me acabrunha! Aterrado ainda pela minha trágica morte, julgo-me sob os ferros de um algoz. Quanto sofri!... oh! quanto sofri! Estou trêmulo, como que sentindo o cheiro nauseante de carnes queimadas. Agonia de 12 horas essa que padeceste, ó Espírito culpado! Mas ele a sofreu sem murmurações e por isso vai receber de Deus o seu perdão. Ó minha bem-amada, não chores, que em breve estas dores se acalmarão. Eu não mais sofro na realidade, porém a lembrança neste caso vale pela realidade. Auxilia-me muito a noção do Espiritismo, e agora vejo que, sem essa consoladora crença, teria permanecido no delírio da morte horrível que padeci. Há, porém, um Espírito consolador que me não deixa, desde que exalei o último suspiro. Eu ainda falava e já o tinha a meu lado... Parecia-me ser um reflexo das minhas dores a produzir em mim vertigens, que me fizessem ver fantasmas... Mas não; era o meu anjo de guarda que, silencioso e mudo, me consolava pelo coração. Logo que me despedi da Terra, disse-me ele: ‘Vem, meu filho, torna a ver o dia.’ Então respirei mais livremente, julgando-me livre de medonho pesadelo; perguntei pela esposa amada, pelo filho corajoso que por mim se sacrificara, e ele me disse: ‘Estão todos na Terra, e tu, filho, estás entre nós.’ Eu procurava o lar, onde, sempre em companhia do anjo, vi todos banhados de pranto. A tristeza e o luto haviam invadido aquela habitação outrora pacífica. Não pude por mais tempo tolerar o espetáculo, e, comovidíssimo, disse ao meu guia: ‘Ó meu bom anjo, saiamos daqui.’ ‘Sim, saiamos’, respondeu-me, ‘e procuremos repouso.’ Daí para cá tenho sofrido menos, e, se não houvera visto inconsoláveis a esposa e os filhos e tristes os amigos, seria quase feliz. O meu bom guia fez-me ver a causa da morte horrível que tive, e eu, a fim de vos instruir, vou confessá-la: Há cerca de dois séculos, mandei queimar uma rapariga, inocente como se pode ser na sua idade

— 12 a 14 anos. Qual a acusação que lhe pesava? A cumplicidade em uma conspiração contra a política clerical. Eu era então italiano e juiz inquisidor; como os algozes não ousassem tocar o corpo da pobre criança, fui eu mesmo o juiz e o carrasco. Oh! quanto és grande, Justiça divina! A ti submetido, prometi a mim mesmo não vacilar no dia do combate, e ainda bem que tive força para manter o compromisso. Não murmurei, e vós me perdoastes, ó Deus! Quando, porém, se me apagará da memória a lembrança da pobre vítima inocente? Essa lembrança é que me faz sofrer! É mister, portanto, que ela me perdoe. Ó vós, adeptos da nova doutrina, que frequentemente dizeis não poder evitar os males pela insciência do passado! Ó irmãos meus! bendizei antes o Pai, porque se tal lembrança vos acompanhasse à Terra, não mais haveria aí repouso em vossos corações. Como poderíeis vós, constantemente assediados pela vergonha, pelo remorso, fruir um só momento de paz? O esquecimento aí é um benefício, porque a lembrança aqui é uma tortura. Mais alguns dias, e, como recompensa à resignação com que suportei as minhas dores, Deus me concederá o esquecimento da falta. Eis a promessa que acaba de fazer-me o meu bom anjo.” O caráter do Sr. Letil, na última encarnação, prova quanto o seu Espírito se aperfeiçoou. A conduta que teve seria o resultado do arrependimento como das boas resoluções previamente tomadas, mas isso por si só não bastava: era preciso coroar essas resoluções com uma grande expiação; era mister que suportasse como homem o suplício a outrem infligido e mais ainda: a resignação que, felizmente, não o abandonou nessa terrível contingência. Certo, o conhecimento do Espiritismo contribuiu grandemente para sustentar-lhe a fé, a coragem oriunda da esperança de um futuro. Ciente de que as dores físicas são provas e expiações, submeteu-se a elas resignado, dizendo: “Deus é justo; logo, é que eu as mereci.”

# 📄 08. Um cientista ambicioso

Posto nunca tivesse provado as cruciantes angústias da miséria, a Sra. B..., de Bordeaux, teve uma vida de martírios físicos, em consequência de inumerável série de moléstias mais ou menos graves, a contar da idade de cinco meses. Vivendo 70 anos, quase que anualmente batia às portas do túmulo. Três vezes envenenada pela terapêutica de uma ciência experimental e duvidosa, em ensaios feitos sobre o seu organismo e temperamento, arruinada, ademais, pelos remédios tanto quanto pela doença, assim viveu entregue a sofrimentos intoleráveis, que nada podia atenuar. Uma sua filha, espírita cristã e médium, pedia sempre a Deus para suavizar-lhe as cruéis provações. Foi porém aconselhada pelo seu guia a pedir simplesmente a fortaleza, a calma, a resignação para as suportar, fazendo acompanhar esse conselho das seguintes instruções: “Nessa vida tudo tem sua razão de ser: não há um só dos vossos sofrimentos, que não corresponda aos sofrimentos por vós causados; não há um só dos vossos excessos que não tenha por consequência uma privação; não há uma só lágrima a destilar dos olhos, que não seja destinada a lavar uma falta, um crime qualquer. Suportai, portanto, com paciência e resignação as dores físicas e morais, por mais cruéis que elas se vos afigurem. Imaginai o trabalhador que, amortecidos os membros pela fadiga, prossegue no trabalho, porque tem diante de si a dourada espiga, outros tantos frutos da sua perseverança. Assim, a sorte do infeliz que sofre nesse mundo; a aspiração da felicidade, que deve constituir-se em fruto de sua paciência, torná-lo-á resistente às dores efêmeras da humanidade. Eis o que se dá com tua mãe. Cada uma das suas dores acolhida como expiatória, corresponde à extinção de uma nódoa do passado; e quanto mais cedo as nódoas todas se extinguirem, tanto mais breve ela será feliz. A falta de resignação esteriliza o sofrimento, que, por isso mesmo, teria de ser recomeçado. Convém-lhe, pois, a coragem e a resignação, e o que se faz preciso é pedir a Deus e aos bons Espíritos que lha concedam. Tua mãe foi outrora um bom médico, vivendo num meio em que fácil se lhe tornava o bem-estar, e no qual lhe não faltaram dons nem homenagens. Sem ser filantrópico, e, por conseguinte, sem visar o alívio dos seus irmãos, mas cioso de glória e fortuna quis atingir o apogeu da Ciência, para aumentar a reputação e a clientela. E na consecução de tal propósito não havia consideração que o detivesse. Porque previa um estudo nas convulsões que investigava, sua mãe era martirizada no leito de sofrimentos, enquanto o filho se submetia a experiências que deveriam explicar uns tantos fenômenos; aos velhos abreviava os dias e aos homens vigorosos enfraquecia com ensaios tendentes a comprovar a ação de tal ou qual medicamento. E todas essas experiências eram tentadas sem que o infeliz paciente delas soubesse ou sequer desconfiasse. A satisfação da cupidez e do orgulho, a sede de ouro e de renome, foram os móveis de tal conduta. Foram precisos séculos de provações terríveis para domar esse Espírito ambicioso e cheio de orgulho, até que o arrependimento iniciasse a obra de regeneração. Agora termina a reparação, visto como as provas dessa última encarnação podem dizer-se suaves relativamente às que já suportou. Coragem, pois, porque se o castigo foi longo e cruel, grande será a recompensa à resignação, à paciência, à humildade. Coragem, a todos vós que sofreis; considerai a brevidade da existência material, pensai nas alegrias eternas. Invocai a esperança, a dedicada amiga dos sofredores; a fé, sua irmã, que vos mostra o Céu, onde com aquela podeis penetrar antecipadamente. Atraí também a vós esses amigos que o Senhor vos faculta, amigos que vos cercam, que vos sustentam e amam, e cuja solicitude constante vos reconduz para junto daquele a quem haveis ofendido, transgredindo as suas leis.” Depois de haver desencarnado, a Sra. B... veio dar, tanto por sua filha como na Sociedade de Paris, muitas comunicações, nas quais se refletem as qualidades mais elevadas, confirmando os seus antecedentes.

# 📄 09. Charles de Saint-G., idiota

(Sociedade Espírita de Paris, 1860.)

# #️⃣ 01

(A São Luís.) Poderemos evocar o Espírito deste menino?

👻 ▸ Sim, é como se o fizésseis ao Espírito de um desencarnado.

# #️⃣ 02

Essa resposta faz-nos supor que a evocação se pode fazer a qualquer hora...

👻 ▸ Sim, visto como presa ao corpo por laços materiais, que não espirituais, a sua alma pode desligar-se a qualquer hora.

# #️⃣ 03

Evocação de Charles.

👻 ▸ Sou um pobre Espírito preso à Terra por um pé, qual um passarinho.

# #️⃣ 04

Presentemente, isto é, como Espírito, tendes consciência de vossa nulidade neste mundo?

👻 ▸ Decerto que sinto o cativeiro.

# #️⃣ 05

Quando o corpo adormece e o vosso Espírito se desprende, tendes as ideias tão lúcidas como se estivésseis em estado normal?

👻 ▸ Quando o corpo infeliz repousa, fico um pouco mais livre para alçar-me ao céu a que aspiro.

# #️⃣ 06

Experimentais no estado espiritual qualquer sensação dolorosa oriunda do vosso estado corpóreo?

👻 ▸ Sim, por isso que é uma punição.

# #️⃣ 07

Lembrai-vos da precedente encarnação?

👻 ▸ Oh! sim, e ela é a causa do meu exílio atual.

# #️⃣ 08

Que existência era essa?

👻 ▸ A de um jovem libertino no reinado de Henrique III.

# #️⃣ 09

Dizeis ser uma punição a vossa condição atual... acaso não a escolhestes?

👻 ▸ Não.

# #️⃣ 10

Como pode vossa atual existência servir ao vosso adiantamento no estado de nulidade em que vos achais?

👻 ▸ Para mim não há nulidade, pois foi Deus quem me impôs esta contingência.

# #️⃣ 11

Podeis prever o tempo de duração da existência atual?

👻 ▸ Não, porém, mais ano menos ano, reentrarei na minha pátria.

# #️⃣ 12

Durante o tempo que mediou entre a vossa última desencarnação e a encarnação atual, que fizestes?

👻 ▸ Deus encarcerou-me; logo, era eu um Espírito leviano.

# #️⃣ 13

Tendes, quando acordado, a consciência do que se passa, apesar da imperfeição dos vossos órgãos?

👻 ▸ Vejo e ouço, mas meu corpo nada vê nem percebe.

# #️⃣ 14

Poderemos fazer algo de proveitoso por vós?

👻 ▸ Nada.

# #️⃣ 15

(A São Luís.) Tratando-se de Espírito encarnado, as preces têm a mesma eficácia para os desencarnados?

👻 ▸ As preces, além de sempre úteis, agradam a Deus. No caso deste Espírito, elas de nada lhe servem imediatamente, porém mais tarde Deus lhas levará em conta. Esta evocação ratifica o que sempre se disse dos idiotas. A nulidade moral não importa nulidade do Espírito, que, abstração feita dos órgãos, goza de todas as suas faculdades. A imperfeição dos órgãos é apenas um obstáculo à livre manifestação dos pensamentos. É, pois, o caso de um homem vigoroso que fosse momentaneamente manietado.

Instrução de um Espírito sobre os idiotas e os cretinos, dada na Sociedade de Paris

Os idiotas são os seres castigados pelo mau uso de poderosas faculdades; almas encarceradas em corpos cujos órgãos impotentes não podem exprimir seus pensamentos. Esse mutismo moral e físico constitui uma das mais cruéis punições terrenas, muitas vezes escolhidas por Espíritos arrependidos e desejosos de resgatar suas faltas. A provação nem por isso é improfícua, porque o Espírito não fica estacionário na prisão carnal; esses olhos estúpidos veem, esses cérebros deprimidos concebem, conquanto nada possam traduzir pela palavra e pelo olhar. Excetuada a mobilidade, o seu estado é o de letárgicos ou catalépticos, que veem e ouvem sem, contudo, poderem exprimir-se. Quando tendes esses horríveis pesadelos, durante os quais procurais fugir de um perigo, gritando, clamando, não obstante a imobilidade do vosso corpo como da vossa língua; quando tal sucede, dizemos, a vossa sensação é idêntica à dos idiotas. É a paralisia do corpo ligada à vida do Espírito. Assim se explicam quase todas as enfermidades, pois nada ocorre sem causa, e o que chamais injustiça da sorte é apenas a aplicação da mais alta justiça. A loucura também é punição ao abuso das mais elevadas faculdades; o louco tem duas personalidades

— a que delira e a que tem consciência dos seus atos sem poder guiá-los. Quanto aos idiotas, a vida contemplativa, isolada, da sua alma sem os prazeres e gozos do corpo, pode igualmente tornar-se agitada pelos acontecimentos, como qualquer das existências mais complicadas; revoltam-se alguns contra o suplício voluntário e, lamentando a escolha feita, sentem violento desejo de tornar à outra vida, desejo que lhes faz esquecer a resignação do presente e o remorso do passado, do qual têm a consciência, visto como, embora idiotas e loucos, sabem mais que vós, ocultando sob a impotência física uma potência moral de que não tendes ideia alguma. Os atos de fúria, como de imbecilidade a que se entregam, são no íntimo julgados pelo seu ser, que deles sofre e se vexa. Eis que, escarnecê-los, injuriá-los, mesmo maltratá-los, como por vezes se faz, é aumentar-lhes o sofrimento, fazendo-lhes sentir mais cruamente a sua fraqueza e abjeção. Pudessem eles, e acusariam de covardia os que assim procedem, sabendo que a vítima não pode defender-se. A loucura não é das Leis divinas, pois resultando materialmente da ignorância, da sordidez e da miséria, pode o homem debelá-la. Os modernos recursos da higiene, que a Ciência hoje executa e a todos faculta, tende a destruí-la. Sendo o progresso condição expressa da humanidade, as provações tendem a modificar-se, acompanhando a evolução dos séculos. Dia virá em que as provações devam ser todas morais; e quando a Terra, nova ainda, houver preenchido todas as fases da sua existência, então se transformará em morada de felicidade, como se dá com os planetas mais adiantados. Pierre Jouty, pai do médium.

Houve tempo em que se punha em dúvida a existência da alma dos idiotas, chegando-se a perguntar se realmente eles pertenciam à espécie humana. O modo pelo qual o Espiritismo encara os fatos não é realmente muito moralizador e instrutivo? Considerando que esses corpos encerram almas que já teriam brilhado na Terra; almas tão presentes e lúcidas como as nossas a despeito do pesado invólucro que lhes abafa as manifestações; considerando que o mesmo pode acontecer conosco se abusarmos das faculdades que a Providência nos concedeu; considerando tudo isso, não teremos assunto para sérias reflexões? Sem admitirmos a pluralidade de existências, como poderemos conciliar a imbecilidade com a Justiça e a bondade de Deus? Se a alma não viveu anteriormente, então é que foi criada ao mesmo tempo que o corpo, e, nesse caso, como explicar a criação de almas tão precárias da parte de um Deus justo e bom? É bem de ver que aqui não se trata da loucura, por exemplo, que se pode prevenir ou curar. Os idiotas nascem e morrem como tais, sem a noção do bem e do mal. Qual, portanto, a sua sorte na vida eterna? Serão felizes ao lado dos homens inteligentes e laboriosos? Mas por que tal favoritismo se nada fizeram de bom? Ficarão no que chamam limbo, isto é, um estado misto que não é feliz nem infeliz? Mas por que essa eterna inferioridade? Terão eles a culpa de serem por Deus criados idiotas? Desafiamos a todos quantos negam a reencarnação, para que saiam deste embaraço. Pela reencarnação, ao contrário, o que se afigura injustiça torna-se admiravelmente justo, o que parece inexplicável, racionalmente se explica. Ademais, sabemos que os nossos antagonistas, que os adversários desta Doutrina não têm argumentos para combatê-la, além daqueles oriundos do receio de retornarem à Terra. Respondemos-lhes: para que volteis não se vos pede a vossa permissão, pois o juiz não consulta a vontade do réu para enviá-lo ao cárcere. Todos têm a possibilidade de não reencarnar, desde que se aperfeiçoem bastante para se alçarem a uma esfera mais elevada. O egoísmo e o orgulho não se compadecem, porém, com essas esferas felizes, e daí a necessidade de todos se despojarem dessas enfermidades morais, graduando-se pelo trabalho e pelo próprio esforço. Sabemos que em certos países, longe de serem objeto de desprezo, os idiotas são assistidos de benéficos cuidados. Tal comiseração não se filiará numa intuição do verdadeiro estado desses infelizes, tanto mais dignos de atenção quanto, por se verem repudiados na sociedade, seus Espíritos compreendem tal contingência? Considera-se mesmo como favor e verdadeira bênção a presença de um desses seres no seio da família. Será isso superstição? Talvez, porque nos ignorantes a superstição se confunde com as ideias mais santas, por lhe não apreenderem o alcance. Mas, seja como for, aos parentes se oferece ocasião de exercerem a caridade, tanto mais meritória quanto mais pesado lhes seja esse encargo, de nenhuma compensação material. Há maior mérito na cuidadosa assistência de um filho desgraçado, do que na de um filho cujas qualidades ofereçam qualquer compensação. Sendo a caridade desinteressada uma das virtudes mais agradáveis a Deus, atrai sempre a sua bênção sobre os que a praticam. Esse sentimento inato e espontâneo vale por esta prece: “Obrigado, meu Deus, por nos terdes dado um ser fraco a sustentar, um aflito a consolar.”

# 📄 10. Adélaïde-Marguerite Gosse

Era uma humilde e pobre criada, de Harfleur, Normandia. Aos 11 anos entrou para o serviço de uns horticultores ricos, da sua terra. Um ano depois, uma inundação do Sena arrebatava-lhes, afogando-os, todos os animais! Ainda por outras desgraças supervenientes, os patrões da rapariga caíram na miséria! Adélaïde reuniu-se-lhes no infortúnio, abafou a voz do egoísmo e, só ouvindo o generoso coração, obrigou-os a aceitarem quinhentos francos de suas economias, continuando a servi-los independentemente de salário. Depois da morte dos patrões, passou a dedicar-se a uma filha que deixaram, viúva e sem recursos. Mourejava pelos campos, recolhia o produto, e, casando-se, reuniu os seus esforços aos do marido, para manterem juntos a pobre mulher, a quem continuou a chamar sua patroa! Cerca de meio século durou esta abnegação sublime. A Sociedade de emulação de Rouen não deixou no esquecimento essa mulher digna de tanto respeito e admiração, porquanto lhe decretou uma medalha de honra e uma recompensa em dinheiro; a este testemunho associaram-se as lojas maçônicas do Havre, oferecendo-lhe uma pequena soma destinada ao seu bem-estar. Finalmente, a administração local também se interessou por ela, delicadamente, de modo a não lhe ferir a suscetibilidade. Este anjo de bondade foi arrebatado da Terra, instantânea e suavemente, em consequência de um ataque de paralisia. Singelas, porém decentes, foram as últimas homenagens prestadas à sua memória. O secretário da municipalidade foi à frente do cortejo fúnebre.

(Sociedade de Paris – 27 de dezembro de 1861.)

Evocação.

— Ao Deus Onipotente rogamos nos permita a comunicação do Espírito Marguerite Gosse.

  • Felizes nos consideramos em poder testemunhar-vos a nossa admiração pela vossa conduta na Terra, e esperamos que tanta abnegação tenha recebido a sua recompensa.

👻 ▸ Sim, Deus foi bom e misericordioso para com a sua serva. Tudo quanto fiz, e louvável vos parece, era natural.

  • Podereis dizer-nos, para edificação nossa, qual a causa da humildade de vossa condição terrena?

👻 ▸ Em duas encarnações sucessivas ocupei posição assaz elevada, sendo-me fácil a prática do bem, que fazia sem sacrifício, sendo, como era, rica. Pareceu-me, porém, que me adiantava lentamente, e por isso pedi para voltar em condições mesquinhas, nas quais houvesse mesmo de lutar com as privações. Para isso me preparei durante longo tempo, e Deus manteve-me a coragem, de modo a poder atingir o fim a que me propusera.

  • Já tornastes a ver os antigos patrões? Dizei-nos qual a vossa posição perante eles, e se ainda vos considerais deles subalterna?

👻 ▸ Vi-os, pois, quando cheguei a este mundo, já aqui estavam. Humildemente vos confesso que me consideram como lhes sendo superior.

  • Tínheis qualquer motivo de afeição para com eles, de preferência a outros quaisquer?

👻 ▸ Obrigatório, nenhum, visto que em qualquer parte conseguiria o meu objetivo. Escolhi-os, no entanto, para retribuir uma dívida de reconhecimento. É que outrora haviam sido benévolos para comigo, prestando-me serviços.

  • Que futuro julgais que vos aguarda?

👻 ▸ Espero a reencarnação em um mundo onde se não conheçam dores. Talvez me julgueis muito presunçosa, porém eu vos falo com a vivacidade própria do meu caráter. Além disso, submeto-me à vontade de Deus.

  • Gratos à vossa presença, não duvidamos que Deus vos cumule de benefícios.

👻 ▸ Obrigada. Assim Deus vos abençoe a todos, para que possais, quando desencarnados, gozar das puras alegrias que a mim foram concedidas.

# 📄 11. Clara Rivier

Era uma menina dos seus 10 anos, filha de uma família de camponeses do sul da França. Havia já 4 anos que se achava profundamente enferma. Durante a vida nunca se lhe ouviu um queixume, um sinal de impaciência, e, conquanto desprovida de instrução, consolava a família nas suas aflições, comentando a vida futura e a felicidade que da mesma deveria decorrer. Desencarnou em setembro de 1862, após 4 dias de convulsivas torturas, durante as quais não cessava de orar. “Não temo a morte”, dizia, “por isso que depois dela me está reservada uma vida feliz.” A seu pai, que chorava, dizia: “Consola-te, porque virei visitar-te; sinto que a hora se aproxima, mas, quando ela chegar, saberei prevenir-te.” E, efetivamente, quando era iminente o momento fatal, chamou por todos os seus e disse-lhes: “Tenho apenas cinco minutos de vida; deem-me as mãos.” E expirou como previra. Daí por diante, um Espírito batedor principiou a visitar a casa dos Rivier: quebra tudo, bate na mesa, agita as roupas, as cortinas, a louça... Sob a forma de Clara ele aparece à irmã mais nova, que conta apenas 5 anos. Segundo afirma essa criança, a irmã lhe aparece frequentemente, e tais aparições lhe provocam exclamações de alegria como esta: “Mas vejam como Clara é bonita!”

# #️⃣ 01

Evocação.

👻 ▸ Aqui estou, disposta a responder-vos.

# #️⃣ 02

Tão jovem quando encarnada, donde vos vinham as elevadas ideias sobre a vida futura, manifestadas neste mundo?

👻 ▸ Do pouco tempo que me cumpria passar no vosso planeta e da minha precedente encarnação. Eu era médium tanto ao deixar como ao voltar à Terra; predestinada, sentia e via o que dizia.

# #️⃣ 03

Como se explica que uma criança da vossa idade não desse um só gemido durante quatro anos de sofrimento?

👻 ▸ Porque esse sofrimento físico era dominado por maior potência

— a do meu guia, continuamente visível ao meu lado. Ele, ao mesmo tempo que me aliviava, sabia incutir-me uma força de vontade superior aos sofrimentos.

# #️⃣ 04

Como vos apercebestes do momento decisivo da morte?

👻 ▸ Por influxo do meu anjo de guarda, que jamais me iludiu.

# #️⃣ 05

Dissestes a vosso pai que se resignasse porque viríeis visitá-lo. Como se explica, pois, que, animada de tão bons sentimentos para com vossos pais, viésseis perturbá-los depois com arruídos em sua casa?

👻 ▸ É que eu tenho indubitavelmente uma provação, ou antes uma missão a realizar. Acreditais que venha ver meus pais sem fito algum? Esses rumores, essas lutas derivadas da minha presença são um aviso. Nisso sou também auxiliada por outros Espíritos cuja turbulência tem sua razão de ser, como razão de ser tem a minha aparição à irmãzinha... Graças a nós, muitas convicções vão despontar. Meus pais haviam de passar por uma provação. Bem cedo isso passará, mas não antes de terem convencido uma multidão de espíritos.

# #️⃣ 06

Então não sois vós, individualmente, o autor desses rumores?

👻 ▸ Sou, porém, ajudada por Espíritos ao serviço da provação reservada aos meus genitores.

# #️⃣ 07

Como se explica, então, que a irmãzinha só vos reconhecesse, não sendo vós a autora exclusiva de tais manifestações?

👻 ▸ É que ela apenas me viu a mim. Agora dispõe de vista dupla, e ainda terei de confortá-la muitas vezes com a minha presença.

# #️⃣ 08

Qual a razão dos vossos sofrimentos mortificantes numa idade tão infantil?

👻 ▸ Faltas anteriores, expiação. Na precedente existência eu abusara da saúde, como da posição brilhante que ocupara. Eis por que Deus me disse: “Gozaste demasiada e desmesuradamente, portanto, pagarás a diferença; eras orgulhosa, logo, serás humilde; vaidosa da tua beleza, importa que dela decaias, esforçando-te antes por adquirir a caridade e a bondade.” Procedi consoante a vontade divina e o meu guia me auxiliou.

# #️⃣ 09

Quereis que digamos algo aos vossos pais?

👻 ▸ A pedido de um médium, eles já tiveram ensejo de praticar a caridade, de não orarem só com os lábios, e fizeram bem, porque cumpre fazê-lo também na prática, pelo coração. Socorrer os que sofrem é orar, é ser espírita. A todas as almas Deus concedeu livre-arbítrio, isto é, faculdade de progresso, como lhes deu a todas a mesma aspiração, e, por isso, mais do que geralmente se pensa, o avental roça pela toga bordada. Aproximai as distâncias pela caridade, dai guarida ao pobre em vossa casa, reanimai-o, não o humilheis. Se esta grande lei da consciência fosse geralmente praticada, o mundo não assistiria periodicamente a essas grandes penúrias que desonram a civilização dos povos, e que por Deus são enviadas para castigá-los e abrir-lhes os olhos. Queridos pais, orai. Amai-vos, praticai a lei do Cristo: Não façais a outrem o que não quiserdes que vos façam. Apelai para o Deus que vos experimenta, mostrando que a sua bondade é santa e infinita como Ele. Como previsão do futuro, armai-vos de coragem e perseverança, visto que sois chamados a sofrer ainda. Cumpre fazer jus à boa posição em mundo melhor, onde a compreensão da Justiça divina se torna a punição dos maus Espíritos. Queridos pais, estarei sempre perto de vós. Adeus, ou, antes, até a vista. Tende resignação, caridade, amor por vossos semelhantes, e um dia sereis felizes. Clara

“Mais do que geralmente se pensa, o avental roça pela toga bordada...” Esta imagem belíssima é alusão aos Espíritos que, de uma a outra existência, passam de brilhantes a humílimas condições, expiando muitas vezes o abuso em relação aos dons que Deus lhes concedeu. É uma justiça essa que está ao alcance de todos. Profundo pensamento é também esse que atribui as calamidades coletivas à infração das Leis divinas, porque Deus castiga os povos tanto quanto os indivíduos. Realmente, pela prática da caridade, as guerras e as misérias acabariam por ser eliminadas. Pois bem, a prática dessa lei conduz ao Espiritismo e, quem sabe, será essa a razão de ter ele tantos e tão acérrimos inimigos? As exortações desta filha, aos pais, serão acaso as de um demônio?

# 📄 12. Françoise Vernhes

Esta era cega de nascimento e filha de um rendeiro das cercanias de Toulouse. Faleceu em 1855, aos 45 anos. Ocupava-se constantemente com o ensino do catecismo aos meninos, preparando-os para a primeira comunhão. Mudado o catecismo, nenhuma dificuldade lhe sobreveio em ensinar o novo, por conhecê-los ambos de cor. De regresso de longa excursão em tarde invernosa, na companhia de uma tia, era-lhe preciso atravessar sombria floresta por caminhos lamacentos. Fazia-se mister a maior precaução para que as duas mulheres se não despenhassem nos fossos. Nesta contingência, querendo a tia dar-lhe a mão, ela disse: “Não vos incomodeis comigo, não corro risco algum, visto como tenho aos ombros uma luz que me guia. Segui-me, pois, que serei eu a conduzir-vos.” Assim terminaram a jornada sem acidente, conduzindo a cega a tia que tinha bons olhos.

(Evocação em Paris, em maio de 1865.)

— Quereis dizer-nos que luz seria essa a guiar-vos naquela noite trevosa e só vista por vós?

👻 ▸ Quê! Pois as pessoas como vós, em contínuas relações com os Espíritos, têm necessidade de explicação sobre tal fato? Era o meu anjo de guarda quem me guiava.

  • Essa era também a nossa opinião, mas desejávamos vê-la confirmada. Mas sabíeis naquela ocasião que era o vosso anjo de guarda quem vos conduzia?

👻 ▸ Confesso que não, posto acreditasse numa intervenção do Céu. Eu orara por tanto tempo para que o Pai celestial se apiedasse de mim... É tão cruel a cegueira... Sim, ela é bem cruel, mas também reconheço ser justa. “Aqueles que pecam pelos olhos, por eles devem ser punidos; e assim deve suceder quanto a todas as outras faculdades do homem, que o levam ao abuso. Não procureis, portanto, nos inúmeros sofrimentos humanos, outra causa que lhes não seja a própria e natural, a expiação. “Esta, contudo, só é meritória quando suportada com humildade, podendo ser suavizada por meio da prece, pela atração de influências espirituais que, protegendo os réus da penitenciária humana, lhes infundam esperança e conforto.”

  • Dedicada ao ensino das crianças pobres, tivestes dificuldade em adquirir os conhecimentos do catecismo quando o mudaram?

👻 ▸ Ordinariamente, os cegos têm outros sentidos duplos, se assim se pode dizer. A observação não é uma das menores faculdades da sua natureza. “A memória lhes é qual armário onde se colocam coordenados, e para sempre, os ensinos referentes às suas aptidões e tendências. E porque nada do exterior pode perturbar esta faculdade, o seu desenvolvimento pode ser notável, pela educação. Quanto a mim, agradeço a Deus o haver-me concedido que tal faculdade me permitisse preencher a missão que levava, junto dessas crianças, e que constituía também uma reparação do mau exemplo que lhes dera em anterior existência. Tudo é assunto sério para os espíritas; basta, para afirmá-lo, olhar ao derredor deles. Os meus ensinos lhes seriam porventura mais úteis do que se se deixassem levar pelas sutilezas filosóficas de certos Espíritos, que se divertem com lisonjear-lhes o orgulho em frases tão bombásticas quão vazias de sentido.”

  • Pela vossa conduta terrena, tivemos uma prova do vosso adiantamento moral, e agora, pela vossa linguagem, temos a de que esse adiantamento também é intelectual.

👻 ▸ Muito me resta por adquirir; há, porém, muita gente que na Terra passa por ignorante, só porque tem a inteligência embotada pela expiação. Com a morte se rasga o véu, e frequentemente os ignorantes são mais instruídos do que os desdenhosos da sua ignorância. Crede que o orgulho é a pedra de toque para o conhecimento dos homens. “Todos os que possuírem coração acessível à lisonja, demasiado confiantes na sua ciência, estão no mau caminho; em geral são hipócritas e, portanto, desconfiai deles. “Sede humildes qual o foi o Cristo e, como ele, com amor carregai a vossa cruz, a fim de subirdes ao reino dos Céus.” Françoise Vernhes

# 📄 13. Anna Bitter

A perda de um filho adorado é motivo de acerbo pesar; ver, porém, o filho único, alvo de todas as esperanças, depositário de todas as afeições, definhar a olhos vistos e sem sofrimentos, por causas desconhecidas, por um desses caprichos da natureza que zombam da Ciência e, depois de esgotar todos os recursos, não haver por compensação uma esperança sequer; suportar essa angústia de todos os momentos, por longos anos, sem lhe prever o termo, é um suplício cruel que a fortuna agrava em vez de suavizar, dada a impossibilidade de vê-la fruída pelo ente adorado. Esta era a situação do pai de Anna Bitter, que por isso se entregou a um íntimo desespero. O caráter se lhe exasperava ante tal espetáculo a cortar-lhe o coração, e cujas consequências não poderiam deixar de ser fatais, ainda que indeterminadas. Um amigo da família, adepto do Espiritismo, julgou dever interrogar a respeito o seu protetor espiritual, e obteve a seguinte resposta: “Muito desejo explicar-te o caso que ora te preocupa, mesmo porque sei que a mim não recorres por curiosidade indiscreta, mas pelo interesse que te merece aquela pobre criança, e ainda porque, crente na Justiça divina, tu só terás a ganhar com isso. Todos os que acarretam sobre si a justiça do Senhor devem curvar a fronte sem maldições nem revoltas, porque não há castigo sem causa. A pobre criança, cuja sentença de morte fora suspensa por Deus, em breve deverá regressar ao nosso meio, visto como mereceu a divina compaixão; quanto ao seu pai, esse homem infeliz, tem de ser punido na sua única afeição mundana, visto haver zombado da confiança e dos sentimentos de quantos o rodeiam. Por momentos o seu arrependimento tocou o Onipotente e a morte sustou o golpe sobre o ente que lhe é tão caro; mas para logo veio a revolta, e o castigo sempre acompanha a revolta. Em tais condições, é felicidade ainda o ser punido nesse mundo! Meus amigos, orai por essa pobre criança, cuja juventude vai dificultar-lhe os últimos momentos. Nesse ser a seiva é tão abundante, que, apesar do seu depauperamento orgânico, a alma terá dificuldade em se lhe desprender. Oh! orai... Mais tarde ela também vos auxiliará e consolará, visto que o seu Espírito é mais adiantado do que os que a rodeiam. Para que o seu desprendimento seja auxiliado, coube-me, como graça especial do Senhor, o poder orientar-vos a respeito.” Depois de haver expiado o insulamento, morreu o pai de Anna Bitter. A seguir, damos de uma e outro as primeiras comunicações imediatas às respectivas desencarnações: Da filha.

— Obrigada, meu amigo, à vossa intercessão por esta criança, bem como por terdes seguido os conselhos do vosso bom guia. Sim. Graças às vossas preces, mais fácil me foi deixar o invólucro terrestre, porque meu pai... Ah! esse não orava, maldizia! Entretanto, não lhe quero mal por isso

— consequência da grande ternura que me votava. A Deus rogo que lhe conceda luzes antes de morrer; e, quanto a mim, o incito e animo, porque me assiste a missão de lhe suavizar os últimos momentos. Vezes há nas quais parece que um raio de luz divina baixa até ele e o comove; contudo, isso não passa de fugaz clarão, que para logo o deixa entregue às primitivas ideias. Ele tem consigo um gérmen de fé, mas tão sufocada pelos mundanos interesses, que só poderá vingar por meio de novas e mais cruéis provações. Pelo que me diz respeito, apenas cumpria suportar um resto de prova, de expiação, e assim é que ela não foi nem muito dolorosa nem muito difícil. A minha singular enfermidade não acarretava sofrimentos; eu era como que instrumento da provação de meu pai, o qual, por me ver em tal estado, sofria mais do que eu mesma. Além disso, eu tinha resignação e ele não. Hoje sou recompensada. Deus, graciosamente, abreviou-me a estada na Terra

— o que aliás lhe agradeço. Feliz entre os bons Espíritos que me cercam, todos cumprimos satisfeitos as nossas obrigações, mesmo porque a inatividade seria um cruel suplício. O Pai (um mês depois da morte.)

— Evocando-vos, temos por fim nos informarmos da vossa situação no mundo dos Espíritos e ser-vos úteis na medida das nossas forças.

👻 ▸ O mundo dos Espíritos? Não o vejo... O que vejo são homens conhecidos, que comigo não se preocupam e tampouco me deploram a sorte, antes parecendo-me contentes de se verem livres de mim.

  • Mas fazeis uma ideia exata da vossa condição?

👻 ▸ Perfeitamente: por algum tempo julguei-me ainda no vosso mundo, mas hoje sei muito bem que não mais lhe pertenço.

  • Por que, então, não podeis divisar outros Espíritos que vos rodeiam?

👻 ▸ Ignoro-o, conquanto tudo esteja bem claro em torno de mim.

  • Ainda não vistes a vossa filha?

👻 ▸ Não, ela está morta; procuro-a, chamo por ela inutilmente. Que vácuo horrível que a sua morte me deixou na Terra! Morrendo, julgava encontrá-la, mas nada! O insulamento sempre e sempre! ninguém que me dirija uma palavra de consolação e de esperança. Adeus, vou procurar minha filha. O guia do médium.

— Este homem não era ateu nem materialista, mas daqueles que creem vagamente, sem se preocuparem de Deus e do futuro, empolgados como são pelos interesses terrenos. Profundamente egoísta, tudo sacrificaria para salvar a filha, mas também sem o mínimo escrúpulo sacrificaria os interesses de terceiros em seu proveito pessoal. Por ninguém se interessava, além da sua filha. Deus o puniu da forma como o vistes, arrebatando-lhe da Terra a consolação única; e como ele se não arrependesse, o sequestro subsiste no mundo espiritual. Não se interessando por ninguém aí, também aqui ninguém por ele se interessa. Permanece só, insulado, abandonado, e nisso consiste a sua punição. Mas que faz ele em tais conjunturas? Dirige-se a Deus? Arrepende-se? Não: murmura sempre, blasfema até, faz, em uma palavra, o que fazia na Terra. Ajudai-o, pois, pela prece como pelo conselho, a desanuviar-se da sua cegueira.

# 📄 14. Joseph Maître, o cego

Pertencia à classe mediana da sociedade e gozava de modesta abastança, ao abrigo de quaisquer privações. Os pais o destinavam à indústria e deram-lhe boa educação, porém, aos 20 anos, ele perdia a visão. Com perto de 50, veio finalmente a falecer, isto em 1845. Dez anos antes, fora acometido por outra enfermidade que o deixou surdo, de modo que só pelo tato mantinha relações com o mundo dos encarnados. Ora, não ver, já é um suplício; não ver e não ouvir é duplicado suplício, principalmente para quem depois de fruir as faculdades de tais sentidos tiver de suportar essa dupla privação. Qual a causa de sorte tão cruel? Certo não era a sua última existência, sempre moldada numa conduta exemplar. Assim é que sempre foi bom filho, possuidor de caráter meigo e benévolo, e, quando por cúmulo de infelicidade se viu privado da audição, aceitou resignado, sem um queixume, esta prova. Pela sua conversação, pressentia-se na lucidez do seu Espírito uma inteligência pouco comum. Pessoa que o conhecera, na presunção de que poderia receber instruções úteis, evocou-lhe o Espírito e obteve a seguinte mensagem, em resposta às perguntas que lhe dirigira:

(Paris – 1863.)

“Agradeço, meus amigos, o terdes lembrado de mim. Pode ser que tal se não desse independente da suposição de proveito da minha comunicação, mas, ainda assim, estou certo de que motivos sérios vos animam e eis por que com prazer atendo ao chamado, uma vez que, por feliz, me é permitido orientar-vos. Assim possa o meu exemplo avolumar as provas assaz numerosas que os Espíritos vos dão da Justiça de Deus. Cego e surdo me conhecestes, e para logo vos propusestes saber a causa de tal destino. Eu vo-lo digo: Antes de tudo, importa dizer que era a segunda vez que eu expiava a privação da vista. Na minha precedente existência, em princípios do último século, fiquei cego aos 30 anos, em decorrência de excessos de todo o gênero que, arruinando-me a saúde, me enfraqueceram o organismo. Note-se que era já isso uma punição por abuso dos dons providenciais de que fora largamente cumulado. Em vez, porém, de me atribuir a causa original dessa enfermidade, entendi de acusar a Providência, na qual, aliás, pouco cria. Anatematizei Deus, reneguei-o, acusei-o, acrescentando que, se acaso existisse, devia ser injusto e mau, por deixar assim penar as criaturas. Entretanto, eu deveria dar-me ainda por feliz, isento como estava de mendigar o pão, à feição de tantos outros míseros cegos como eu. Mas é que eu só pensava em mim, na privação de gozos que me impunham. Influenciado por ideias tais, que o ceticismo mais exaltava, tornei-me frenético, exigente, numa palavra, insuportável aos que comigo privavam. Além disso, a vida era-me um moto-contínuo, pois que eu não pensava no futuro

— uma quimera. Depois de esgotar baldamente os recursos da Ciência e reputada impossível a cura, resolvi antecipar a morte: suicidei-me. Que despertar, então, que foi o meu, imerso nas mesmas trevas da vida! Contudo, não tardou muito o reconhecimento da minha situação, da minha transferência para o mundo espiritual. Era um Espírito, sim, porém, cego. A vida de além-túmulo tornava-se-me, pois, a realidade! Procurei fugir-lhe, mas em vão... Envolvia-me o vácuo. Pelo que ouvia dizer, essa vida deveria ser eterna, e com ela a minha situação. Ideia horrenda! Eu não sofria, mas impossível é descrever as angústias e tormentos espirituais experimentados. Quanto teriam eles durado? Ignoro-o... Mas quão longo me pareceu este tempo! Extenuado, fatigado, pude finalmente analisar-me a mim mesmo, e compreendi o ascendente de um poder superior, que sobre mim atuava, e considerei que se essa potência podia oprimir-me, também poderia aliviar-me. E implorei piedade. À proporção que orava e o fervor se me aumentava, alguém me dizia que a minha situação teria um termo. Por fim se fez a luz e extremo foi o meu arroubo de alegria ao entrever as claridades celestes, distinguindo os Espíritos que me rodeavam, sorrindo, benévolos, bem como os que, radiosos, flutuavam no Espaço. Ao querer seguir-lhes os passos, força invisível me reteve. Foi então que um deles me disse: “O Deus que negaste teve comiseração do teu arrependimento e permitiu-nos te déssemos a luz, mas tu só cedeste pelo sofrimento, pelo cansaço. Se queres participar desta felicidade aqui fruída, forçoso é provares a sinceridade do teu arrependimento, as boas disposições, recomeçando a prova terrestre em condições que te predisponham às mesmas faltas, porque esta nova provação deverá ser mais rude que a outra.” Aceitei pressuroso, prometendo não mais falir. Assim voltei à Terra nas condições que sabeis. Não me foi difícil compreender a situação, porque eu não era mau por índole; revoltara-me contra Deus, e Deus me puniu. Reencarnei trazendo a fé inata, razão por que não murmurei, antes aceitei a dupla enfermidade resignado, como expiação que era, oriunda da soberana justiça. O insulamento dos meus derradeiros anos nada tinha de desesperador, porquanto me bafejava a fé no futuro e na misericórdia de Deus. Ademais, esse insulamento me foi proveitoso, porque durante a longa noite silenciosa a minha alma mais livremente se alçava ao Eterno, entrevendo o infinito pelo pensamento. Quando, por fim, terminou o exílio, o mundo espiritual só me proporcionou esplendores, inefáveis gozos. O retrospecto ao passado faz que me julgue muito feliz, relativamente, pelo que dou graças a Deus; quando, porém, olho para o futuro, vejo a grande distância que ainda me separa da completa felicidade. Tendo já expiado, ainda me faltava reparar. A última encarnação só a mim aproveitou, pelo que espero recomeçar brevemente por existência que me permita ser útil ao próximo, reparando por esse meio a inutilidade anterior. E só assim me adiantarei na boa senda, sempre franqueada aos Espíritos possuídos de boa vontade. Amigos, eis aí a minha história; e se o meu exemplo puder esclarecer quaisquer dos meus irmãos encarnados, de modo a evitarem a má ação que pratiquei, terei por principiado o resgate da minha dívida.” Joseph


— Eis a consequência lógica do niilismo.
Se este moço fora espírita, teria dito: “A morte só destruirá o corpo, que deixarei como fato usado, mas o meu Espírito viverá. Serei na vida futura aquilo que eu próprio houver feito de mim nesta vida; do que nela puder adquirir em qualidades morais e intelectuais nada perderei, porque será outro tanto de ganho para o meu adiantamento; toda a imperfeição de que me livrar será um passo a mais para a felicidade. A minha felicidade ou infelicidade depende da utilidade ou inutilidade da presente existência. É portanto de meu interesse aproveitar o pouco tempo que me resta, e evitar tudo o que possa diminuir-me as forças.”

— se as vítimas ou os algozes.

— Exterminarei a Criação da face da Terra; exterminarei tudo, desde o homem aos animais, desde os que rastejam sobre a terra até os pássaros do céu, porque me arrependo de os ter criado.” Ora, um Deus que se arrepende do que fez não é perfeito nem infalível; portanto, não é Deus. E são estas as palavras que a Igreja proclama! Tampouco se percebe o que poderia haver de comum entre os animais e a perversidade dos homens, para que merecessem tal extermínio.

— Será este o homem que turbou a Terra, que aterrou seus reinos, que fez do mundo um deserto, que destruiu cidades e reteve acorrentados os que se lhe entregaram prisioneiros?” Estas palavras do profeta não se referem à revolta dos anjos; são, sim, uma alusão ao orgulho e à queda do Rei de Babilônia, que retinha os judeus em cativeiro, como atestam os últimos versículos. O Rei de Babilônia é alegoricamente designado por Lúcifer, mas não se faz aí qualquer menção da cena descrita. Essas palavras são do rei que as tinha no coração e se colocava por orgulho acima de Deus, cujo povo escravizara. A profecia da libertação do povo judeu, da ruína de Babilônia e do destroço dos assírios é, ademais, o assunto exclusivo desse capítulo.


  1. A.K.: Alusão ao Espírito Bernard, que se manifestou espontaneamente no dia das exéquias do Sr. Sanson. (Ver a Revista espírita de maio de 1862.)

  2. A.K.: Desta comunicação, cujo original é em alemão, extraímos os tópicos que interessam ao assunto de que nos ocupamos, suprimindo os de natureza exclusivamente familiar.

  3. Srta. Emma Livry.

  4. A.K. Ver a Revista espírita de março de 1860.

  5. N.E.: Tanto na 1ª edição francesa (1865) quanto na 4ª (1869) o Espírito é identificado como Ferdinand Bertin no início da comunicação, e como François Bertin ao seu final.

  6. N.E.: Também chamadas de Erínias ou Fúrias, ver nota 18.

  7. N.E.: Os gauleses temiam que o céu caísse sobre suas cabeças. Isso vem de uma referência histórica, quando Alexandre, o Grande, recebeu os gauleses que viviam no Adriático e perguntou a eles o que mais temiam, achando que diriam que era o próprio Alexandre, eles então responderam que não temiam ninguém, apenas que o céu lhes caísse sobre as cabeças.

  8. A.K.: Santo Agostinho, pelo médium com o qual habitualmente se comunica na Sociedade.

  9. A.K.: Privado de circulação do sangue. Descoloração da pele pela privação do sangue.

  10. A.K.: Os exemplos que vamos transcrever mostram-nos os Espíritos nas diferentes fases de felicidade e infelicidade da vida espiritual. Não fomos procurá-los nas personagens mais ou menos ilustres da Antiguidade, cuja situação pudera ter mudado consideravelmente depois da existência que lhes conhecemos, e que por isto não ofereceriam provas suficientes de autenticidade. Ao contrário, tomamos esses exemplos nas circunstâncias mais ordinárias da vida contemporânea, uma vez que assim pode cada qual encontrar mais similitudes e tirar, pela comparação, as mais proveitosas instruções. Quanto mais próxima de nós está a existência terrestre dos Espíritos — quer pela posição social, quer por laços de parentesco ou de meras relações — tanto mais nos interessamos por eles, tornando-se fácil averiguar-lhes a identidade. As posições vulgares são as mais comuns, as de maior número, podendo cada qual aplicá-las em si, de modo a tornarem-se úteis, ao passo que as posições excepcionais comovem menos, porque saem da esfera dos nossos hábitos. Não foram, pois, as sumidades que procuramos, e se nesses exemplos se encontram quaisquer personagens conhecidas, de obscuras se compõe o maior número. Acresce que nomes retumbantes nada adiantariam à instrução que visamos, podendo ainda ferir suscetibilidades. E nós não nos dirigimos nem aos curiosos, nem aos amadores de escândalos, mas tão somente aos que pretendem instruir-se. Esses exemplos poderiam ser multiplicados infinitamente, porém, forçados a limitar-lhes o número, fizemos escolha dos que pudessem melhor esclarecer o mundo espiritual e o seu estado, já pela situação dos Espíritos, já pelas explicações que estavam no caso de fornecer. A maior parte destes exemplos está inédita, e apenas alguns, poucos, foram já publicados na Revista espírita. Destes, suprimimos supérfluas minúcias, conservando apenas o essencial ao fim que nos propusemos, ajustando-lhes as instruções complementares a que poderão dar lugar ulteriormente.

  11. A.K.: Pode dizer-se que essa senhora era a encarnação viva da mulher caridosa, ideada em O evangelho segundo o espiritismo, cap. XIII.